quinta-feira, 7 de junho de 2018

Manifesto Alternativo
O Diário de Notícias de 5 de Junho de 1981 publicou o Manifesto Alternativo, assinado por cinco "militantes" da causa ambientalista, e que na altura teve bastante repercussão. A situação era outra, a sequência do Tempo trouxe  diferenças, mas as críticas e o optimismo são actuais. Entre os subscritores dois eram cientistas respeitados.  Dos subscritores tres ainda continuam vivos  e como eu  sou um deles reescrevo-o e faço deste manifesto  o meu manifesto do 5 de Junho deste ano da graça de 2018, 37 anos depois,

" 1- O 25 de Abril de 1974 surgiu na altura de maior crise económica internacional que se verificou no Mundo desde o quase colapso dos anos 30. Em Portugal e Espanha a resposta à crise foi o fascismo. Na URSS o estalinismo. No Ocidente industrializado, o desenvolvimento de inspiração keynesiana.
Em 1939 Keynes escrevia que (1) "durante pelo menos outros cem anos devemos proceder, face a nós próprios e a todos os outros, como se o justo fosse infame e o infame fosse justo; pois o infame é útil e o justo não o é... Avareza, usura, astúcia, devem continuar a ser os nossos deuses  por muito tempo". Mas o próprio Keynes também observou que "dentro de cem anos estaremos todos mortos". Dos 100 anos previstos 50 são passados.   A exaltação do infame, porque é útil, e a supressão do justo, porque o não é, esgotou tal tipo de desenvolvimento e gerou uma crise de valores e uma crise existencial sem precedentes, que ameaçam desembocar no suicídio colectivo, ainda que por acidente.
2 - A crise dos anos 30 gerou a II Guerra Mundial. A crise dos anos 80 é mais grave, A explosão demográfica e a natureza finita dos recursos do planeta levaram as ideologias tradicionais à contradição com as leis do universo físico e os modelos económico-sociais em vigor a inelutável esgotamento Por outro lado a robotização dos homens gera a insegurança individual e internacional; a violência individual acelera o "controle" institucional repressivo e este, por sua vez, só aumenta a violência e a alienação.
No ciclo vicioso da crise, decisões que a todos afectam tornam-se incontroláveis : todos manipulam na zona do Poder e o futuro da Humanidade fica à mercê do acaso.
3- No medo de enfrentar a realidade gerou-se o mito da salvação pela ciência e tecnologia. Um único meio para uma única finalidade transforma-se numa finalidade em si mesma. A tecnologia não é neutra como o não são as linhas escolhidas para o desenvolvimento científico. Transformadas numa finalidade em si mesmas, ciência e tecnologia geram o homem "robot" e a servidão definitiva.
O futuro da Humanidade não passa por novas descobertas científicas, mas sim pela utilização do já conhecido ao serviço de todos os homens. Uma sociedade viva gera a ciência e a tecnologia que a servem. Uma sociedade alienada resigna-se àquilo em que a tecnologia a transforma.
4 - É tempo de parar e reflectir. É tempo de desmontar muros e de ajudar os homens a reencontrarem-se e a reconstruírem um futuro à sua medida. É tempo de parar a corrida para a morte ou para explosões sociais incontroláveis, desumanas e traumatizantes. As revoluções não se impõem na violência, mas brotam do interior de cada um e afirmam-se numa aspiração colectiva integradora e irreversível.
Portugal, nas suas raízes culturais e históricas, dispõe de condições privilegiadas para catalisar uma síntese e justificar uma esperança.  Para isso, o primeiro e decisivo passo é aperceber-se da falência dos modelos económico-sociais que lhe vêm sendo propostos e se fundamentam no absurdo de admitir  que a sociedade de consumo ainda é possível ou que a planificação centralizada não degenera em opressão institucional  irreversível.
 - É necessário constatar a incapacidade das forças políticas organizadas conceberem uma relação diferente entre os homens e articularem um modelo alternativo de desenvolvimento que não conduza à morte ou à alienação definitiva ;
 - É necessário constatar a incapacidade de integrarem o conhecimento científico actual de um modo coerente e consistente com a melhoria da qualidade de vida, que não cessam de prometer;
 - É necessário constatar a incapacidade de gerarem novos hábitos de pensamento  e novas formas de organização social;
 - É necessário constatar que o peso crescente dos aparelhos partidários, em detrimento de participação informada e responsável dos cidadãos, bloqueia a evolução e gera um retrocesso explosivo;
 - É imperioso reafirmar o pluralismo autêntico e promover o aprofundamento das raízes  culturais e civilizacionais do povo português numa perspectiva universalista;
 - É imperioso oferecer aos jovens os pilares fundamentais de um futuro que eles possam construir à medida das suas aspirações;
-  É imperioso transmitir aos jovens a esperança; 
- É escandaloso fazê-los pagar no desemprego e na droga a falência de concepções que o presente já condenou.
5- Se é tempo de parar e reflectir, é também tempo de agir. Agir apontando erros. Agir fomentando a crítica participativa. Agir impedindo decisões de consequências irreversíveis. Mas agir, sobretudo, apontando alternativas viáveis e realistas no mundo em que vivemos.
Impedir uma central nuclear, uma celulose,  uma barragem ou um terminal de carvão não basta. É necessário mostrar que os benefícios apontados para os justificar são malefícios ou que os aspectos positivos se conseguem por outras vias. Não basta propor o sol, o vento, o mar !
É necessário abrir-lhes caminho e abrir-lhes caminho significa recurso a soluções intermédias. O Mundo não é  uma máquina que se pára para reparar.
É imperioso o sentido do tempo e do que, a cada instante, distingue a evolução da ruptura. É porque desejamos impedir a ruptura suicida ; é porque acreditamos no instinto de sobrevivência da espécie humana. É porque temos a certeza de uma evolução no sentido que apontamos que nos propomos contribuir para a descoberta das vias que impeçam a destruição  inútil de milhões de seres humanos.
   Assinado  Afonso Cautela . Delgado Domingos. Eduardo Cruz de Carvalho. Fernando Pessoa . João Reis Gomes
(1) - J. M. Keynes, " Essays in  Persuassion, Macmillan, London. 1933




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