domingo, 29 de agosto de 2021

 Reflectindo sobre ismos e istas

Às vezes dá para reflectir um pouco sobre os homens e as coisas que nos rodeiam. Não devemos deixar estas reflexões só para os "especialistas" pois entre estes também há quem nos atire com grandes calinadas e nos queira impor as suas explicações - os cidadãos activos precisam de entrar nestas discussões e formular as suas convicções livremente.

José Eduardo Martins sempre se posicionou como social democrata, pelo menos era essa a ideia que transpareceu ao longo dos anos nas suas actividades políticas: de repente surge a defender Passos Coelho e a propor a sua vinda como salvífica para o PSD. Bom,  todas as mudanças de rumo são plausíveis mesmo que causem perplexidade, mas esta deriva para a direita deste, já um não assim tão jovem, reflecte bem  a situação de frenesim que reina entre os direitistas.

Passos Coelho como pessoa é certamente decente e respeitável, já quanto á sua capacidade politica nem por isso.  Foi atirado de súbito para Primeiro Ministro depois daquele desastre dos Governos do Pinto de Sousa (continuo a privilegiar o nome Sócrates para o grande filósofo grego...) e, sem preparação política nem sequer experiência governativa, tendo possivelmente apenas lido algumas cartilhas liberais, valeu-lhe a troika e a imposição do seu programa de que ele fez a matriz do seu Governo - e para ir alem da troika, dizia ele ufano do seu papel...Mais liberal que os liberais europeus que nos vieram para cá dar ordens.

A viragem de J.E. Martins é significativa, tudo vale a pena para tentar tirar o PSD da fossa em que caiu e se arrasta, pois uma boa parte dos seus apoiantes e também do CDS foram para o Chega e a IL; e então diz coisas para justificar a sua posição, defendendo o capitalismo como se os social democratas ou socialistas democráticos o não defendessem mas com conta, peso e medida,,,

O capitalismo, significando a posse da  propriedade privada de bens, é uma condição natural da Humanidade, desde quando se constituíram os primeiros grupos sociais humanos; os primeiros homens do Neolítico ocuparam a "sua" caverna" ou a "sua" cabana, rodearam-na de um pedaço de terra vedado por um  bardo ou sebe e ali fizeram as primeiras produções próprias e guardaram os primeiros aninais domesticados, pois como escreveu uma notável historiadora de  arte da primeira metade do século XX, Marie Louise Gotheim, o primeiro jardim antecedeu a agricultura extensiva que veio depois.

A evolução do capitalismo é que foi dando origem a posições de domínio de uns homens sobre os outros, por duas razões essenciais : ou porque se atribuíam a si mesmos a capacidade de falar com os deuses e conhecer as suas vontades ou porque as primeiras produções agrícolas e pecuárias excedentárias propiciaram a acumulação de riqueza. Sacerdotes e grandes proprietários aliaram-se desde os primórdios das civilizações e foram os primeiros estratos elevados das sociedades primitivas, a que se seguiu a produção de utensílios, quer pela olaria quer pela forja.

O capitalismo foi evoluindo para um liberalismo fundiário e só se tornou deveras pernicioso quando entraram as finanças a comandar o jogo capitalista.

O comunismo de criação marxista não é natural, é uma reacção extrema às derivas totalitárias que o liberalismo ia tomando durante  século XIX.

O que existiu naturalmente durante séculos e séculos foi o comunitarismo, que não era imposto, era o movimento natural das pequenas sociedades rurais para se entreajudarem e explorarem em comum bens e serviços. É uma organização livre e natural dos povos.

O socialismo que se  foi formulando desde o início do século XIX  nasceu do iluminismo e das suas  ideias libertárias, quando Rousseau  afirmou que a propriedade privada era a origem das desigualdades entre os homens;  essas ideias, cada vez mais elaboradas pelos primeiros pensadores socialistas, os marxistas rotularam de utópicas, porque ficavam aquém das posições extremas que propunham e que foram  manipuladas por Lenine e os seus teóricos bolcheviques. Daí se terem chamado a si mesmo de socialistas científicos. Ainda hoje estas posições se enfrentam.

Marx e Engels propuseram um sistema de organização para as sociedades industriais da época, como a Inglaterra, a Alemanha e um pouco a França, onde a situação do operariado era degradante, explorado pelos empresários e pelos primeiros capitalistas financeiros que surgiam - mas o interesse dessas ideias nesses países foi reduzido face ao esperado.  Pelo contrário onde a teoria destinada ao proletariado industrial se veio a implantar foi na Rússia, onde a força do operariado era muito pequena e onde prevalecia a situação de milhões de campesinos que eram na verdade medievais servos da gleba. Ao oriente da Europa nunca chegaram as ideias da Revolução Francesa e o czarismo despótico dominava uma sociedade obscurantista, pobre e inculta, apoiando.se numa minoria de grande nobres lavradores que era quem  detinha efectivamente o Poder.

Nem todos saberão que a Imperatriz Catarina a Grande quis modernizar a Rússia e chamou para a sua Corte alguns dos mais famosos iluministas da Revolução Francesa : Rousseau e Diderot viveram em São Petersburgo e as suas bibliotecas  particulares ficaram no palácio de Verão da Imperatriz, mas as tentativas que a Czarina ensaiou de introduzir ideias reformistas na grande Rússia foram sempre travadas pela nobreza fundiária omnipotente. Basta visitar São Petersburgo para se compreender a revolução bolchevique...

Aplicar o marxismo nestas condições sociais  russas implicou a adaptação, a um mundo essencialmente rural atrasado, de práticas que nem Marx nem Engels certamente teriam defendido. Foi o leninismo e depois haveriam de surgir o maoísmo e outros ismos ...

O socialismo democrático foi evoluindo também,  como todas as ideias e, ao contrário dos comunismos que acabaram por ser  rejeitados nos países europeus onde foi implantado - restando em algumas sociedades  terceiro-mundistas e na China ( mas chamar comunismo ao capitalismo chinês é um  eufemismo...) - o socialismo democrático continua a ser uma esperança de governação equilibrada das sociedades mais cultas e democráticas.

É bom recordar que na 2ª metade do século XIX surgiu um documento fundamental para consciencializar as sociedades e que foi  a Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII. Nela se denunciam os excessos do liberalismo e do marxismo e se propõe aquilo que veio a constituir a democracia cristã. Mas se formos analisar o essencial das propostas da democracia cristã e as do socialismo democrático ou social democracia, verificamos que têm quase tudo em comum excepto a origem católica da primeira e a origem agnóstica ou mesmo ateia da segunda. E ainda as derivas ou tendências naturais, digamos assim, da democracia cristã para o conservadorismo naquilo que  este tem de liberalismo não financeiro e da social democracia para o marxismo naquilo que este tem de menos excessivo.

Estas duas ideologias permitiram à Europa, e em certa medida ao Ocidente, as décadas de mais paz e bem estar económico e social que se conhece na contemporaneidade.

Esta longa reflexão partiu, com tantos ismos e istas, veja-se lá,  da mudança de posição de José Eduardo Martins... Ela representa a confusão ideológica á direita, como de resto também existe na esquerda há muito tempo. Rui Rio acredita-se que seja estruturalmente social democrata como foi Sá Carneiro, mas falta-lhe base cultural e carisma para além do contabilista que pôs em dia as contas da Câmara Municipal do Porto - é pouco para Primeiro Ministro. A cidade do Porto deixada por ele era um deserto cultural e sem vida social própria, por isso o País com ele  não iria muito longe. Mas se ainda tivesse social democratas convictos e competentes  a trabalharem com ele, talvez fosse uma alternativa ao socialismo clientelista e de vistas curtas de A. Costa -  mas não é.

A maioria do povo português vota à esquerda por isso mais dramática se tornam o mau exemplo e a falta de perspectivas que A. Costa continua a revelar, contando mais a sua agenda pessoal, o seu fechamento de colaboradores do ciclo restrito e a colocação de clientes em postos chave da Administração Pública, do que  ter uma governação social democrata exemplar e isenta.

Fico por aqui...











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