domingo, 18 de dezembro de 2022

 Esta maneira de "descentralizar"...

A  Resolução nº 123/2022 do Conselho de Ministros que acabou de sair, como já habitual  passa   ao lado das preocupações da opinião pública; quando alguém dá por ela ... encolhe os ombros. por culpa nossa, de todos nós,   e falta de interesse generalizado  pelas políticas  que nos governam - por isso estou para ver quantos   darão  importância ao que nela se propõe, a não ser muito mais tarde quando tudo já estiver decidido e arrumado.

Agora simplesmente o Governo diz estar a "descentralizar" atirando para o poder regional algumas políticas. de acordo com a prometida aproximação ao povo  - mas o poder regional é representado pelas CCDR que são apenas emanação do Poder Central, não representam o verdadeiro poder regional. Se as CCDR emanassem das Autarquias Locais, aí sim, seria o poder local aglutinado numa organização regional - mas isto da regionalização é assunto para ser pensado noutra ocasião em que se confronte o nosso histórico municipalismo com o regionalismo caciqueiro que alguns querem impor.

Lavar as mãos

O que interessa agora é mostrar que o Governo vai tentar lavar as mãos de certas  políticas, algumas das quais são políticas eminentemente  nacionais" tout court", o que não tem nada a ver com a necessidade e a mais valia do envolvimento e da participação dos poderes locais. 

Não se está a ver que sejam" regionalizadas" a política dos Negócios Estrangeiros, a política de Defesa Nacional ( que tal governadores militares "regionais?...). Mas se calhar muita gente ( já estou a imaginar  alguns presidentes de Autarquias a esfregarem as mãos) há-de concordar com o que se define nesta Resolução em apreço e que é  a "regionalização" da Politica de Ambiente . 
Quer dizer, o ICN(F) - que já é de nascença um aborto notoriamente neoliberal e para gáudio dos grandes interesses anti-Conservação  - deixa de ter mão  num dos pilares do Ambiente que é a Conservação da Natureza (CN) - que devia  ser sempre considerada uma política eminentemente nacional pois a natureza e os ecossistemas não têm fronteiras; e já se está a ver como é que local e regionalmente se vão interpretar as exigências nacionais nesse domínio tão frágil da nossa vida como País,  se elas  tiverem de contrariar costumes ou interesses locais...  Mas uma vez desmembrada por estes últimos Governos a Política da Ambiente, de onde foi retirado o outro pilar que é o Ordenamento do Território (OT), levado para outro ministério meramente  político, (  o OT é um processo biofísico, técnico-científico, que se interliga com a CN para gerar a gestão ambiental) está agora a ficar claro que existe desde o anterior Governo uma estratégia orientada e faseada por forma a ir passando despercebida. Por isso é que são chamados para tutela do  Ministério do Ambiente "políticos" que podem ser grandes especialistas em quase  tudo- menos serem ambientalistas ou que se preocupem e saibam  o que de mal e perigoso estão a fazer. Não é por ignorância, antes fosse -  tudo aponta  para objectivos orientados  para certos interesses. 

De resto aconteceu o mesmo - e já foi denunciado em vão,  até pela CAP - com o desmembramento do sector agro-florestal, separando a agricultura das florestas, quando uma gestão racional e eficiente do sector primário implica a gestão conjunta do ager  e da silva.

 O que confrange é que estas alterações de politicas nacionais - que  passam ao lado da grande opinião pública,  porque a informação  técnica da população infelizmente é reduzida- mas também passam ao lado de inúmeros profissionais que a repudiam em privado mas depois não assumem posição pública.

E as ONG ambientalistas? Essas deveriam ser implacáveis, os problemas de médio e longo prazo do Ambiente não dizem respeito apenas aos parâmetros químico-físicos, poluições, ruídos e as extracções mineiras problemáticas em que vemos algumas ONG manifestar preocupação - os assuntos acima referidos são cruciais em termos de futuro da biodiversidade e sustentabilidade do território - e do povo!

Tudo isto tem um historial já explicado noutras ocasiões e a mim custa-me especialmente assistir a este género de políticas em governos que se dizem da esquerda democrática - ao longo da  minha vida  já longa  fui sempre ideologicamente da social democracia, a concepção que a par da democracia cristã deu à Europa e a boa parte do mundo o mais longo tempo de paz e bem estar social em plena liberdade. E a liberdade vale mais que todos os amanhãs que cantam ou os delírios dos mercados desregulados que acabam em tragédia humanitária.

O lento caminho de desmontar o sector primário e o ambiente

Tudo começou com  o desmontar do sector agrícola possibilitando o progressivo abandono do interior. Cavaco Silva primeiro ministro, "o mais lídimo social democrata" segundo  as suas próprias palavras, encantado com os subsídios que iriam chegar da PAC, incentivou os pequenos e médios agricultores a deixarem de produzir, subsidiando-os com esse fim  e milhares de hectares agricultáveis foram abandonados.  Não passou muito tempo que viessem os agentes da indústria da celulose  oferecer aos agricultores "reformados à força" que plantassem eucaliptos, as despesas eram por "conta da casa" ou arrendassem as terras. Nesses anos eu dava aulas na Univ. de Évora e conheci muitas denuncias feitas desse  processo que estava em curso. Muitos milhares de hectares viraram eucaliptais e outros milhares ficaram abandonados.

Depois veio a extinção dos Serviços de Extensão Rural, que eram fundamentais para orientar a pequena e média agricultura. fomentando novas culturas e promovendo o associativismo rural, bem como atraindo gente nova e mais instruída para o sector agro-florestal. Foi um golpe decisivo, pois as grandes empresas da agro-indústria têm dinheiro para pagarem aos seus próprios  técnicos e para os seus objectivos que pouco ou nada têm a ver com as culturas alimentares de que somos tão carentes. Quem lucrou com esta medida?  - a grande agro-indústria.

Veio a seguir o desmantelar dos Serviços Florestais; em dada altura todo o Ministério e  Secretarias de Estado estiveram entregues a pessoas oriundas da industria da celulose. Apesar disso a ética profissional de muitos silvicultores não possibilitava a livre expansão da eucaliptização, pois restava alguma  resistência   ao  abandono do ordenamento florestal de todo o país que devia ser implementado de acordo com as condições edafo-climáticas.

Acabou a autoridade florestal nacional que cobria o país com uma quadrícula de defesa e gestão das área de mata e de mato  Quem lucrou com isto? ´a grande indústria das celuloses.

O desabar das Áreas Protegidas

Por outro lado as Áreas Protegidas - os grandes parques naturais e reservas naturais- tinham os seus planos de ordenamento orientados para a defesa da biodiversidade e da gestão racional das suas vastas áreas sensíveis, eram incompatíveis com o avanço indiscriminado dos eucaliptais e de outros povoamentos monoespecíficos. Eram também mais um alvo a abater.

Em dada altura houve um complot entre dois Secretários de Estado, um das Florestas outro do Ambiente, que se  propunham acabar com o  serviço nacional de parques entretanto  chamado ICN e juntar tudo com as florestas - assim podendo ser controladas as limitações à expansão da indústria florestal.  O assunto só foi conhecido por ter sido denunciado pubicamente pelo então Ministro do Ambiente, engº Amílcar Teias, que o travou. Por acaso esteve muito pouco tempo no cargo ...

Depois,  um Secretário de Estado do PS disse taxativamente, numa reunião em que eu  estive presente, que os parques tinha  poder a mais e teria de haver um controle nacional , nessa altura, e não foi assim há muitos anos, a descentralização do PS ainda não nascera; o tal poder a mais significava  que as AP tinham, como em todos os países do mundo,. um Director que nas nossas AP presidia a um Conselho Geral (CG) onde estavam as Câmaras Municipais, as Juntas de Freguesia e os Serviços técnicos regionais mais importantes, e era nestes CG que se discutiam as acções a desenvolver em cada AP, o que tinha um carácter pedagógico e didáctico. O Director era o garante da unidade nacional da política ambiental e a mensagem ia passando para o poder local e para as populações. 

Resultado : uns iluminados instituíram a presente orgânica que tem apenas servido para levar o caos às AP, as populações deixaram de se rever nas suas AP e os planos de ordenamento deixaram de ser implementados. Em que país  decente   Parques Naturais com a importância e a dimensão da Serra da Estrela, Arrábida ou Ria Formosa e Reservas Naturais com a relevância do Estuário do Tejo ou do Sado não têm director? Inovação do PS em matéria de CN.

Continuar o descalabro das AP

No anterior Governo deu-se outra machadada crucial : a cogestão das Autarquias Locais quanto ao turismo dentro das AP, Ora não tendo estas um director que garanta a fidelidade à politica nacional  de Ambiente, pois os critérios da Conservação da natureza e dos ecossistemas  são universais e não adaptáveis, é como colocar a raposa a tomar conta do galinheiro. As Autarquias em regra têm legitimamente a sua política de poder e não lhes cai bem que haja áreas de território sujeitas a regras nacionais especiais.  A sensibilidade ambiental não atinge todas as Autarquias por igual embora existam bons exemplos, mas um grão de areia não faz um areal. Mas para a insensibilidade ambiental dos nossos  Governantes assim é que está bem...

Quando as AP "tinham poder a mais", apesar de existir um controle funcional as Autarquias participavam activamente nas decisões, para os "ambientalistas" do PS estava mal - agora para eles é que está bem, quando deixou de haver um responsável directamente delegado da política nacional  de Ambiente.

Como já está desmantelado o sector agro-florestal, a favor dos grandes interesses da economia de mercado livre - fica também agora aberto o total descalabro do Ambiente, e o risco para a perda dos valores matriciais dos parques naturais e das reservas naturais  será cada vez maior.

É uma prática muito pouco condizente com uma ideologia de social democracia, que para o PS português tem os seus  particularismos...; e não é de agora, pois tirando o 1º Secretário  de Estado do Ambiente que foi o Prof. Gomes Guerreiro (uma personalidade ímpar no panorama ambientalista dos socialistas) ninguém mais deixou marca no sector, embora alguns titulares - e recordo o arqº Gomes Fernandes, e o dr. Humberto Rosa - pudessem ter deixado nome se a política do partido o permitisse. Isto ao contrário da social democracia europeia na qual me revejo e que é cada vez mais ambientalista e conservacionista.  vem de trás - em 2005, perante o programa de Governo de José Sócrates a orientação  era tão evidente que ate eu escrevi uma crónica no  "Barlavento"  designada "Este socialismo liberal"- e continuou-se  sempre no mesmo caminho.

Porque não é apenas fazendo medidas de apoio aos mais desfavorecidos com as sucessivas crises que abalam a Europa e o mundo, que se demonstra ser social democrata, qualquer regime "assistencialista" faria o mesmo perante tanta pobreza e tanta insegurança na vida das pessoas como existe em Portugal - o que revela os valores da social democracia são as preocupações genuínas sobre o Ambiente e a integridade das políticas  a ele dedicadas das quais depende  a sustentabilidade do Mundo. Mas  quando se governa em maioria absoluta,  para qualquer partido, seja ele qual for, é sempre uma tentação de fazer o que lhe dá na real gana sem protestos, aglutinando os amigos e a família com um bloco fechado. No México durou uns 70 anos e sempre em "democracia"...

 O mundo todo está a ir neste sentido,  se não nos precavermos acabamos  com um Orban ou um Erdogan  em cima de nós.

Agora, fazer de conta que esta Resolução nº123/22  demonstra que se está a descentralizar, e que ninguém se incomode com essa maneira de o fazer, é que devia levar a um sobressalto nacional  - mas não há sinais de que quer a opinião pública, quer os técnicos conhecedores que permanecem calados, nem mesmo as ONG ambientalistas se sobressaltem, e os governantes continuam o seu caminho implacável para fazerem o que uma maioria absoluta de um só partido permite. Os portugueses não mereciam este agravamento das suas condições de sustentabilidade e de qualidade de vida!

Rede Nacional de Áreas Protegidas, Sistema Nacional de Áreas Protegidas... coisas do passado quando tudo estava mal, agora é que tudo está como nunca esteve. A propósito, o Parque Nacional do Gerês,  deixa de ser nacional ou também passa para a CCDR do Norte?










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