O embuste desta Política de Ambiente
- o espaço-território-paisagem em perigo -
Quase ninguém reagiu às alterações introduzidas na orgânica do Ministério do Ambiente, quando lhe foi retirado o Ordenamento do Território (OT), sem uma explicação. Mas há medidas que, com o desenrolar do tempo, dão sinal das consequências que causam.
Surgem várias Autarquias a quererem desrespeitar a REN e a RAN por serem obstáculos ao seu desenvolvimento urbanístico, quer dizer estamos a regredir para aquele tempo em que o mais importante eram os quilómetros de estradas alcatroadas e o boom de avenidas, prédios e infra-estruturas como sinal do sucesso de expansão das cidades sobre os seus arredores. Todos sabemos que historicamente as cidades foram edificadas em áreas de maus solos mas sempre junto de zonas de bons solos cultiváveis; com o progresso da financialização capitalista da economia nos tempos modernos, década após década, o crescimento urbano foi levando à ocupação de áreas eminentemente de produção agrária, despoletando nos governos de alguns países, mais evoluídos em termos de conhecimento dos limites do crescimento, a necessidade de tomarem medidas de contenção e ordenamento urbano-rural.
Ainda no século XIX nos EUA e na Grã Bretanha vários famosos arquitectos propuseram diversos esquemas para um crescimento urbano compatível com a conservação do mundo rural indispensável a um ordenamento correcto da Biosfera, depois sucederam algumas acções nesse sentido noutros países como Alemanha e França.
Já no século XX na Alemanha, pelos anos 70, a região urbano-industrial do Rhur impôs um programa de orientação da expansão urbana ( em que eu tive o privilégio de participar durante uns meses) criando áreas-corredor de terrenos rurais a separarem os grandes aglomerados citadinos, para impedir a sua concentração; a expansão urbana foi regulada para espaços de menor importância agrícola e ecológica. Depois de Abril de 74 Portugal aproximou-se desta visão holística da Conservação e do Ordenamento.
A Reserva Ecológica Nacional (REN) e a Reserva Agrícola Nacional RAN) tem sido a expressão portuguesa da política ambiental e têm permitido manter o ordenamento do espaço-paisagem em termos de relativo equilíbrio. Mesmo quando esses valores existem em áreas que ficam encaixadas no espaço urbano, devem continuar a ser preservados com os mesmos objectivos: podem ser parques públicos ou mesmo áreas de hortas urbanas de tanto impacto social e económico; durante a última grande guerra os parques de Londres foram cultivados para apoiar a alimentação.
A confusão propositadamente mantida entre sociedades liberais e o liberalismo económico-financeiro continua sub-repticiamente a controlar as politicas mesmo dos governos, como o português, que se diz da esquerda social democrata. O valor financeiro do espaço em termos de mercado continua a sobrepor-se ao valor social e colectivo do mesmo espaço prejudicando a população, sobretudo a mais desfavorecida que não pode entrar no negócio dos terrenos.
É que, como continua a dizer o patético Francis Fukuyama, as pessoas acabarão por voltar ao liberalismo: sempre foi assim desde século XIX. Eu digo que é como a hidra que quando lhe cortavam uma cabeça nasciam outras, e apesar de ridicularizado com o seu "Fim da História", ele continua a confiar na fraqueza institucional das doutrinas da esquerda democrática e social que vergam ciclicamente sob o peso dos mercados. A persistência do neoliberalismo assenta nessa fraqueza de convicções de quem diz defender a coesão territorial e os grandes valores da vida no planeta.
Nós até temos por cá a institucionalização da coesão territorial que, para o ser, precisou de ir buscar o OT ao Ambiente retirando-o da componente da Conservação que é indispensável para dar consistência às intervenções no território-espaço-paisagem.
Como pensei que tinha ouvido mal da primeira vez, a ministra repetiu, ao dizer a propósito de construir mais uma estrada asfaltada para a Serra da Estrela, que era preciso "humanizar" a Serra. A senhora esqueceu-se propositadamente ( não creio que seja por ignorância) que a razão principal para se ter criado o Parque Natural foi por aquela Serra ser uma magnífica paisagem humanizada - mas humanizada não devia querer dizer que precisa de mais estradas asfaltadas para levar mais multidões aos sítios onde poderiam e deviam ir calmamente visitar ambientes naturais - é um contra-senso neoliberal.
Para "tirar partido de toda a riqueza paisagística e de todo o património da Serra da Estrela" ( como de tantos lugares magníficos que ainda resistem por esse país fora) não é necessária mais uma estrada asfaltada - mas este é o retrato perfeito da mentalidade que hoje continua a ser a de muitos dos responsáveis, a vários níveis, pelas políticas ambientais, de coesão e de gestão territorial onde, para lá da retórica, falta que essas políticas sejam pensadas e executadas em termos de sustentabilidade e perenidade dos ecossistemas.
Não faltam exemplos do paradoxo entre a retórica "verde" e as acções concretas feitas ao abrigo do amplo chapéu ambiental.
Um dos mais significativos e que devia estar a merecer a luta nas ruas, se tivéssemos uma massa crítica alargada, é o da destruição de vastas áreas florestais ( incluindo sobreirais) para implantar parques de painéis solares com a grande afirmação de que se vai produzir energia limpa. Isto faz parte da falta de coesão territorial e do desrespeito pela REN e pela RAN e não passa de desfaçatez com que se afirma uma patranha.
Como também sucede com a destruição dos importantes charcos temporários da zona húmida das Alagoas Brancas em nome do direito de propriedade que, se este é importante como valor da sociedade liberal ( mas não liberalista) não devia ser mais importante que o direito da coesão social e ecológica do espaço-paisagem.
Estamos a receber um embuste como Politica de Ambiente e com ele o descalabro do sector agro-florestal e do desordenamento da nossa paisagem que se afirma, politicamente, querer transformar para requalificar - transformada lá isso está a ser mas para uma situação de cada vez maior precariedade. Assim não vale, não brinquem mais com a gente vendendo patranhas para encobrir uma visão liberalista da sociedade e do nosso espaço-território-paisagem!!
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