Há dias escrevi este desabafo que aqui deixo...
A anemia da política do Ambiente
O
Ambiente antes de ser defendido tem de ser construído. O simples facto de
termos que propor a defesa do Ambiente – e então no estado a que chegou hoje em
Portugal!– é bem representativo da situação a que se chegou.
Entre
20 e 21 deste mês de Setembro realizou-se no Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa um encontro de comemoração da célebre Conferencia de
Estocolmo que se teve lugar na capital sueca em Junho de 1972; o encontro foi coordenado
pela Prof.ª Dr.ª Luísa Schmidt com a colaboração de outros docentes, com
destaque para o Prof. Pedro Prista.
Durante
dois dias reputados investigadores e especialistas (e alguns activistas como
eu) reflectiram sobre o caminho percorrido no que se refere ao Ambiente, no
mundo e no nosso país. E, para lá de eventuais diferentes posições
político-partidárias, o que sobressaiu desses debates foi uma consciência,
comum a todos, do mau tratamento que se foi dando às questões ambientais e que
se podem sintetizar hoje nas consequências das alterações climáticas e na
biodiversidade.
O
que devia preocupar as pessoas, sejam os políticos e governantes sejam os
cidadãos, é que ao nosso nível nacional, se tem praticado apenas uma retórica
fácil, publicando legislação que não se cumpre e trocando políticas assertivas
por outras desarticuladas; e ao nível das grandes decisões mundiais a falta de
coesão social para com milhões de seres humanos desfavorecidos que não podem-
mesmo que soubessem e quisessem – assumir comportamentos menos predadores. Mas
a maior predação é feita pelas grandes potências e pelos grandes grupos
económico-financeiros que controlam a vida dos povos.
Entre
o aparente domínio do Homem sobre a Terra- e sobre os obstáculos que a Natureza
opõe às actividades lesivas dos seus equilíbrios dinâmicos, geo-ecológicos e
paisagísticos- e a realidade que a Ciência nos vai revelando, o que se verifica
é que afinal estaremos a caminhar para uma derrota do Homem.
O
crescimento imparável da população mundial e a continuada sobreexploração dos
recursos, renováveis e não renováveis, são fenómenos que a partir do século XIX
se tronaram responsáveis pelas condições ambientais cada vez mais gravosas que
afectam os povos, mais uns do que outros, sendo que os mais desfavorecidos continuarão
a pagar um preço duma situação para a qual menos contribuíram.
Como
se isso não bastasse os produtivistas continuam a proclamar que estes
argumentos são patetices e exageros, no fundo uma utopia, para poderem
continuar as suas actividades predadoras.
Portugal
ainda em tempos do período “marcelista” esteve presente em Estocolmo por um dos
poucos políticos da altura que entendia já o Ambiente, o Eng.º Correia da
Cunha, nomeado presidente da Comissão Nacional do Ambiente que tinha sido criada
em 1971. Eram os primeiros passos a acertar com o tempo que corria.
E
é relevante referir que no texto final daquela primeira Conferencia sobre
Ambiente, promovida pela ONU, se proclamavam conceitos fundamentais: “O homem
tem direito à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas
a um ambiente de qualidade” mas também “O homem tem a responsabilidade especial
de preservar e administrar judiciosamente o património natural”
Mas
foi só depois do 25 de Abril de 74 que se assistiu à implementação de uma políptica
de Ambiente alicerçada em criteriosos fundamentos ecológicos, e na qual os dois
pilares fundamentais sempre foram a Conservação e o Ordenamento do Território. Com estas bases foi sendo publicada legislação
fundacional como a Reserva Agrícola Nacional (RAN) a Reserva Ecológica Nacional
(REN), a Rede Nacional de Áreas Protegidas, os PDM e os PROT. Entre muitos
outros, Delgado Domingos, Gomes Guerreiro, Viana Barreto, Ilídio de Araújo,
Carlos Pimenta e sobretudo Gonçalo Ribeiro Telles construíram uma politica de
salvação nacional. Durante décadas esta
política impediu um maior desordenamento do espaço biofísico, e uma maior
destruição dos equilíbrios naturais bem como a salvaguarda dos valores da
biodiversidade. Porém tudo mudou.
Valores
contraditórios a todos estes, numa politica comprometida, provenientes de indústrias poluentes como a da
celulose com a expansão descontrolada dos eucaliptais (continua a sair legislação
a suportar essa expansão), defeituoso planeamento de transportes públicos,
excesso de betão armado e alcatrão em vez de apoio a ferrovia etc, afastaram o
nosso Pais dos parâmetros da boa política. Desarticulado o sector
agro-florestal com agricultura e florestas em tutelas diferentes, desmembrada a
políptica ambiental separando a Conservação do Ordenamento do Território
((porque deve dar jeito a alguém…), até as Áreas Protegidas cujo ordenamento se
opunha á expansão dos eucaliptais, caíram num caos de gestão, patente no que vai
sucedendo aos Parques Naturais da Serra da Estrela, do Alvão, etc.
É
este o “caminho do futuro” que renega tudo quanto saiu da Conferencia de Estocolmo
– uma anemia progressiva do Ambiente em Portugal.
22/09/2022