04/07/016
Serviços
Florestais e
Conservação
da Natureza
Assuntos aparentemente menores, que não
ocupam grandes espaços da comunicação social, seja escrita ou audiovisual, e
por isso têm pouco impacte na opinião pública, podem porém ser matérias da maior importância em termos de
futuro, de longo prazo – aspectos de que as governanças portuguesas são pouco adeptas.
O curto prazo é muitas vezes mais
importante que uma decisão sábia de longo termo.
A extinção dos Serviços Florestais levada a
cabo pelo Governo PSD/CDS não levantou
qualquer reacção pública; o afastamento entre os cidadãos e a res publica, desejado e promovido pelas derivas liberais
daqueles partidos, conduziu ao encolher de ombros da maior parte das pessoas.
Os Serviços Florestais, no entanto, eram um organismo que vinha desde o séc. XIX,
e não há país nenhum no mundo, com uma grande área florestal, que não possua o
seu Serviço Florestal, muitas vezes até
transformado em ícone da Administração
Publica.
Já antes , num governo “socialista”, tinha
começado o desaire – a extinção do Corpo de Guardas Florestais, com a passagem
do pessoal para a GNR. Foi uma medida gravosa que, tanto quanto me lembro, passou ao lado da opinião pública e ninguém com estatuto público
relevante debateu o assunto.
Os guardas florestais e em especial os
velhos Mestres Florestais, eram depositários de sabedoria e de bom senso que
hoje em dia seriam tão preciosos; eles não eram meros polícias para serem pura
e simplesmente incorporados na GNR – eram agentes da defesa e da protecção das
matas, vigiavam o estado de limpeza, obrigavam os proprietários a procederem a
limpezas, e por isso não deveriam receber ordens de qualquer tenente ou sargento da GNR, sem desprimor para estes, é claro,
mas precisavam de ser enquadrados pelos engenheiros florestais que com eles
formavam uma cadeia de conhecimentos e de atitudes de intervenção no
território.
Esta sabedoria dos velhos Mestres, perdeu-se e mais uma vez devemos ser o único país do
mundo com florestas que não tem um Corpo específico de Guardas Florestais, e essa medida insere-se no pensamento liberal
que desde o “socialismo liberal” até hoje
tem vindo a dominar a vida pública.
Bastava que surgisse uma pequena coluna de
fumo no horizonte e havia quase sempre um posto de guarda florestal que a
avistava, o que permitia atacar os incêndios das matas e impedir que assumissem
grandes dimensões. E hoje? Bem, parece que esta
prevenção dos incêndios causava grande transtorno aos lobbies dos negócios dos
meios aéreos e outros que movem muitos
milhões de euros, e envolvem gente graúda. O Corpo de Guardas Florestais e a
rede de postos florestais eram incompatíveis com a ”liberalização” do Estado –
menos Estado melhor Estado, como se tem visto …
Não tenho dúvida que era a mais eficaz e mais barata forma de
prevenção dos fogos florestais, e só a falta de peso “lobbista” dos florestais
possibilitou o seu fim-.
E então houve um génio da política, que já ficara
conhecido por causa do queijo limiano, que chegou a Secretário de Estado
daquilo que, presume-se… ele devia saber mais – florestas, natureza, etc…- e
resolve retirar os Serviços Florestais do Ministério da Agricultura onde sempre
esteve e com o beneplácito dos outros governantes, todos eles interessadíssimos
nestas coisas, enfiou-os no ICN, o
organismo que sucedeu ao Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património
Paisagístico que, desde a Revolução de
Abril de 74 , incarnava a mudança de conceitos nas políticas portuguesas,
fazendo da Conservação da Natureza não um simples ornamento de qualquer
Ministério, mas antes um dos pilares fundamentais das políticas de Ambiente e
de Ordenamento do território…
Com estas jogadas, passou-se o encargo dos ordenados dos guardas
florestais para o orçamento da GNR e
mataram-se dois coelhos com a mesma bengalada : por um lado facilitou-se o
negócio do combate aos fogos florestais, sem a intromissão dos tais vigias que
não deixavam que os fogos progredissem, por outro diluiu-se o poder de
intervenção do ICN dando a impressão que até aumentava a sua importância.
Instalou-se nele a confusão e ingovernabilidade, mas qualquer funcionário que fale nisso …já não há PIDE
mas há quem escute e informe os chefes, escolhidos a dedo como convém.
E este aspecto do ICN merece reflexão.
A Conservação da Natureza desde há décadas
que deixou de ser encarada apenas como protecção da Natureza, ela é um
processo , melhor é uma política
nacional de gestão dos ecossistemas. E
como política nacional, para ser eficaz, deve ser transversal a todos os
sectores da economia que interferem directamente com o território e com as
paisagens : agricultura, florestas, energia, rodovias, indústrias, etc. Todos os sectores da economia devem ter uma
componente conservacionista, mas o organismo que tutela a Conservação tal como
toda a política de Ambiente, deve ser independente dessas actividades
sectoriais.
O que não deixa de ser estranho é que hoje
as Áreas Protegidas que incluem parques naturais e reservas naturais algumas
delas consideradas Reservas da Biosfera, estejam sem director próprio - é
também uma especificidade portuguesa , instituída pelo Governo do
PSD/CDS (estranho PSD , onde já
militaram algumas das personalidades mais marcantes da política de Ambiente,
que hoje parece que desistiu dessa vocação).
As APs não servem apenas para proteger
o lobo, o lince, etc; elas deviam ser modelos de economia social e
exemplo para o restante território.
Nestes domínios havia algumas decisões
que se esperava fossem tomadas pelo
actual Governo PS, ainda por cima sustentado por partidos de esquerda, incluindo Os Verdes : um, que fosse recriado o organismo que faz parte do património
administrativo português - os Serviços Florestais, voltando a conceder-lhe a
dignidade a que tem jus, voltando a pôr em campo o Corpo de Guardas Florestais,
enquanto resta alguma memória do seu contributo patriótico; dois, que os Serviços Florestais voltem
ao Ministério da Agricultura que já tem de novo a designação “e Florestas”, mas
só o nome…; terceiro, que sejam
redignificados o ICN e as Áreas Protegidas,
a quem o novo Ministro já disse que directores não é para já, como se
isso fosse uma questão menor!
Eu sigo a comunicação social, mas pode ser
falha minha, porém acho que a opinião publica, as ONGs ambientais, os
especialistas, todos vivem mais ou menos calados sobre estas matérias que
afectam o correcto ordenamento do território: o Jorge Paiva lá consegue de vez
em quando que lhe editem um artigo no “Publico”, a Luisa Schmidt lá escreve
umas crónicas no Expresso, mas parece
que por ser politicamente incorrecto, mais ninguém aparece a defender estas causas. Ao que nós
chegámos…
F Pessoa
Fernando
Santos Pessoa - Monte
Gaia. Azinhal e Amendoeira - 8005-414 Faro
Ex-Administrador
Florestal
Fundador
e 1º Presidente do SNPRPP
Prof.
Ass, UAlg Cv. Ap