sábado, 20 de maio de 2023

 Tempo de fogos, de seca e de tragédias anunciadas

Isto é como as modas, há tempos próprios para cada  moda; infelizmente todos os anos chegados a Maio, começamos a temer pelo desastre anunciado dos fogos rurais; este ano temos que  lhe juntar a seca infernal, os fenómenos extremos que surgem sem avisar - afinal as tragédias que estão anunciadas por quem há anos investiga a evolução do planeta, perante a inércia dos governos e dos povos mal governados, prontos a resolverem cada situação que apareça com a navegação à vista. 

Porque um texto que publiquei em Agosto de 22 diz tanto daquilo que afinal se vai passar este ano e dos agravamentos previsíveis que certamente vão ocorrer, que vou repetir o texto, para memória futura. Ah!- e  temos que estar ao lado e defender a honra dos bombeiros.

"  SERRA DA ESTRELA E O RESTO DO PAÍS

Isto não pode ser descrito com meias palavras ou subentendidos, de retórica estamos todos fartos. O país vem sendo destruído paulatinamente, ano após ano, sempre tudo envolvido pela tal retórica de falsa eficiência que encobre uma visão e uma estratégia completamente erradas para a sustentabilidade do território -se esta fosse minimamente um objectivo nacional, que não é!

O primeiro-ministro diz e repete que, depois de apagado o fogo que consome a serra da Estrela, é preciso fazer um estudo. Mais um estudo, mais uma comissão ou grupo de trabalho -a habitual solução para que continue tudo na mesma. Se o primeiro-ministro tivesse tido tempo para ver e ouvir canais e Tv e rádio, teria ouvido técnicos da Estrela que dedicaram a vida à sua defesa,  pessoas das aldeias e autarcas a dizerem que está tudo mal desde o inicio, que falhou a estratégia de gestão da paisagem - talvez o tal novo estudo venha dizer a mesma coisa e invente soluções iluminadas como aquelas que deram cabo das Áreas Protegidas e da Autoridade Florestal Nacional. Tudo obra de iluminados...

Desde a criação do Parque Natural (PN) em 1977 a sua direcção e o seu pessoal juntamente com os grandes Administradores florestais de então ( como o engº Boieiro e o engº Farraia) e os bombeiros que recebiam ordens apenas dos seus próprios comandantes  ( e não de uns senhores  de fardas azuis com muitos galões e medalhas) tratavam do problema dos incêndios; mal se dava conta de uma coluna de fumo, acudia-se logo e apagava-se o fogo. Agora, deixa-se o mato arder, "deixa arder que é mato" - e depois lá  se vão mais de 15 mil hectares de serra(*)

Um fogo começa de madrugada e apenas "parece suspeito"? Ora certamente foi um vidro de garrafa que com os raios de sol provocou as chamas... 

Quando havia uma ocupação territorial por casas e postos de guardas, era difícil alguém deambular a horas mortas por locais de mau acesso, pois havia forte probabilidade de ser notado. Agora as serras estão desocupadas; e como seria hoje tão facilitado o trabalho dos guardas com a videovigilância e outras tecnologias, no inicio dos incêndios - mas para isso era preciso a organização que o primeiro-ministro ajudou a derrubar. E desse acto terrível nunca mais se limpa!

Mas por incrível que pareça o primeiro-ministro não consegue reconhecer que ele mesmo  é responsável pelo desastre que foi a desagregação  do sector agro-florestal; quando em 2006, ainda como Ministro da Administração Interna, possivelmente aconselhado pelo ministro da Agricultura desse tempo, um dos piores se não  o pior que Portugal já teve ( é difícil encaixar a actual ministra nessa escala) deu o pontapé de saída para o estado a que chegámos hoje. E já em 1985 o Prof. Manuel Azevedo Gomes, que não era propriamente um activista revolucionário ( e era do PS), declarou a um jornal : "a celulose e o comércio de madeiras estão na origem dos incêndios florestais".

Quando, com a ministra Assunção Cristas, deixaram arder o Pinhal  de Leiria, porque tinham retirado de lá os guardas e as dezenas de trabalhadores que mantinham a Mata do Rei em condições, foi o climax glorioso desta estratégia criminosa que continuou com os governos seguintes - não há como esconder a verdade. Como afirma muito técnico responsável daqueles que não têm medo de falar, como o Prof. Jorge Paiva, são atitudes  e decisões criminosas, mas ninguém é responsabilizado e julgado.

A prevista substituição  gradual da floresta da serra da Estrela por espécies autóctones de folhosas, não se fez; o ordenamento qualitativo da paisagem, com pastagem, agricultura de montanha e floresta nunca se fez - as tarefas que o PN orientou nos seus primeiros anos com uma orgânica, que lhe permitia ser eficaz, de apoio ao pastoreio e à conservação da biodiversidade, deixaram de se fazer.

O que está mal é toda a desagregação do sector primário e a ineficácia só comparável à arrogância de ministros que se têm ocupado de agricultura, floresta e ambiente - tudo "sumidades" até dignas de galardões universitários (**) - e o país assiste e pasma! E só fica aqui uma amostra do que se podia fazer descodificando com pormenor este fogo "exemplar" do Parque Natural e Geoparque Internacional da Serra da Estrela. E até ao fim do Verão ainda há muitos parques e reservas naturais para arder - eles são apenas entraves à livre expansão das excelentes matas para a celulose.

Um apêndice (***): imagine-se se  ainda se fossemos falar do gravíssimo problema da falta de água, de norte a sul, que há mais de um ano devia ter levado as autoridades a organizarem campanhas educacionais sérias e atempadas. Só quando faltar a água na torneia é que chega a ordem: " só duas horas de água por dia". Lindo serviço ".

(*)- Afinal foram mais de 25.000 ha, um quarto da área do parque natural

(**) -  Ao que se chega !!

(***) - Absolutamente válido para este ano e certamente para os próximos anos..

....

Os fenómenos extremos estão a acontecer diante dos nossos olhos: na Itália chuvas torrenciais no norte e os maiores rios da península italiana, o Pó e o Tibre, quase sem caudal



Sem comentários:

Enviar um comentário