Viver a Vida, Lidar com a Morte
Este é título de um livrito que escrevi e editei em 2014.
Há dias li uma excelente entrevista no Publico a uma médica brasileira, Ana Cláudia Arantes, que veio a Portugal apresentar um livro " A morte é um Dia que vale a pena Viver", de que fala na entrevista.
Muito do que está nas respostas à entrevista encaixa perfeitamente naquilo que penso e defendo e está expresso no livrito citado acima.
Depois da vida vem a morte, diria o senhor de La Palice, e é a verdade pura. Se me preocupo com as condições de vida e exijo da sociedade o direito a ter condições de dignidade e respeito, também me bato pelo direito à dignidade na morte.
A dignidade é uma categoria racional do ser humano; levou séculos de luta dos homens, sobretudo dos ocidentais, para a obtenção do estatuto de dignidade individual, integrada sempre num conceito abrangente do bem estar colectivo.
Ora se devemos viver com dignidade também devemos poder morrer igualmente com dignidade - cada um é dono do seu corpo e da sua vida e, em plena consciência, pode decidir sobre si próprio.
Claro que esta atitude levada ao extremo conduz ao reconhecimento do suicídio, mas entendo que não devemos chegar aí, embora respeitando a decisão dos que escolhem pôr termo à vida. Quem somos nós para julgar uma decisão tão irreversível e trágica!!
Mas em casos de doença penosa, se fosse legal ter uma morte assistida, com conforto e dignidade, talvez muitos desses casos não ocorressem.
Do grego vem a palavra que designa boa morte - eutanásia - que ao contrário do suicídio, é umas morte assistida quando as condições de vida estão num extremo sem retorno viável e o sofrimento é o pão nosso de todos os dias.
O direito à morte com dignidade é um direito tão importante como o direito à vida.
Numa sociedade imperfeita como é a nossa correm-se sempre riscos de poderem ser cometidos excessos ao abrigo de uma legislação bem intencionada que venha a ser promovida, e a banalização da morte constitui um perigo a ser evitado, ponderando meticulosamente as decisões a serem tomadas.
Os cuidados paliativos podem possibilitar até certa altura a melhoria da qualidade de vida do doente terminal, mas chega um momento em que isso já não basta, por mais que os médicos digam o contrário. Há sempre o caminho da sedação, mas isso é apenas mascarar a vida. A Vontade do homem, em plena consciência, sobre a sua morte deve ser respeitada, como escreveu com graça o grande poeta Mário de Sá Carneiro :
Quando eu morrer, batam em latas.
Rompam aos saltos e aos pinotes
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas.
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza;
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro...
riscos