terça-feira, 5 de abril de 2022


Requiem pelo Ambiente e responsos  pela Qualidade de Vida

A política de ambiente nesta governação morreu e isso não foi um acaso - é uma sistemática continuação da deriva ideológica para o liberalismo dos mercados desregulados que as ideologias democráticas tem vindo a sofrer em todo o Ocidente, ou mesmo no mundo. Merece por isso que seja entoado  um requiem pelo seu desaparecimento.

Ligada à defesa do Ambiente, e abrangendo outros vectores que alargam as condições relativas às formas de vivência das comunidades humanas,  resulta a Qualidade de Vida que deve ser defendida por toda a governação se, para lá dos aspectos da economia e das diferenças idiossincrásicas, existir uma vontade de contribuir para o bem estar humano. Dediquemos- lhe uns responsos pela sua recordação.

Em meados  dos anos 60 do século XX foi-se generalizando o conceito de que a sobrevivência da Humanidade dependia da sustentabilidade ou, como se dizia na época, da perenidade dos ecossistemas- este o grande conceito que revolucionou toda a forma de olhar para o planeta e para a sua defesa contra os excessos produtivistas que, desde a Revolução Industrial do século XIX, tinham agravado as condições da biodiversidade.

Ao Ambiente começou por se associar os factores físico-químicos que agravam as condições de vida -  as poluições das águas, do solo, do ar. Mas os factores biológicos acabaram por ser reconhecidos como fazendo parte indissolúvel e decisiva do complexo ambiental em que o ser humano e as suas comunidades estão envolvidas.

Esses conceitos entraram em Portugal com atraso e apenas uma minoria de profissionais mais esclarecidos os conheciam; ainda antes de Abril de 74 constitui-se a Comissão Nacional de Ambiente que praticamente se dedicava aos aspectos mais evidentes dos factores ambientais; mas o seu Presidente,  José Correia da Cunha, inteligente e interessado, quando surgiu a mudança de regime  e se instituiu uma primeira Sub-Secretaria de Estado  do Ambiente, soube adaptar-se e percebeu que o universo ambientalista era muito mais abrangente.

Creio que a abertura de ideias sobre a complexidade do Ambiente deu-se com as cheias trágicas de 1967, na região de Lisboa, quando na noite seguinte ao terror das derrocadas, mortos e feridos  apareceu surpreendentemente no telejornal da RTP o Gonçalo Ribeiro Telles ( como é que tendo sido  posto no geto pelo regime o foram chamar?) a explicar que as causas das trágicas consequências das chuvadas anormais se deviam essencialmente à falta de ordenamento do território da região ( como de todo o país), à ocupação das cabeceiras das linhas de água e dos leitos de cheia por habitações ilegais, a maior parte delas barracas miseráveis, mas também construções mais definitivas que toda a gente - desde as Câmaras Municipais ao Governo -  sabia que existiam

Quando se implantou o regime democrático GRTelles foi chamado para a Sub-Secretaria e depois Secretaria de Estado do Ambiente e ele aceitou sem pestanejar, porque era o que na altura de melhor se podia obter. Como seu colaborador directo acompanhei os esforços de ir planeando as bases para uma política de Ambiente que correspondesse ao que já nessa altura era considerado universalmente  como fundamental para a sobrevivência das comunidades humanas. Ficou portanto uma estrutura, digamos provisória, do que poderia vir a constituir a estratégia ambiental dum Governo. Nessa estrutura estravam já a Conservação da Natureza como fundamental,  um Serviço de Estudos que seria o esboço para os estudos de ordenamento e a Comissão Nacional de Ambiente que lidava dava com poluições e com a Educação Ambiental, sendo esta considerada um vector essencial para que a pouco e pouco a população fosse iniciada no conhecimento das circunstâncias  ambientais com sentido crítico.  E defendia-se uma estreita conexão com o sector agroflorestal porque é o que mais directamente  interfere de forma generalizada com os ecossistemas, além dos impactes que as actividades industriais,  rodoviárias, etc, podiam ter.

Como governante, a seguir a ele, tirando o Prof. Manuel Gomes Guerreiro que sabia muito bem o que deveria implementar nessas matérias, mas o seu Partido (PS...) não lhe deu nem tempo nem oportunidade, pode dizer-se que a política ambiental esteve em stand by até GRTelles voltar ao Governo - e quando o fez, já com autoridade para decidir, não criou um Ministério do Ambiente, criou o da Qualidade Vida.

Os pilares da Política de Ambiente foram a Conservação da Natureza e  o Ordenamento do Território, sendo que a Qualidade de Vida depende da harmonia ambiental mas ainda da defesa dos consumidores e da educação cívica e ambiental que fundam a visão holística da governação sobre os territórios e  as gentes que o habitam.  Com estas bases saiu a legislação que ainda hoje dá corpo à política ambiental : a Reserva Agrícola Nacional (RAN) pela qual muito se bateu o velho Mestre Ilídio de Araújo,  a Reserva Ecológica Nacional (REN) sem a qual, embora muito mal tratada desde então,  não se teria evitado destruir parcelas ecologicamente relevantes do território, os Planos Directores Municipais (PDM), os  Planos regionais de Ordenamento do Território (PROT) que possibilitavam obter a necessária conformidade entre os PDMs e o Sistema Nacional de Áreas Protegidas (APs), que colocava as mais emblemáticas áreas, ecológica e culturalmente importantes do património nacional,  sob uma gestão participada das autarquias mas supervisionadas pelo interesse nacional  (para evitar derivas contraproducentes que poderiam ocorrer) além de outras áreas protegidas de gestão directa das autarquias.

Esta política aguentou-se desde a sua criação, com altos e baixos,  até aos dois últimos governos deste século XXI.

Salienta-se que este entendimento da visão holística sobre a paisagem ( território ocupado e manipulado pelo homem) foi sempre equilibrado com o sector agroflorestal, onde os Serviços Florestais (SF) jogavam um papel fundamental, nem sempre perfeito mas ainda assim geralmente essencial) , isto até aos anos 90 do século passado quando a direita com Cavaco Silva sucumbiu aos grandes interesses da indústria e dos grandes grupos económicos, abrindo as portas ao crescimento  das fábricas de celulose e consequentemente à expansão exagerada dos eucaliptais - esta é a principal razão da situação que nos trouxe até hoje.  Tentaram travar os SF nomeando técnicos e agentes das celuloses para o superintender, tentaram acabar com a independência das APs- tudo porque eram obstáculos á livre expansão dos eucaliptais, sem ordenamento florestal adequado. O melhor  era extingui-los... E aconteceu.

Foi no governo socialista seguinte, do Engº Pinto de Sousa,  que os SF acabaram por ser extintos pelos Ministros da Agricultura ( Jaime Silva) e da Administração Interna (António Costa).

A deriva neoliberal nunca mais parou, O PS foi adulterando a sua ideologia de esquerda social democrata de uma forma  tão evidente que até eu, que não sou especialista nem dogmático,  perante o programa do Governo em 2005, escrevi uma crónica intitulada "Este socialismo liberal", sugerindo que com o tempo a primeira palavra desaparecia e ficaria só a segunda...Por alguma coisa aqueles governos do Eng.º Pinto de Sousa foram apoiados pela Merkel e pelo Sarckosi...

A deriva do PS para a direita liberalista nunca mais parou, apoiada nos auxílios que vêm da UE e da sua orientação demasiado flagrante neoliberal.  Durante a vigência da geringonça, (apesar de nem ser bom pensar num governo só dos parceiros!...), o certo é que foi a única forma do PS introduzir melhoramentos significativos nos aspectos sociais do País - mas o resto ficou ao abandono  e então no que se refere ao sector primário e ambiental foi uma série de  tristes mediocridades.

Nesta data a CNat voltou a fica amarrada às florestas como era há 50 anos atrás, foi  inventada a co-gestão das APs com as Autarquias (tal como meter a raposa a guardar o galinheiro...) e com este actual Governo acabaram as medidas ambientais que  perduraram desde a sua criação por GRTelles - escusam agora de o vir endeusar porque acabaram com a sua herança perante a indiferença generalizada dos chamados ambientalistas e das suas organizações. 

O Ordenamento do Território e a CNat que eram os pilares da defesa do Ambiente foram desligados, nunca mais se preocuparam com a defesa dos consumidores, nunca mais se fez a mínima campanha de educação ambiental - está tudo recuado a uns 50 anos atrás. Estamos felizes ! 

Que as secas sejam cada vez mais prolongadas e  frequentes, que os grandes acidentes naturais se repitam com acentuado ritmo - e mesmo assim   haja falta de água nos pastos ou para  se regarem as pequenas hortas e pomares mas continue a dar para os golfes e para os grandes pomares industriais, que continuem abandonados milhares de hectares de solos que podiam ser cultivados para agroalimentares e assim baixar a nossa dependência, etc, etc, são tudo derivas para uma economia de mercado cada vez menos regulado.

Quando se comemora o centenário do nascimento do Mestre Ribeiro Telles  não surge ninguém capaz de realizar um requiem pelo Ambiente ? Lá uns responsos pela Qualidade de Vida talvez seja capaz de rezar...


A guerra

Para  mim esta guerra provocada pela Rússia  é pornográfica, pois a selvajaria passa todos os limites do que seria previsível numa guerra dura mas limpa em termos de regras humanitárias mínimas.  Aceito que deve haver contra-informação dos dois lados, mas há uma coisa que é indiscutível pois  só por má fé se pode alegar  que a Ucrânia  ou qualquer país da UE ou da Nato iria bombardear e  muito menos invadir a Rússia ou a Bielorussia.  E por muito forte que seja a contra-informação ucraniana, as imagens não são posteriormente pintadas de negro : cidades arrasadas, prédios enormes onde só vivia gente civil,  destruição feita de longe, covardemente, porque nos embates de soldados de ambos os lados os russos tem perdido estrondosamente.  E assistir a isto sentado no sofá é pornografia, que me recuso a ver mais que uma vez de vez em quando e para assentar ideias.

Igualmente inaceitável é, ao que parece, ter sido proposto no Ocidente a exclusão das artes e da literatura russas, e a censura das televisões e comunicação social  só por terem à frente o Putin - isso é o que fazem os ditadores; as democracia ocidentais ( que pena serem apenas ocidentais) aguentam perfeitamente as noticias e imagens que viessem de lá, não nos infantilizem !!

Infantil é também ir pedir batatinhas à China, quando entra pelos olhos dentro que o que esta quer é lucrar com a guerra e servir-se da Rússia fraca para lhe ocupar o lugar no panorama mundial, mas não uma Rússia demasiado fraca que não lhe serviria para nada.








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