quarta-feira, 2 de março de 2022

 O sector agroflorestal e a governação

Há anos, desde que nos últimos governos se separou o pelouro da agricultura  do florestal, que sou um dos que mais tem batalhado contra esse erro crasso. Uma das razões para essa solução terá que sair deste "trilema ": ou ignorância, ou teimosia e arrogância governativa ou submissão encapotada a interesses ( e nestes poderão estar a desregulação do sector silvícola que favorece a industria da celulose).

A indústria da celulose é necessária à economia do País? É, e quem o negar por qualquer excesso  ideológico também estará a dar um mau contributo para a causa do ordenamento florestal. Mas a expansão dos povoamentos estremes de eucalipto ( não são florestas como quer fazer crer a indústria da celulose) tem que ser enquadrada num ordenamento florestal científicamente  elaborado e não faltam Universidades com capacidade para o realizar em colaboração com os técnicos já bem conhecedores da prática de campo.

Ainda agora, num artigo de opinião, o Presidente da CAP dizia que o atraso na nomeação do próximo Governo poderia ser benéfico se der tempo a que se pense na consolidação do sector agroflorestal; e reafirmava aquilo que vários profissionais tem escrito ao longo dos anos, que "O sector agroflorestal tem um papel social e comunitário único, é um motor da coesão social e territorial".  E diz mais, como "precisamos de nos afirmar com uma voz de peso em Bruxelas, de agregar as florestas à agricultura, de reforçar a tutela  da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária na esfera do Ministério da Agricultura, de valorizar a Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, de pagar atempadamente  aos agricultores. E que não se menospreze a importância da agricultura para a coesão e valorização do interior". Só falou, para ficar completo, propor a reconstituição duma Autoridade Florestal Nacional, que sempre foram os Serviços Florestais, seja direcção geral ou instituto, conforme o estatuto que se lhe queira dar. 

Até convém recordar que já se chamou acertadamente Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, pois as águas interiores sempre foram entendidas como dependendo seriamente da florestação e faziam parte das preocupações da tutela; e um sector importante era o do combate à erosão e a correcção torrencial, através dum Gabinete sediado em Leiria e dirigido por uma grande autoridade a nível mundial, o Engº Mário Galo, com quem tive o privilégio de trabalhar. Foi uma especialização dos engenheiros florestais que muita sabedoria receberam do Prof. Zózimo do Castro Rego, outro Mestre que devia ser recordado.  Com a enorme  desarborização  das serras provocada pelos incêndios,  a erosão é provável  que tenha aumentado - mas alguém  monitoriza esse grave factor de desequilíbrio ecológico?

 Também há dias o eng.º silvicultor Octávio Ferreira, último Administrador Florestal da Mata de Leiria, escrevia no mesmo sentido um texto  que é um grito de alarme :"Sr. Primeiro Ministro, por favor, arrume de vez as florestas"; "dê-lhes a estabilidade, a organização e a estrutura  necessárias para uma gestão sustentável ao longo dos tempos, pois em resultado da desarticulação e constantes alterações dos últimos anos, ardeu um milhão de hectares de arvoredo, perderam-se muitas vidas humanas e quase desapareceu a nossa "jóia da coroa", a Mata Nacional de Leiria."

Já tenho insistido que  os políticos ( como os "eminentes" ministros que tem estado á frente da agricultura e das florestas) deviam ler um livrinho escrito pelo Mestre de primeira água que foi o Prof. Manuel Gomes Guerreiro e intitulado " A floresta na conservação do solo e da  água" - fazia-lhes bem, tal como  aos meninos e meninas que tomam decisões nestes domínios. E deviam saber uma máxima que já vem do direito romano - ager-saltus-silva - como premissa para aceitarem ocupar  os seus  cargos ministeriais.

Reformular a estrutura deste sector primário é fundamental para a sustentabilidade do nosso território, mandando para as urtigas esta sapiência liofilizada de alguns iluminados que levaram o dr. António Costa, que destas matérias nada  percebe, a enveredar por um caminho  tão desastroso.

Nestes tempos indiscutíveis ( excepto para os ignorantes falaciosos que os acham parte dum ciclo normal) de aceleração das alterações climáticas em que no nosso país a água é cada vez mais um recurso vital e raro, a nossa agricultura "oficial" continua a apoiar os pomares industriais de regadio, onde os investidores vão lá receber os lucros como numa aposta de casino- dura enquanto rende ; e os pequemos agricultores da agroalimentar ( que deveria ser um sector prioritário) não tem água para as suas hortas e pomares - tal tem sido a orientação e a pouca  capacidade de prevenção e monitorização por parte  dessa agricultura oficial.

Ainda há dias o  Presidente da Associação dos Bombeiros protestava contra o papel dado à GNR no combate aos incêndios rurais, quando quem sabe do assunto são eles, os bombeiros, que  sempre cumpriram a sua tarefa em harmonia com os guardas florestais - que também  foram parar à GNR e perderam o papel eminentemente nacional que desempenhavam  na gestão e defesa das áreas de matas e de matos.

Essa falta de eficiência da GNR e da Protecção Civil ficou bem patente no incêndio de Agosto de 2018 em Monchique, em que assistiram ao avanço do fogo durante uma semana, deixando que ele ultrapassasse a linha de festo da Fóia, arrasando as encostas a sul -  um desastre monumental. É só um exemplo que estudei de perto.

E para concluir por agora :  concentração de cada vez mais poder no MAI é uma política concentracionária mais própria de uma democracia musculada que ocupa a seu bel prazer a maioria (senão a totalidade?...) dos cargos do Estado do que de uma governação  verdadeiramente democrática. Esperemos para ver...




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