domingo, 24 de julho de 2022

 Esta inacção é revoltante

Perante os dados da situação dos fogos rurais ( se fossem fogos florestais ardiam florestas, coisa que não temos) podemos prever que se repita o quadro de 2017, com incêndios catastróficos em Junho e de novo em Outubro. Os técnicos das celuloses e os anúncios da mesma não se cansam de falar das suas "florestas sustentáveis" mas como sabemos -e eles também sabem, mas fazem por esquecer, negócio oblige- povoamentos estremes de pinheiro ou eucalipto, plantados a compasso mínimo,  não são florestas nem sequer matas sustentáveis. Basta entrar numa dessas "florestas" e ficaremos espantados com a biodiversidade ali reinante! Povoamentos de  eucalipto e pinheiro bravo  (nestes ainda existem laivos de vida quando são bem geridos) não são florestas e muito menos sustentáveis.

 Eu sou daqueles que gosto de  falar com conhecimento de causa, conheço razoavelmente o nosso país, e todos os anos e em diferentes  épocas viajo frequentemente pelos territórios mais problemáticos.

Assim em 2017, no final de Setembro, fiz uma longa incursão pelas regiões do Centro que arderam, falei com pessoas que continuaram a viver nos pequenos casais e onde o fogo lhes passou por cima e queimou tudo em volta - e disse para quem me acompanhava que ainda iria arder muito mais, pois as matas estavam por limpar, havia estradas que pareciam túneis de verdura  (o que paisagisticamente era um valor e  não seria  grande mal se os matos das margens e do interior dos povoamentos tivessem sido limpos),  não havia rasto da existência de aceiros e arrifes que permitissem aos bombeiros entrar pelas zonas de mata e de mato - portanto tudo preparado para a próxima sessão de fogos. E eles aconteceram cerca de 15 dias depois  da minha passagem, como todos se lembram desse Outubro e precisamente em muitas das estradas e encostas onde eu andei.

Se a estes pressupostos que  sustentam a inevitabilidade dos fogos, juntarmos o clima de um ano como este, com a   onda de calor provocando temperaturas bastante acima das temperaturas habituais, com a aflitiva baixa humidade atmosférica e a gritante falta de água no solo-desta vez já não apenas no habitual Sul mas em todo o País- temos o quadro da tempestade perfeita, como se diz por ai. Depois os negacionistas ( em vários quadrantes político-partidários) continuam a desvalorizar a influência das alterações climáticas, porque "sempre houve secas, sempre houve altas temperaturas," e não poemos deixar de produzir intensivamente com esse medo... Não se importam que alterações climáticas, identificadas pelos cientistas em todo o mundo. não seja a mesma coisa que transformações climáticas de origem natural.

E a que assistimos? Na maior parte dos casos os fogos de grandes dimensões só são detectados já com as chamas a lavrarem com dimensões espectaculares, um deles até foi detectado por um camionista que passava numa estrada; podem dizer, há muitos mais incêndios  detectados a tempo e que não são notícia - pois acredito,  mas os que são notícia já bastam.  Vemos também que muitos fogos são deixados a arder porque ficam longe dos acessos - quando em muitos casos se tivesse havido  o  tal trabalho preventivo que se faz ao longo do ano (e todos os anos) os tais aceiros e arrifes limpos e transitáveis, as viaturas de socorro poderiam aproximar-se.

Não têm faltado depoimentos de ilustres  técnicos e académicos  florestais ou ligados a esta problemática, com muitas soluções mais ou menos evidentes, mas não percebo porque têm receio de dizer claramente que, o que falta não são meios de combate aos fogos,  o que falta é uma estrutura organizada no território que garanta a defesa e a vigilância das áreas "florestais" ao longo do ano, com continuidade.

Ainda não vi ninguém exigir aos governantes que dêem a mão à palmatória - errare humano est - e refaçam o que obstinadamente tem andado a ser feito ano após ano, correndo atrás do prejuízo. Custa muito a perceber que só uma estrutura organizada, refazendo uma Autoridade Florestal Nacional, com uma nova concepção actualizada face à realidade do nosso século mas que não pode dispensar administrações florestais  (certamente menos do que as que existiam há décadas) e uma quadrícula de postos de guardas florestais e sapadores florestais em número e localização que um estudo aturado  - e não faltam universidades capazes de o fazer e alguns velhos técnicos com experiência de "outros tempos" para colaborar- para se voltar ao bom senso dum território preparado para defender e gerir a área florestal.

Quem se lembra ainda dos cursos de formação dos guardas florestais? e dos livros técnicos que tinham de estudar ? - coitados, viraram polícias da GNR e são desprezados, pagando-lhes um ordenado de miséria.

Só se isto que estou para aqui a escrever esteja tudo errado e ultrapassado, como um alto dirigente já disse das minhas opiniões. Lá vou eu escrever mais uma enormidade, já me desabituei do politicamente correcto (de que nunca me aproveitei) e agora acusem-me de defender o Estado Novo. Mas nesses tempos do ancient régime do século XX, só chegava a director geral ou outro cargo destacado quem fosse profissionalmente muito competente. Eu tive como directores gerais quer nos Serviços Florestais, quer nos Serviços de Urbanização ou na defunta Junta Autónoma de Estradas, directores gerais de alto gabarito, com quem se chegava a aprender alguma coisa  - tinham que ter cartão do Partido ? Mas hoje também... A diferença está na qualidade.

Porque será que tantos engenheiros florestais ou silvicultores que andam por aí, muitos com larga e vasta experiência e conhecimentos da matéria, não tomam uma posição conjunta? Afinal trata-se daquilo que aprendemos e sabemos fazer e que tem vindo desde há anos a ser posto em causa.  Acredito que alguns ainda "ao serviço" tenham receio de acusar o que vai mal- existe medo, a nossa democracia tem os seus limites. Até porque dirigentes de diversos escalões não são escolhidos por competência, seja qual for a sua cor política, mas pelo cartão do Partido.

Mas esta inacção é revoltante para quem sabe que as coisas podiam ser tratadas de outra forma. Então faz algum sentido ( fazer, faz, mas é  melhor deixar isso em suspenso...) que o sector agro-florestal tenha sido desarticulado com a agricultura ( industrial, de regadio, intensiva)  numa tutela e as "florestas" noutra? Dividir para reinar... E haja técnicos competentes (!!) que aceitem assumir as tutelas estando a marimbar-se para a incongruência também já ninguém repara...

Num país com consciência colectiva generalizada e opinião publica motivada e conhecedora, isto não ficaria assim - o sector primário é o sector fundamental para o futuro sustentável do território e do seu povo. Só que medidas que visem o médio e longo prazo não dão votos...

Por arrastamento a Politica de Ambiente foi igualmente desarticulada, mas estas ideias,  pelo que se vê e ouve, são também ideias ultrapassadas... A política de Ambiente e de Qualidade de Vida assentou desde o seu lançamento no pós 25 Abril de 74 em dois pilares: a Conservação e o Ordenamento do Território; da compreensão dessa articulação nasceram as leis fundamentais, que têm aguentado o país até aqui: a RAN, a REN, os PDMs, os PROTs, a Rede Nacional de Áreas Protegidas. Fizeram sempre engulhos a muita gente - produtivistas, promotores da tais "florestas sustentáveis",  certas Câmaras Municipais, promotores turísticos e urbano-turísticos. Uma Autoridade Florestal  Nacional e Áreas Protegidas com capacidade organizativa e modelos de ordenamento qualitativo do território eram alvos a abater - e foram. 

O Ambiente está "amarrado" às florestas ( velho sonho, num "arranjinho" tentado em anos passados por alguns Secretários de Estado e denunciado publicamente pelo então Ministro do Ambiente), as Áreas Protegidas, alterada a sua orgânica por uns iluminados,  em cogestão com os Municípios numa errada confusão entre política nacional e descentralização, e o Ordenamento do Território, que tantos engulhos faz a muita gente, finalmente mandado para um Ministério político, no Ambiente não faz falta...

Conclusão disto tudo : a Assembleia da República instituiu o dia 25 de Maio como  Dia Nacional dos Jardins, homenageando  Gonçalo Ribeiro Telles que nasceu nesse dia há um  século. Mas das ideias que ele defendeu e pelas quais lutou toda a vida, o que é que resta? O que teriam  a dizer alguns já falecidos ( Prof. Manuel Gomes Guerreiro, Francisco Sousa Tavares) e outros felizmente ainda ainda vivos, que lhe  deram seguimento, como Augusto Ferreira do Amaral, Carlos Pimenta, Macário Correia? 

Homenagens, mesmo justas, que se ficam pelo papel, são como os  monumentos em pedra ou em bronze - existem até que um futuro Poder os mande arrear.














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