A Agricultura no Ordenamento do Território
Pela
nossa formação académica – dirijo-me aos arquitectos paisagistas - , um dos aspectos a que sempre se deu a maior
importância foi o do lugar da agricultura, bem como das pastagens e das matas e
florestas no ordenamento do território.
Vem
desde a Antiguidade esta importância: os gregos no ordenamento da polis, a
cidade-região auto suficiente, consideravam
chora ( campos
cultivados), eschatia (
pastagens) e asty ( área urbana que incluía a acrópole) já que as
florestas tinham pouca relevância na
Grécia ; e chegou até nós o direito romano que, no seguimento da herança grega,
considerava a conhecida trilogia ager- saltus - silva- e
depois o paul.
O
ager é a peça fundamental para a
vida das populações e só por si determina muito da história de cada povo ou
nação, já que se dirige ao mais essencial, a alimentação, a sobrevivência.
Historicamente quando um território não tem espaço agrícola suficiente para
sustentar a população que nele vive, obriga essa população à conquista de
outros espaços. Foi o que fez Castela em relação com a Península Ibérica. A
Grécia, pela penúria de solos e pelo relevo acidentado que ali domina, foi
obrigada a procurar nas colónias essa subsistência e o litoral da Líbia que visitei demoradamente ( a
Cirenaica e a Tripolitana,) foram, o seu celeiro.
Esta
importância da agricultura no contexto de cada país perdurou ao longo dos
últimos séculos – refiro-me em especial ao ocidente europeu.
Na idade contemporânea, na era Industrial, desfez-se a tradicional relação cidade-campo que foi perdurando desde a Antiguidade, sobretudo nos países meridionais onde as duas realidades se completavam e até se interpenetravam fisicamente.
Nós
sabemos, no caso português, como a ruralidade e o mar foram a base da
portugalidade, até esta se começar a desagregar. E quando o Jacinto, da “Cidade
e as Serras” descobriu com assombro para a sua urbanidade requintada, os
encantos do arroz de favas e do vinho tinto em caneca de barro, feitos na
aldeia, é o Eça de Queiroz a dar-nos conta de como essa interpenetração dos
dois mundos já nessa altura se começava a deteriorar.
O
nosso erro enquanto país e enquanto as governações que temos sobretudo nas
últimas décadas foi ter -se desprezado a
capacidade produtiva dos nossos campos, por não se ter resistido às pressões
mercantilistas e de aproveitamento de subsídios para deixar de lado a nossa capacidade
produtiva, permitindo um desordenamento do território lançado
aos desvarios da especulação
fundiária.
Apenas as grandes explorações de carácter industrial passaram a merecer apoios, na mira produtivista duma agricultura industrial que deixou de lado milhares de pequenos e médios agricultores, de norte a sul. Como escreveu o Prof. António Covas, (para os que o não conhecem ele não é paisagista, mas Prof. Catedrático de Econonia), “o erro foi considerar a agricultura uma indústria”. E hoje estamos a importar para comer muito daquilo que podia ser produzido cá.
Se com o Ordenamento do Território se pretende que a cada parcela do território seja atribuída uma função de acordo com as características de cada espaço, a primeira obrigação de uma análise qualitativa do espaço biofísico é determinar a aptidão de cada um desses espaços. A noção de aptidão é fundamental para um ordenamento equilibrado do território se considerarmos que este é um instrumento apoiado cientificamente para possibilitar a boa governação do espaço nacional. Aptidão agrícola, aptidão florestal, aptidão para o recreio, aptidão para exploração mineira ou de inertes, etc
Quando falamos de aptidão agrícola referimo-nos à capacidade de uma dada parcela do espaço biofísico para produzir em agricultura em termos de rentabilidade, e ela tem a ver com os solos, a disponibilidade em água, relevo e geologia, e o clima ( que pode ser o mesmo para bons ou maus solos).
O
adequado reconhecimento da agricultura no contexto do ordenamento pressupõe uma
política agrícola que entenda a relação ecossistémica da exploração dos
solos com o equilíbrio da Natureza em sentido global.
A
agricultura foi o principal agente de transformação da paisagem e dos solos,
obrigando a uma mais funda intervenção que, por exemplo, o pastoreio.
Daí que agricultura e pastagem devam ser considerados os principais factores da construção das paisagens, embora o sector florestal também deva ser encarado como parte da solução para o equilíbrio dos sistemas agrários.
O
crescente aumento da população mundial obriga a uma produção cada vez maior de
alimentos a partir da terra; a estimativa oficial atira para 9 biliões de
pessoas em 2050.
Perante
este cenário o que mais apetece afirmar é que é preciso intensificar a agricultura,
como se tudo dependesse de colocar mais adubos químicos e pesticidas a baixo
preço nos mercados, partindo do princípio que o suporte, o meio dessa
intensificação – o solo- aguentaria
todos os excessos .
Essa
ilusão custou caro a muitas regiões e países, e se o Sahael é um exemplo, tão
mau como isso foi o sucedido à volta do mar de Aral, no Uzbequistão, onde mete
dó ver a tragédia que ali teve lugar. Realmente os solos, depois de envenenados
ou exauridos, não recuperam senão ao fim de muitos séculos.
Hoje
não restam dúvidas: trabalhos de várias
procedências nomeadamente alguns
publicados pelo CNRS em França,
revelam que a agricultura industrial intensiva atingiu o seu máximo de
produtividade em meados do
século XX; os rendimentos que antes aumentavam a cada década, estagnaram e em
muitos casos já começaram a regredir
Ora
o capital-sobrevivência é o solo; à agricultura industrial intensiva
terá de se opor uma agricultura intensiva ecossistémica. Esta pressupõe um uso
muito controlado de alguma adubação química, mas sobretudo o recurso a outras
medidas, sejam as leguminosas, micorrisas, vermicultura, activação microbiana
do solo e diversas tecnologias que não é aqui o local indicado para explanar.
Hoje em dia põem-se em confronto cada vez com maior acuidade a agricultura industrializada intensiva e a agricultura ecológica intensiva.É assunto que merece certamente um Seminário a ele dedicado.
Uma certeza existe : é
indispensável rever os métodos de intensificação da agrocultura - as culturas
agrícolas, a criação de gado e as matas.
E
para caminharmos para uma agricultura ecossistémica temos de ter um ordenamento
do território que dê a devida importância à defesa dos sistemas ecológicos
vitais para o equilíbrio do espaço físico em termos biológicos.
Para
uma agricultura compatível com o ambiente será necessário procurar culturas que
se aproximem do climax ou o máximo de equilíbrio do meio, será necessária uma
estrutura da paisagem que contribua para aumentar a biodiversidade que é
condição indispensável parta essa aproximação paraclimácica .
Para
dispensar ou pelo menos reduzir os tratamentos fitosanitários químicos será preciso
aumentar a imunidade natural das culturas,
através da sua diversidade genética e
específica, manter a cobertura permanente do solo e a capacidade de competição entre as
culturas, eliminar os resíduos tóxicos, etc
A
própria mobilização do solo tem de ser feita de acordo com a textura dos
terrenos, evitando as grandes mobilizações que foram, durante décadas,
propagandeadas pela indústria das máquinas agrícolas.
A este propósito recordo que já nos anos 50 do
século passado o Prof Manuel Gomes Guerreiro propunha a mobilização mínima
do solo, evitando que as camadas profundas inertes fossem trazidas á
superfície, enterrando as camadas superficiais que são as verdadeiramente
produtivas.
Nessa
altura, como recordou o Prof. Ário de Azevedo, ele foi atacado por ter
propostas daquelas que iam contra a agro-indústria dominante; pois 50 anos
depois foi realizado um Doutoramento em que se concluía que a mobilização
mínima do solo deve ser a prática adequada na maioria dos nossos solos de pouca
profundidade, dando razão ao velho Mestre –
mas por serem solos menos profundos não são inaptos para a produção, têm
é que ser trabalhados e auxiliados correctamente.
Os solos agrícolas não são apenas os da classe A e B, excluindo os outros. Há solos classificados como C que são altamente produtivos, só por terem por exemplo pedra solta a mais não são qualificados.
A
crise actual vem demonstrar que um pais sem agricultura está votado a maiores
dificuldades de sobrevivência tendo de angariar o que precisa para subsistir.
Parece
que começa agora a ser consensual que é preciso voltarmos á agricultura depois
de em
décadas recentes ter-se forçado o
abandono das explorações a troco de
subsídios, retirou-se dignidade e o apoio agricultores onde só os grandes
agrários teriam direito a continuar, desmantelaram-se ( nunca me cansarei de
denunciar) os Serviços de Extensão Rural porque o Estado deixou de ser parte activa no incremento das actividades
agrícolas – e hoje se queremos atrair gente nova para o sector da produção
agrícola não há serviços técnicos de
campo capazes de darem esse apoio.
O
ordenamento do território tem de saber reequilibrar os ecossistemas naturais ou
paraclimácicos com a produção agrícola e o pastoreio, pelo que instrumentos
como a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional são fundamentais.
No entanto não é o que está a acontecer actualmente.
Com uma nítida subalternização da politica de Ambiente e a desvalorização da importância da REN está a dar-se oportunidades aos especuladores de terrenos e a técnicos produtivistas e oportunistas, e algumas autarquias ávidas de construção seja lá onde for. Quando por todo o Mundo, e muito especialmente na Europa, se começa a dar cada vez maior relevância a práticas agrícolas conducentes ao equilíbrio com os ecossistemas naturais, para onde apontam as novas medidas da PAC, em Portugal, reagimos ao contrário. `Para mim são os estertores de uma sociedade arreigada a um status quo que não quer perder os seus privilégios.
O
OT deve incorporar todas as preocupações com o ambiente e com uma agricultura
ecologicamente apoiada, integrando, melhorando ou recriando os ecossistemas
naturais que fornecem contribuem para a
salubridade ambiental e suportam o equilíbrio do território. Separar o OT do
Ambiente é criar o paraíso para o descalabro biofísico do nosso país.
E
quase ninguém protesta