quinta-feira, 8 de novembro de 2018


Enviei a dias o texto seguinte para o jornal PUBLICO, com poucas esperanças de que seja publicado, Aqui pelo menos vai ver a luz da estampa na internet

A ESQUERDA OU  É ECOLOGISTA OU NÃO É ESQUERDA

A grande inovação ideológica surgida sobretudo a partir do último quarto do século XX foi a das preocupações ambientais resultantes dos avanços da ciência da Ecologia.
Desde sempre  o ecologismo e o Ambiente , mais ou menos extremados conforme quem os assume , foram adoptados pelas forças políticas progressistas; mas ainda hoje há quem defenda que as alterações climáticas são apenas fruto dos ciclos do planeta – são os mesmos que dizem terem acabado as ideologias de esquerda e direita, só existe a ideologia  dominante que é a “realidade” ou seja o  mercado.
Na Europa depois da 2ª Guerra Mundial acentuaram-se as ideologias democráticas de esquerda – seja o socialismo democrático ou social democracia, seja a “esquerda” da direita que é (era…) a democracia cristã. Ambas nasceram como reacção quer ao marxismo quer ao liberalismo que nos finais do século XIX se confrontavam e impunham ditaduras, fosse a do proletariado fosse a do deus dinheiro do laissez faire, laissez passer.
Os ideólogos da social democracia, desde os do socialismo utópico até aos das diversas variantes que se desenvolveram e a democracia cristã saída da Igreja depois da Encíclica Rerum Novarum, procuravam sistemas de maior protecção social e de mais justiça democrática, sem pôr em causa os pilares essenciais da liberdade e da democracia. Mesmo países de maioria religiosa protestante acataram as propostas da democracia cristã, coisa que hoje nem os mais fervorosos católicos ( pelo menos no discurso) já acatam, rendidos como estão aos cantos de sereia do liberalismo.
As preocupações ambientais passaram a fazer cada vez mais parte das propostas que se orientavam por aquelas ideologias; mas  sobretudo a esquerda  socialista e social democrata assumia-as com maior empenho.
A erosão que se verifica na esquerda democrática de alguns anos a esta parte, e a cedência da direita democrática cada vez mais aos ditames  do liberalismo financeiro, têm tido como  consequência o crescimento de franjas ideológicas  : por um lado a extrema direita que ganha terreno , por outro lado o realce cada vez mais notório de partidos ecologistas ou “verdes”, que se podem dizer de extrema esquerda.
A perda de importância própria nos partidos social democratas europeus ( com maior gravidade na Alemanha mas um pouco noutros países) resulta a meu ver de não terem sabido actualizar a sua ideologia e,  entre outras causas, aos problemas ambientais e ecológicos contemporâneos.
A experiência governativa de esquerda ensaiada em Portugal, para além, de ser um espécie de alerta para a Europa de que é possível governar à esquerda, tem tido , entre outros, como grave deslize. a perda da sua sensibilidade ambiental e ecologista.  A Política de Ambiente, aceites como foram, sem pestanejar, as alterações institucionais  concretizadas pelo último governo de direita, perdeu toda a sua capacidade de intervenção global e transversal nos sectores da economia. É inevitável ter de  voltar a falar no descalabro da política florestal, mas também a defesa que o Ministério do Ambiente chegou a fazer da continuidade da  exploração petrolífera no Algarve, a condescendência face á poluição provocada pela industria da celulose no rio Tejo e, como denunciou o Prof. Jorge Paiva, no mar da zona da Leirosa, o ajoelhar face á continuidade da central nuclear de Almaraz, o caos nos Parques Naturais com uma organização ineficaz, a junção do ICN com as florestas ao encontro dos desejos especulativos da floresta industrial e da actividade urbano-turística, etc, etc- é só um pedaço da longa lista de ineficácias.
Esperava-se que a actual  governação de esquerda assumisse uma política ambiental e ecologista condigna com  as ideias mais  progressistas , não tanto  pelo PS que nunca foi ambientalista, mas pelos partidos de esquerda que o apoiam –afinal nem se fala dessas matérias, todos ficam indiferentes  à falta de políticas que garantam a perenidade, isto é, sustentabilidade do território.
E uma esquerda do séc. XXI que não seja ecologista não é esquerda.
Fernando Santos Pessoa, arq.ºpaisagista
31-Out-018

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