Pelo interior e Serra da Estrela
Face
ao escândalo nacional que foi o incêndio que destruiu uns 25.000 ha da Serra da
Estrela, Parque Natural icónico e Geo-Parque Internacional, decidi partir para
lá , como já fizera em 2017 por ali e noutras áreas ardidas; mas antes fiz um
périplo pelo interior despovoado e que fica esquecido das bênçãos do Poder depois de assente o eco de melífluas promessas que não passam disso.
Aldeias
e pequenas vilas no meio do nada, sem agricultura, sem actividades económicas
pujantes – que fazem aquelas pessoas por ali? Agarradas ao seu solo, é com um
sorrido na face que nos dizem “volte mais vezes, gostamos de receber os
visitantes”. Por montes e vales, não faltam cartazes a dizer “Enganados - desde
2017- Abandonados”. Coesão Territorial? Pois ela é evidente aos olhos de quem por lá passa ( e de
quem lá vive…)…
Entrar
nas zonas ardidas da Serra da Estrela é um susto. Os canais de televisão que
durante semanas encheram os olhos e as mentes das pessoas com o espectáculo de
feéricas labaredas, em écran inteiro, deviam assumir a obrigação de voltar aos
mesmos sítios e agora, exaustivamente, passarem as imagens menos feéricas das
consequências das labaredas.
Graças
aos meus contactos com gente que passou a vida, pessoal e profissional, na
Serra, percorri os cenários da tragédia. Estive no ponto onde tudo começou a 6
de Agosto, de madrugada, perto da aldeia do Carvalho e de uma casa de guarda
florestal que, se estivesse ocupada,
teria permitido dar pelo fogo mais cedo; mas um grupo de pessoas que,
pelas 6h da manhã, iniciava uma caminhada, deu com o fogo que ia
a meio da encosta, coberta de mato e algumas pequenas árvores dispersas
– às 8h do cimo da Fraga Grande ( onde também estive) já viram helicópteros a
deitar água na base da encosta mas no excelente aceiro a meia encosta - onde
poderiam ter sido posicionados pessoal e equipamento para conter ali o fogo que
ainda não subira até lá. não estava ninguém. Claro, depois de ultrapassar
aquele aceiro, com sol e vento forte, ninguém mais teve mão no fogo.
Antes
os bombeiros quando trabalhavam com os florestais, todos conheciam o terreno, iam
ao encontro do fogo onde ele aparecesse, hoje esperam pelo fogo. Tal foi o
trauma da estúpida morte de tanta gente em 2017, que hoje a Protecção Civil
defende a todo o transe casas e pessoas- o resto é para arder, sobretudo se for
“apenas mato” – é o que dizem as gentes das áre4as incendiadas… Ir ao encontro do fogo ou esperar que ele chegue são atitudes diferentes.
Por vezes -muitas vezes, diz quem os viu- os bombeiros
ficam horas nas estradas à espera de ordens – a descoordenação já vem pelo
menos de 2017…
Percorri
dezenas e dezenas de quilómetros por aceiros e outros acessos entre paisagens
de terror, negras e calcinadas; fizeram-se trabalhos inúteis por terem sido mal
orientados, como abrir corta -fogos de qualquer maneira – não se abre um corta
fogo aos zig zags pois não serve para
nada, e junto a Verdelhos poderiam ter aberto o aceiro correctamente, o relevo
permitia… Aldeias como Sameiro,
Verdelhos, Vale de Amoreira, Valhelhas, etc, ficaram rodeadas de fogo, está
tudo calcinado em volta - só escaparam e estão verdes os pequenos terrenos
cultivados. Nesta área da Serra há pelo menos 4 casas de guarda-florestal
abandonadas...
O
maior problema do Parque Natural é o despovoamento de moradores e de guardas e vigilantes.
Antes, quando estava "tudo mal", o Parque começou (ainda
gora se voltou a falar do assunto por gente que o conhece bem) tinha um Director
que era o responsável directo por tudo o
que se passava, e um Conselho Geral constituído pelas Câmara Municipais, Juntas
de Freguesia e Serviços Regionais, onde
se preparavam todas as acções a implementar; depois vieram uns sobredotados que
criaram a (des)orgânica caótica que levou ao abandono: nunca se cumpriu o plano
de ordenamento, deixaram de apoiar os produtores de queijo artesanal e os
rebanhos – um ilustre antigo técnico ainda agora me citou o Prof. Francisco Caldeira
Cabral que há 50 anos dizia que, se
queriam ter mão nos incêndios, mantivessem o gado na serra. Sem o Parque
Natural a funcionar em pleno, não se ordenou a serra, como estava previsto, com
agricultura de montanha, pastagem e folhosas, deixou de se apoiar o
melhoramento do cervum, quando o parque natural foi ao encontro da população
que protestava contra o empinheiramento dos baldios – o padre Morais, de
Folgosinho, foi um dos grandes líderes dessa justa contestação.
As
folhosas são fundamentais e mais uma vez fica demonstrado: um povoamento de
azinheiras na Abitoreira foi afectado, mas cerca de 70% vai sobreviver tal como
os castiçais; o núcleo de castanheiros da Cova tiveram o fogo em volta
durante 2 dias, chamuscaram o primeiro renque, mas o fogo deixou-os verdes. Um
pequeno parque de campismo rústico, na zona de Verdelhos, com magnifica
floresta bem tratada e rodeada por áreas de pastagem usadas pelas ovelhas e
cabras, viu o fogo andar em roda e não lhe pegou. Exemplos que deviam ser tidos
em conta agora, já que o não foram nas ultimas décadas.
Algumas
pessoas das terras visitadas disseram que tinham gostado das palavras do
Ministro do Ambiente que, ao contrário do antecessor, lhes pareceu sinceramente receptivo à
mudança; mas isso veremos, porque ele não ligou nada ao relatório do
Observatório Independente presidido por um conceituado Prof. Catedrático de
Silvicultura, e que propunha mudanças significativas. E agora acaba de ser
anunciada outra Comissão, com 17 Entidades entre eles 8 responsáveis máximos de
organismos do Estado – alguém acredita que os responsáveis vão pôr os seus lugares
em causa para proporem as tais mudanças que seriam indispensáveis? Custa a
crer.
Quando ao fim do dia estava de regresso, a descer para Folgosinho, passou por mim um carro de
bombeiros a subir a serra, e via-se uma coluna de fumo lá ao longe. Outra vez ?
Capacitem-se
de uma coisa: se o sector agro-florestal não for completamente reformulado, se
a politica de Ambiente não for antecipativa e preventiva ( com Conservação e
Ordenamento do Território em consonância. que hoje não existe porque se calhar "não convém")), se não se acabar com a estúpida ausência
da quadricula de defesa e vigilância permanente
das áreas florestais com pessoal capaz a habitar nas serras se não houver uma politica florestal nacional e
independente dos interesses das celuloses ( sem as esquecer, obviamente)- o país
irá continuar nesta sucessão anual de
tragédias e de abandono.
E
dispensam-se frases de arrogância - no mínimo de optimismo irritante- daquela senhora
ministra que assegurou que o Parque Natural da Serra da Estrela vai ficar muito
melhor do que era antes – então se sabe fazer melhor, está há sete anos no Governo,
porque é que não fez antes? Vai ficar tudo recuperado até 2032? Os meus netos
estarão cá para ver…
Com vários Parques Naturais a serem varridos pelo fogo - os planos de ordenamento das Áreas Protegidas não são compatíveis com eucaliptais... - volto a expressar aqui um voto lancinante: metam vigilância dia e noite no Parque Natural da Arrábida onde aquelas formações mediterrânicas são uma preciosidade!!