segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

 Não  era preciso ser bruxo...

Cada um pensa o que quer e manifesta como quer, já proclamava  Espinosa  no século XVII. E se mais cidadãos interviessem nas coisas da res publica e trocassem opiniões, sem estarem à espera dos especialistas encartados, a sociedade seria mais viva e possivelmente mais justa. Mesmo incorrendo em erros, desde que se tenham dois dedos de informação e de cultura geral, pode-se contribuir para a vontade geral de que também  há séculos falava Rousseau - e pronto, só nestas linhas  duas manifestações de intelectualite ...

Em Maio de 2017 escrevi a seguinte crónica que acabei por não enviar para publicação, mas acho que o que pensava naquela altura veio a confirmar-se e revelar-se hoje  actual e notório.

" A França, a Europa e nós

Não se tem falado noutra coisa senão nas eleições que ocorreram em França, toda a gente tem a sua opinião e eu...tenho a minha.  E começo por realçar que, se consultarmos as duas voltas das eleições, 50% da população francesa votou na extrema esquerda e na extrema direita, com divergências naturais entre os dois campos, mas com uma coisa séria em comum : serem contra a União Europeia e contra o euro !

Os partidos e os políticos tradicionais que se batem pela actual UE e pela manutenção da moeda única, afinal representam metade dos franceses e isso não pode deixar de ser considerado o fenómeno mais grave e mais sério da actualidade. Se fizéssemos uma análise do que se passa nos outros países, excluindo talvez os alemães e um ou outro país da sua órbita, será que a situação dos outros povos seria diferente?

Os países do norte não aceitam a manutenção das ajudas aos do sul, estão fartos de pagarem ( dizem eles) para copos e mulheres - ou acham que aquele sujeito holandês, de caracóis com laca, disse o que disse apenas como opinião pessoal?

E nos países do sul já se generalizou um crescente mal estar contra a estrita ordem liberal que a Europa mais rica impõe - limites da dívida e do deficit arbitrários, austeridade asfixiante sobretudo sobre os estratos sociais mais desfavorecidos, política expansionista e pouco solidária dos alemães que acumulam excedentes que as próprias regras europeias proíbem...

O jornal Publico trazia uma ampla reportagem sobre o início da CEE, onde um grupo de eminentes políticos europeus, entre os quais Jacques Delors, coordenados pelo belga Robert de Maldague, publicou em 1975 um relatório que foi pura e simplesmente destruído pela organização porque - vejam bem- afirmava que a liberalização dos mercados de capitais estava a minar a autoridade dos governos democráticos. E ainda apontava o dedo ao comportamento das grandes empresas na formação de preços, no emprego e nos mercados de capitais onde tinham uma posição dominante. Denunciava-se ainda que essas grandes empresas estavam a reduzir a capacidade produtiva da Europa e a  pôr em risco a coesão social! E, não menos grave, advertia o relatório que não sendo levadas a efeito reformas de longo alcance existia o risco de que métodos autoritários possam gradualmente controlar as nossas sociedades. Quer dizer, era um libelo contra o liberalismo que começava a tomar conta da Europa.

Como a CEE e depois a UE seguiu exactamente o caminho que os autores do relatório ( de 1975) previam e que foi eliminado liminarmente, chegámos a este ponto do desnorte".

Ora parecia adivinhar : temos assistido ao aumento dos governos autoritários pela Europa fora, à dificuldade que a UE tem em lutar contra as  grandes multinacionais ( os recentes episódios com as empresas das redes sociais são o exemplo mais  mediático), até que a pandemia veio destapar o caos económico-social a que a globalização neoliberal nos conduziu.

Já citei em outras ocasiões o que o Prof. Joseph  Stiglitz, Prémio Nobel da Economia em 2001, que escreveu : " O neoliberalismo prejudica a democracia há 40 anos. Os efeitos da liberalização do mercado de capitais foram particularmente odiosos ...os eleitores enfrentavam assim uma escolha dolorosa: ceder a Wall Street  ou  enfrentar a crise financeira. Era como se Wall Street  tivesse mais poder político que os cidadãos do país".

Não era preciso ser bruxo quando escrevi aquela crónica em 2017, bastava estar um pouco atento ao caminho da Europa e que o próprio PS em Portugal estava a seguir -  por isso não se estranhe que tanto Merkel como Sarcozy tivessem dado apoio à política de José Sócrates. E só para refrescar ideias em Dezembro de 2005, depois de ter apreciado as medidas propostas pela PS do então Primeiro Ministro, escrevi outra crónica que saiu no "Barlavento", intitulada "Este socialismo liberal...".





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