Colónias e colonialismo
Tem sido assunto da comunicação social e têm-se ouvido e lido grandes arengas sobre a escravatura e o colonialismo português - e continuam alguns a insistir nas reparações às antigas colónias, mesmo depois de não ter vindo qualquer apoio a essa ideia da parte das autoridades africanas. Até de Angola foi dito pelo Presidente que essa não é questão que se lhes coloque.
A independência dos territórios africanos deu-se a seguir à nossa própria "independência" conquistada com o 25 de Abril de 74, pondo fim a uma estúpida guerra colonial que o reaccionarismo salazarista produziu. Milhares de jovens portugueses morreram nessa luta inglória contra a evolução da vida e da História - tal como tantos milhares de africanos que foram igualmente sacrificados, mas estes lutavam pela grande causa da honra e da dignidade das suas pátrias.
Nós não fomos mais colonialistas que os ingleses, os holandeses, os espanhóis ou os franceses, e não me recordo de nestes países haver uma grande contestação e a argumentação distorcida que por cá vai havendo.
Portugal deu independência ao Brasil ainda no século XIX, em regime monárquico, e durante a 1ª Republica ninguém se preocupou com as colónias - também os países colonialistas europeus ainda não falavam disso; até que depois da 2ª Grande Guerra tudo mudou e a consciência das populações das colónias começou a impor-se - mesmo assim com guerras prolongadas. Então a França foi vergonhosa com a guerra contra os argelinos.
Nesse tempo da descolonização generalizada, de que é que o asceta de Santa Comba Dão se havia de lembrar? De que nós não tínhamos colónias, eram apenas extensões africanas do território português e, como por cá tínhamos as nossas províncias, lá fora tínhamos províncias ultramarinas - e com esse golpe de mágica que ele deve ter considerado que era própria dum génio, manteve uma estúpida guerra, como eu digo, contra a Vida e contra a História.
Já tínhamos ficado ingloriamente sem as colónias na Índia, porque Salazar se recusou a dar independência ao Estado de Goa o qual, se tivesse sido criado, teria o apoio internacional da ONU e teríamos na verdade a continuação de uma cultura portuguesa naquelas paragens. Mas era um precedente que a casmurrice do velho ditador não podia compreender -não queria compreender.
Portugal, ao longo daqueles séculos em que manteve colónias, fez o que a consciência da Humanidade tinha como válido, séculos e séculos desde que há registos - a conquista de colónias e a manutenção da escravatura faziam parte da "moral"; a Grécia criou colónias que também eram uma extensão da sua civilização - e graças a esse "colonialismo" grego o Ocidente (primeiro o Sul da Europa, mais tarde os "bárbaros" da Europa central e nortenha) adquiriu valores civilizacionais e culturais que nos guindaram a um lugar ímpar na História da Humanidade. As colónias gregas, sobretudo as do sul da Itália e as da Sicília - a famosa Magna Grécia - formaram a base da civilização europeia !!
E os mesmos africanos que foram colonizados por europeus, também tiveram entre si as mesmas práticas - faziam guerras para capturarem escravos pela simples razão que essa era uma forma de afirmar Poder e por isso se praticava em todas as raças e religiões.
Se isto que digo for interpretado por alguém como estando a fazer a apologia ou a desculpar as nossas culpas do colonialismo e da escravatura é apenas má fé, porque para mim - que sei que tenho uma grande irreverência e intolerância interior contra os excessos de poder - gosto e quero apenas clarificar conceitos e atitudes.
Já não vou repetir a cena que vivi na ilha de Goreia, ao largo de Dakar, onde há o Museu da Escravatura, mas o certo é que os próprios chefes dos Estados africanos de hoje nunca pediram desculpa por os seus antepassados terem feito o que fizeram.
Fizemos atrocidades? Claro que sim, mas, repito, só considero colonialismo criminoso, porque era contra a História, o que foi perpetrado pelo Estado Novo, quando a consciência da Humanidade já condenava unanimemente essas práticas. É um erro grave julgar a História com os conceitos e a visão que temos nos dias de hoje.
Nas colónias, já no século XX, os colonos portugueses cometiam atrocidades? Claro que sim e até eu, em plena guerra de Angola, assisti a dalgumas práticas detestáveis exercidas por alguns colonos. E vou contar um pouco do que vi.
Numa roça, a "Beira Baixa", a seguir ao Onzo, parámos a nossa coluna e assisti ao capataz a chicotear um grupo de bailundos (povo do sul usado como trabalhador, quase escravo, nas roças do norte); fotografei a cena, com intuito de mais tarde tomar posição, mas ingenuamente enviei o rolo para revelar, como fazia com todos os rolos, e claro veio com as fotos queimadas...
Mais tarde, já nos últimos meses que sabia ia estar em Angola, fui com o Jorge Serra, alferes médico, passar umas férias no sul e estávamos em Moçâmedes numa esplanada, quando assistimos a um acto repelente; entrou um casal de africanos, com um miúdo pequeno, todos muito limpos, o catraio vestido de marujo com um impecável fato branco, e sentaram-se a uma mesa. Veio o empregado, também negro, dizer-lhes que não podiam ser servidos ali, tinham que sair.
Nós os dois demos um salto nas cadeiras! E chamámos o casal para se vir sentar na nossa mesa. Dirigi-me ao patrão, lá dentro do café, e em voz alta para que toda a gente ouvisse, disse-lhe que "andam os portugueses a morrer no norte e vocês aqui no Sul a cometerem estes atentados à dignidade das pessoas". Que mandasse servir os africanos e que iria dali apresentar queixa no quartel da cidade.
Assim aconteceu, os africanos beberam o que pediram, pagaram do seu bolso e saíram com muitos agradecimentos. Fomos dali ao quartel. em plena hora de serviço (só estava o "sargento de dia", nem um oficial!) e eu, como capitão, apresentei queixa por escrito.
Um mês depois, já no meu quartel, recebi uma chamada do quartel de Moçâmedes, a perguntarem-me se eu queria manter a queixa !!... disse que sim, voltei a vociferar mas de certeza que não ligaram nada.
Portanto estes actos vergonhosos comprovam que os nossos colonos, sobretudo os que viviam em zonas rurais, nas roças, praticavam actos condenáveis em pleno seculo XX. Mas era o Estado Novo que os impelia nesse sentido.
Por agora chega de narrativa.