sábado, 30 de novembro de 2019

Fernando Pessoa
Neste dia, 30 de Novembro de 1935, morreu Fernando Pessoa, de que nem vale a pena escrever muito, pois tudo quanto eu disser será ridiculamente  pouco face aos milhares de páginas que sobre ele já se escreveram.
Mas sempre digo que para mim tanto ou mais importante que a poética em si mesma  é a profundidade do seu pensamento, entrando  por domínios do espírito que dificilmente será igualado. É grande a nível mundial, reconhecido por quantos  têm podido ler a sua obra.
O facto da coincidência com o meu nome tem dado ocasião a episódios com piada, alguns até ridículos, outros que dizem da dimensão do grande  poeta-filósofo.
Apenas uma história : eu sou leitor assíduo há muitos anos da obra do filósofo francês, revolucionário e tão contestado como enaltecido,  Michel Onfray: sucedeu que ele veio a Lisboa aqui há uns anos, ao Instituto Franco-Português, apresentar a edição na nossa língua do seu livro La puissance de vivre"."A potência de viver". No final da sessão fui pedir o inevitável autógrafo do exemplar que adquiri e, é claro, ao ver o meu nome ele exclamou para quem quis ouvir, dizendo que o Fernando Pessoa é um dos maiores intelectuais europeus do século  vinte, e ainda irá escrever um livro sobre ele.

"Sim, está tudo certo.
Está tudo perfeitamente certo.
O pior é que está tudo errado.
Bem sei que esta casa é pintada de cinzento
Bem sei qual o número desta casa -
Não sei, mas poderei saber como está  avaliada
Nessas oficinas de impostos que existem para isto - 
Bem sei, bem sei...
Mas o pior é que há almas lá dentro
E a Tesouraria de Finanças não conseguiu livrar
A vizinha do lado  de lhe morrer  filho.
A Repartição de não sei quê não pôde evitar
Que o marido da vizinha do andar mais acima lhe fugisse com a
                                                                                      cunhada...
Mas, está claro, está tudo certo...
E, excepto estar errado, é assim mesmo : está certo... "

E  René Magritte  pintou o quadro do cachimbo e escreveu :       "Ceci n'est pas une pipe"

O que parece ser, não é; aquilo que vemos é apenas a imagem da coisa em si, seja a casa pintada de cinzento seja o cachimbo. É sempre a traição das imagens...

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

As grandes  cheias de Lisboa em 1967
Durante a tarde e a noite de 25 para 26  de Novembro de 1967 choveu na região de Lisboa, em menos de 24 horas, um quinto da precipitação média anual e os resultados foram a maior catástrofe natural que aconteceu na capital depois do terramoto de 1755. O Governo de Salazar tentou encobrir a dimensão da tragédia, mas a pouco e pouco vieram ao de cima os números : mais de 700 pessoas morreram nos concelhos limítrofes da capital, vítimas do desordenamento do território. Eram as camadas mais pobres que não tinham posses para ter casa própria em sítios adequados, e que ocupavam  os terrenos públicos ou mais baratos da periferia, em condições deploráveis.
Eu nessa altura morava na Madeira mas vim a Lisboa e creio que foi a 27 desse mês que, um tanto embasbacado, vi na Televisão, no noticiário da noite, o Arq.ª Gonçalo Ribeiro Telles a explicar as razões do sucedido. Ora não havia memória do Ribeiro Telles ter tempo de antena, opositor como era do regime, e como recordava aqui há uns anos a Arqª Helena Roseta, ele veio  falar de assuntos que hoje são lugares comuns mas que na altura poucos - além dos arquitectos paisagistas -  conheciam : ocupação de leitos de cheia, impermeabilização e ocupação das cabeceiras das linhas de água, abandono dos solos agrícolas, etc. E apontava para a necessidade de se ordenar a paisagem, de corrigir as linhas de água e proceder à limpeza e reconstrução, em termos funcionais, das cabeceiras e dos leitos de cheia. Nessa altura eu trabalhava na delegação do Funchal da Direcção Geral de Urbanização, e ao vir a Lisboa em serviço aproveitei, visitei o Gonçalo como fazia sempre e dei uma volta com ele pela região afectada, não só na área  de Loures, como também  de Oeiras, Sintra, etc. Eram imagens dantescas de destruição dos cursos de água, das margens, o alagamento de terras férteis, os amontoados de destroços...
De novo em 1983 voltaram a acontecer cheias  colossais na região de Lisboa, já não tão trágicas como as de 67 mas ainda assim provocando uns 10 mortos, muitos feridos e muitos milhares de contos (contos em escudos...) de prejuízos.
Nessa altura fui eu nomeado pelo Secretário de Estado do Ambiente Engº Carlos Pimenta para Coordenador do Grupo de Trabalho para Estudo das Causas das Cheias, que reunia técnicos competentíssimos  do LNEC, da Hidráulica, do Serviço de Solos e outras Entidades relevantes.
Uma das primeiras acções que fiz foi ir visitar as áreas mais afectadas e lembro-me de ter ficado  surpreendido porque os piores desastres sucederam nos mesmos locais que já haviam sido destruídos em 1967 - quer dizer que não se tinha aprendido nada, tinham sido reocupados muitos dos locais que as cheias haviam atingido anteriormente.
Cá fica para memória futura até porque não sei se hoje já se terá realmente aprendido alguma coisa ...







terça-feira, 26 de novembro de 2019

Porca miséria...
Há em Portugal uns 2 milhões e 200 mil cidadãos no espectro da pobreza, e 1 milhão e 700 mil  com rendimento mensal inferior a 500 €. Que país continua a ser este ?!! Tanta festa e foguetes para comemorar o défice  zero,  servem afinal para esconder esta realidade que nos devia envergonhar mais do  que ter uma dívida acima dos 60% ou um défice de 3 ou 4%. É o que faz estarmos nas mãos de contabilistas ( com o devido respeito pela classe ) desde Salazar - que também deixou as contas em dia mas o pais social e economicamente como talvez alguns dos mais velhos ainda se recordem...

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

25 de Novembro
Esta data é fracturante ainda hoje, mas passadas estas décadas a maioria dos portugueses que seja democrata pode evoca-la como sendo a garantia de, nesse dia, termos ultrapassado uma fase transitória se bem que épica da revolução e entrado numa  fase de, digamos,  rotina democrática,
Quando se deu o 25 de Abril eu já conhecia, além da Espanha ( que estava tão ou mais subjugada que nós a uma ditadura fascista) a França e a Alemanha. Neste último pais vivi largos meses por duas vezes, e aqui e na França eu reconhecia  regimes democráticos como o que queria viver  na minha terra.
 Aqueles meses tremendos de 74 e de 75 foram para mim uma época de euforia, de vivência e arrebatamento, era o combate pelas ruas entre modelos e ideologias que só em democracia se podiam viver assim. Como Chefe de Gabinete do Gonçalo Ribeiro Telles, ali no Terreiro do Paço, sentia quase diariamente o pulsar da revolução e uma coisa se ia  enraizando em mim : era a certeza de que chegaríamos ao estatuto de democracia, sem ser "orgânica" ou "proletária", apenas democracia "tout court", burguesa como lhe chamavam os marxistas ( muitos deles marxistas  de última hora que mal as coisas serenaram voltaram ao seu estado natural de burgueses empedernidos e de direita - ainda aí estão  e é claro que não vou citar nomes...).  Ribeiro Telles é monárquico e eu sempre fui republicano, e a estreita ligação que ele sempre manteve comigo revelava-me como é que deve ser um democrata - nunca precisei de votar no PPM para ser o seu mais próximo colaborador, amigo de confiança e divulgador das ideias que eram também as minhas sobre o território, o Ambiente, a democracia... Só eu sei quanto lamento hoje em dia já não ter o velho Gonçalo em condições de falar comigo destas coisas, como fizemos durante anos a fio!!
Nesse Verão quente de 75 vivemos em ebulição o "movimento dos nove", pois o nosso vizinho Secretário de Estado, porta com porta, era o hoje General Garcia dos Santos, que fora encarregado de levar o "documento dos nove" a assinar pelas diversas unidades militares do país. Como naquela altura efervescente se desconfiava de toda a gente, em vez de comunicar para o seu gabinete de Secretário de Estado, combinou com Ribeiro Telles que à medida que as Unidades fossem aderindo comunicava para o nosso Gabinete. Ainda aí estão o Luis Coimbra ( único monárquico assumido do gabinete) e a Maria Elvira para o confirmarem. Foi um risco, se os radicais que levariam ao 25 de Novembro tivessem levado de vencida a sua  acção, nós estaríamos em maus lençóis. Havia sido um alívio quando vimos em Julho, salvo erro, pois não recordo o dia mas que se pode confirmar consultando a imprensa da época) o Jornal Novo, numa segunda tiragem ao fim da tarde, tornar publico o tal documento que os militares do movimento ingenuamente tinham entregue a Costa Gomes e a Otelo Saraiva de Carvalho. 
Quando se dá o golpe chefiado por Ramalho Eanes, eu e o Gonçalo estivemos em Belém na rua, entre a multidão, a assistir à chegada dos comandos de Jaime Neves e assustámos-nos com os tiros disparados lá de dentro. ( O Gonçalo ia de boné na cabeça, dizia ele para passar mais despercebido...).
O 25 de Novembro repôs a democracia e ainda hoje se comemora e elogia Ramalho Eanes, com quem tenho excelentes relações, e Jaime Neves cuja integridade e serenidade foram fundamentais; mas esquecem-se sempre de recordar o homem que, por trás, na sombra, esteve afinal sempre à frente de toda aquela estratégia : Ernesto Melo Antunes. Já  por umas duas vezes, em correspondência com o "nosso General" Eanes, eu lhe disse que ninguém quer assumir a iniciativa de uma homenagem nacional a Melo Antunes.  Sem a divulgação publica do texto, os envolvidos seriam facilmente silenciados pelo Copcom e ninguém daria por nada...
Talvez se recordem alguns de, na noite do 25 de Novembro, quando se começava a erguer uma onda direitista que queria a ilegalização do PCP e de todos os esquerdistas, ter aparecido na Tv o Melo Antunes a dizer, com a sua calma habitual, que numa democracia plena o PCP não seria ilegalizado pois nela tinha lugar, como qualquer outra formação ideológica, desde que se respeitassem as regras do Estado direito democrático. Foi essa coragem e esse desassombro que fizeram engulhos a muita gente, (até entre os socialistas...) pelo que nunca lhe deram a honra e o lugar de gratidão a que Melo Antunes tinha direito por valor próprio.
Não costumo encher a boca com amigos importantes quando apenas são de relação pouco próxima, mas posso dizer com absoluta  verdade que fui amigo e grande admirador do Melo Antunes, desde os tempos de Alferes, na Bateria de Belém, em Ponta Delgada - por isso nunca deixarei de insistir na justiça que representaria o reconhecimento nacional duma personalidade que  foi, desde o início, a grande alma do Movimento das Forças Armadas .
O 25 de Novembro de 1975 foi, para mim, a cúpula do movimento de conquista da democracia que nos permitiu romper com o velho e caduco Estado Novo, que inevitavelmente tinha de suceder - e sucedeu  de forma exemplar - após a  "explosão" também inevitável do 25 de Abril de 74. Neste, as únicas mortes foram devidas aos agentes da PIDE que das janelas do seu quartel dispararam sobre o povo desarmado que os esperava cá fora; e neste evento de Novembro as únicas mortes foram provocadas pelos militares que dispararam na Calçada da Ajuda contra os militares dos Comandos que não chegaram a dar um tiro. Os extremistas dão sempre estes exemplos.











RÓMULO DE CARVALHO
O António Gedeão, o grande vate da poesia  que questionava implacavelmente a realidade que se vivia, nasceu no dia de ontem em 1906. Eu conheci-o de forma menos agradável nos júris da disciplina de física do 7º ano, no Liceu de Coimbra, e com uma cena pouco meritória que não vou recordar. Mas uma outra figura notável de pensador português, o Prof. Joaquim de Carvalho, catedrático da Univ, de Coimbra, que eu visitava nas férias na sua casa da Figueira porque tinha sido vizinho e era amigo do meu pai, falava-me do António Gedeão como o grande poeta dessa geração.
Num dos poemas de Gedeão, depois de falar da evolução da vida e da precariedade do que fazemos, em que tudo esquece cada ano que passa. ele interroga "E o nosso sofrimento para que serve afinal? ". É um problema existencial que só tem uma alternativa : ou se continua a lutar ou se desiste.. Cada um de nós que opte...

sábado, 23 de novembro de 2019

Reflexões coisas que nos dizem respeito...
Não sendo economista ou  filósofo  nem por isso deixo de reflectir sobre as condições de vida que nos são impostas e sobre os problemas que nos afectam. Leio economistas e leio e estudo  filosofia porque esta  nos ajuda a estruturar o pensamento e entendo que o ensino da filosofia, pela organização do "método de pensar" que nos proporciona, devia fazer parte muito mais empenhada do que hoje acontece, no ensino das escolas em todos os níveis da escolaridade. E discorro com a consciência plena de que  me afasto de muitas ideias feitas e de muitas posições político-ideológicas  reinantes na sociedade. Discorrer sobre os nossos problemas não implica forçosamente que se utilize uma linguagem rebuscada, pelo contrário o que é importante é chegar a todos quantos nos possam ler, usando para isso uma forma de expressão corrente. Todos, cidadãos livres e independentes, devíamos ter a preocupação de reflectir sobre as nossas preocupações e de procurar abrir essas reflexões a quem as quiser discutir  mesmo discordando. Discussões académicas são indispensáveis para penetrar no âmago das questões e fixar os padrões do conhecimento. Mas em termos de divulgação e reflexão,  mais importante do que a discussão académica e uma hermenêutica de tão difícil leitura como aquilo que procura interpretar e a que  só as elites têm acesso, é uma discussão acessível a todos.
O mundo atravessa mais uma época de grandes movimentações sociais, como sempre aconteceu e sempre se disse que eram  épocas especiais, só que agora surgem associadas a grandes alterações climáticas,  que a pouco e pouco vão assumindo  entre elas, a meu ver, um carácter de conciliação. Tenho para mim que antes das leis sociais se impuseram leis naturais que modelaram, anteriormente a todas as outras, o comportamento individual e social. Cabe aos homens regular essas leis naturais dentro da capacidade de manobra que lhes seja possível dispor.
Impôs-se hoje de forma generalizada um pensamento neoliberal que é contrário ao bem estar social e ao confronto com as  modificações climáticas e de comportamento do planeta, pois que esse pensamento continua a promover o abuso da utilização irracional dos recursos naturais, o crescimento económico e uma acção política em prol  de uma sociedade desequilibrada, que aliena a maioria dos cidadãos, que perpetua a exploração dos mais necessitados e consolida uma situação de concentração da riqueza numa elite em detrimento da maioria dos membros das sociedades. Com ele acentua-se o fosso entre países ricos e países pobres e, dentro do mesmo país, entre os poucos que são ricos e a maioria que é pobre - e agrava-se, por egoísmo, a defesa da integridade ecológica. O liberalismo - é disso que se trata -  sempre fez isto, o de agora não é neo, é o mesmo de sempre.
Os grupos humanos que ao longo dos milhares de anos foram evoluindo fizeram-no a partir do uso de leis naturais que iam sendo entendidas à medida que as sociedades se organizavam, Uma dessas leis é a do capitalismo e da propriedade privada, que nasceu quando o homem criou a sua primeira ferramenta, quando ocupou a sua gruta ou construiu a sua cabana, quando rodeou com um bardo o pedaço de terra em que lançou as primeiras sementes que dariam alimento à sua família alargada. E quando a produção da terra vedada excedia aquilo que ele consumia, ou quando produzia mais ferramentas do que aquelas que utilizava, faziam-se trocas com os vizinhos .
A lei da oferta e da procura é uma lei natural ligada ao desenvolvimento das sociedades. Mas uma lei natural de que os seres humanos, organizados em sociedades,  se servem na sua vida social precisa de uma moral, um conjunto de regras para que exista justiça entre os homens dessa sociedade.
O problema que veio a criar-se depois ( e não preciso de evocar Marx e outros economistas) foi o da expansão  da forma de apreensão da propriedade e da acumulação de riqueza por parte de um individuo ou de um grupo organizado  de indivíduos... Não pretendo entrar mais pela teoria económica, apenas fiz esta investida para poder afirmar que o capitalismo teve origem natural e, em si mesmo, não é negativo desde que seja regulado. A financialização da economia é que veio trazer o descalabro do capitalismo levando-o para extremos que conduzem a sociedades dependentes dos donos do dinheiro - como todos sabemos é o liberalismo.
O liberalismo é como a hidra da mitologia grega: quando se corta uma cabeça nascem logo outras, nem que fique em letargia alguns períodos esperando pela ocasião propícia.  Uma coisa é uma sociedade e uma democracia liberais, no sentido de serem livres, outra é serem liberalistas - e no fim libertinas...
Também vou apenas recordar que desde o auge do liberalismo do laisser faire laissez passer, do século XIX, nasceram formas de reacção com ideologias que se dispunham a opor-se ao descalabro social, à medida em que eram cada vez mais nítidas as clivagens entre classes ricas e possidónias e as classe pobres cada vez mais pobres; de que assim saiu a doutrina social da Igreja que originou a ideologia da democracia cristã;  e a ideologia social democráta ou do socialismo moderado que se opunham, ambas, aos excessos já nessa altura detectáveis do liberalismo tal como do marxismo. 
É bom recordar também que a época de maior paz e bem estar social que a Europa conheceu, em toda a sua História, foi a das décadas em que os países europeus, depois da 2ª Guerra Mundial, foram governados por aquelas duas ideologias.
Enquanto se manteve a hegemonia mundial dos dois grandes blocos - o bloco oriental comunista e o bloco ocidental capitalista - assistiu-se a uma contenção das práticas capitalistas. desmoralizadas com a crise do final da década de 20 ; mas a derrocada simbólica do muro de Berlim fez nascer uma renovada situação favorável ao liberalismo, ameaçando com o papão do socialismo se não houvesse "liberdade" a rodos em todo o lado - a hidra fez nascer muitas novas cabeças e os territórios saídos do marxismo foram campo de alimentação inesgotável dos seus tentáculos.  Revelaram-se em poucos anos  mais milionários da Rússia e países até há pouco comunistas  ( e hoje na China...) do que em toda a Europa.
Um dos slogans do liberalismo é o da morte das ideologias, apregoam que não há esquerda nem direita, não há nada para além da realidade e esta é a do mercado que tudo regula e tudo controla; ideologias são coisa do passado - pudera, não hão-de ser...
A democracia cristã que era uma espécie de esquerda da direita, desvaneceu-se, já ninguém entre os políticos da direita liga às directivas da Igreja, ironicamente quando existe hoje um Papa que é o maior arauto, dos últimos dois séculos,  da doutrina social cristã - mas os abraços da hidra e os cânticos das sereias que hoje se chamam dólares e euros, são muito mais apelativos para os políticos conservadores.  Por outro lado tem sido realçado pelos especialistas, desde há anos, que o socialismo democrático ou social democracia também  se encolheu com o desabar do modelo comunista : o receio inculcado pelos liberalistas de se falar em socialismo e confundir-se com o "verdadeiro socialismo" afastou políticos e decisores de promoverem medidas de controlo  efectivo do capitalismo financeiro, o tal uso de regras sem as quais as sociedades não funcionam de modo equilibrado. Nasceu o neoliberalismo.
A União Europeia constituiu-se nesta conjuntura; a sua estrutura e os seus métodos e directivas de gestão são neoliberais.
Houve alguns  países europeus, como os escandinavos, em que a social democracia se implantou de forma tão entranhada na  sociedade, moldando-a que, mesmo rodando em sucessivos governo Partidos de direita mais ou menos conservadores, o essencial da regulação do capitalismo ficou; mas a maioria dos países europeus  não resistiu ao apelo liberalista  ( não escrevo liberal, eu também sou liberal em termos de liberdade individual e de concepção da democracia sem liberalismo...).
E as consequências das crises do liberalismo  que se têm feito sentir no Ocidente aí estão a denunciar a fragilidade dos países europeus, com especial gravidade os de economia mais dependente como Portugal, países que não foram capazes de se aguentar face ao ímpeto despesista que medidas liberais, mesmo em governos tidos como socialistas, foram empurrados a promover. Muitos ainda se lembram do apoio e impulso que a Chanceler Merkle e o Presidente Sarkosi  deram ao programa de José Sócrates, com o resultado que se viu. Entrava tanto pelos nosso olhos que até eu, modestamente nas minhas limitações, publiquei ainda em finais de 2005 uma crónica intitulada "Este socialismo liberal...".
As crises cíclicas do capitalismo financeiro só podem ser contidas por medidas nacionais que afrontem as imposições neoliberais da UE. E quem o diz são eminentes economistas.
Há uns anos que um leigo como eu, apenas interessado em informar-se, vem questionando porque é que foram impostos aos países europeus membros da UE, os valores do défice e da dívida pública - que eram na altura da definição das políticas europeias pura e simplesmente os valores praticados pela Alemanha. Porquê? Com base em que critérios? Porquê 3 ou 4% e não 4 ou 5 %? E para a dívida, porquê os 60% e não 80 ou 100% ?
Joseph Stiglitz, famoso Prémio Nobel de Economia, escrevia recentemente que um cientista político credenciado, Francis Fukuyama, no final da "guerra fria" afirmava que a queda do comunismo eliminaria o último obstáculo que separava o mundo inteiro do seu destino de democracia liberal e economia de mercado. E Stiglitz escreveu "hoje à medida que enfrentamos uma retirada da ordem global liberal baseada em regras, com governantes autocráticos e demagogos à frente de países que contêm mais de metade da população do mundo, a ideia de Fukuyama parece peculiar e ingénua". 
Mas foi essa ideia que prevaleceu nas últimas décadas e reforçou o neoliberalismo.
E acrescenta o citado Mestre da economia : " O neoliberalismo prejudica a democracia há 40 anos", e depois : " Se a crise financeira de 2008 não conseguiu fazer-nos perceber que os mercados sem restrições não funcionam, a crise climática certamente deveria conseguir; o neoliberalismo acabará literalmente com a nossa civilização",  concluindo :"...o único caminho a seguir, o único caminho para salvar o nosso planeta e a nossa civilização é o renascimento da História. Temos de revitalizar o século das luzes e reafirmar o nosso compromisso de honrar nos seus valores de liberdade, respeito pelo conhecimento e democracia".
Quanto aos aspectos directamente ligados com a nossa vida pública, que já aflorei, socorro-me aqui, para finalizar, do Prof. Paul de Grave, belga mas Vice-Presidente do nosso Conselho de Finanças Públicas, que afirmou em entrevista à imprensa, entre outras ideias fundamentais, que o capitalismo está ciclicamente em " modo de destruição" e que o dogma do orçamento equilibrado "é o pior tipo de dogma que existe".
A ligação umbilical da nossa vida  com as leis naturais e o Ambiente também mereceram ao referido especialista algumas afirmações contundentes, como "os Estados não podem falhar em obrigarem as empresas a internalizarem os custos que provocam danos no Ambiente. Quando for evidente que falharam a proteger o Ambiente, as forças autoritárias vão assumir o controlo".
E concluindo com questões que já foram colocadas atrás, diz Paul de Graves :" Não há qualquer razão para obrigar os Estados da UE a ficarem com a divida até aos 60% - porquê 60 %? ".
Bom, aqui fica matéria para reflexões, mesmo que não concordem com a exposição, mas a Terra, a Ecologia e as massas humanas exploradas pelo sistema neoliberal vão dar razão, quer queiram quer não. É apenas uma questão de tempo, cada vez de menos tempo,,,








   

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Está a chover no Algarve

Nada me daria maior satisfação do que verificar que o meu pessimismo quanto a uma dramática situação de falta de água no Algarve era exagerado. Está a chover no Algarve e se chovesse durante um mês o que tem chovido desde há 2 dias não ficava reposta uma situação de pleno armazenamento dos aquíferos, mas pelo menos afastava-se a ameaça de crise  este ano.  Já de há dois anos para cá que os Invernos têm sido escassos  em precipitação, mas este ano que está a terminar foi penoso; choveu qualquer coisa até Fevereiro e daí em diante nada que mereça ser registado.

 O fascínio do deputado do Chega 
Dos novos deputados e respectivos Partidos que entraram no Parlamento nas últimas eleições, nenhum como André Ventura tem merecido a atenção de comunicação social, escrita e televisiva.  Estão precisamente a fazer o que ele quer, que é dar-lhe protagonismo. Como é senhor de boa cultura e boa palavra, assume as poses de caudilho com grande facilidade e toda a imprensa, rádio e televisão fazem o que ele pretende. Uma coisa é não escamotear as questões e dar notícias, outra é dar relevo por vezes superlativo ao que ele faz e diz. Na manifestação dos policias em Lisboa, teve a lata de vir discursar no palanque que a ele não era destinado; e embora outros deputados de outros partidos tenham aparecido para falar com os manifestantes, nenhum ousou fazer a figura abusiva que ele fez - apoiado no perigoso Movimento Zero - perigoso porque é inorgânico, não tem ninguém  dirigente que dê a cara, e é nitidamente apoiado ou fomentado pela extrema direita. O mais triste é que muitos policias que certamente não alinham naquelas ideias acabaram por ser levados a aplaudir e a apoiar as ideias do Chega. Mas fosse da extrema esquerda para mim era igual.
Fenómenos como os coletes amarelos franceses que na sua base tem motivos de justiça e de razão, acabam por ser infiltrados por agitadores seja de que extremo forem  e dão o resultado de caos a que temos assistido. Tinha de chegar a Portugal, era inevitável.
Mas os órgãos da comunicação social, para disputarem protagonismo aos tabloides. têm a meu ver sido de muita irresponsabilidade dando relevo ao Chega que é aquilo que ele precisa para crescer. Depois  queixem-se ...



quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Piadas...
1 - A regionalização em marcha . O processo de regionalização do Estado já começou e, como tantas vezes acontece, com mais um equívoco. Tres Secretarias de Estado vão ter sede na província e com isso o Governo "simbolicamente" inicia o processo - mas só simbolicamente.
O que é urgente descentralizar são os serviços, as administrações operacionais, incrementando o conhecimento do Pais  fora da óptica do Terreiro do Paço. Agora o Governo governa em Lisboa, na Capital.  Criar gabinetes das Secretarias de Estado na província duplicando os que ficam em Lisboa é só mais uma forma de gastar mais dinheiro no assessório. O essencial era descentralizar os serviços e fixar quadros na província. O resto é  piada...
2 - Politica agrícola e florestal ( já foi...) - O Ministério da Agricultura acha muito bem que as Florestas tenham saído para o Ambiente. A concepção de uma política agroflorestal, que é a essência do sector primário para o território, realmente desde que tivemos um Ministro Jaime Silva na Agricultura e um outro Ministro António Costa  a decidir sobre a sorte dos guardas florestais - estávamos em 2006 - deixou de ser um objectivo nacional. Longe vão os tempos do Prof. Manuel Gomes Guerreiro, do Prof. Gonçalo Ribeiro Telles ou do Prof. Henrique de Barros, para identificar apenas tres dos grandes mestres que tivemos, e que ensinavam o que é a complementaridade da agricultura, da pastagem e das matas .
Com  os yes men que agora chegam aos Governos, não só este mas os últimos que temos tido, o que interessa é o simbolismo : as florestas no Ambiente é o supra sumo da política de fantasia, cortada e afogada  nos seus  vários sectores pela hegemonia das Finanças e completada com a ignorância do que é o ecossistema em equilíbrio. Assim, com as Direcções Regionais de Agricultura sem serviços de extensão rural e sem serviços e instalações de experimentação agrícola estamos, dizem eles, perfeitamente preparados para a Acção Climática e para a Transição Energética.. Como dizia o meu grande homónimo  : "Símbolos ? Estou farto de símbolos... ", Queria era ver acções concretas! O resto são piadas para encantar pacóvios com promessas:  com esses símbolos vão acabar os fogos  rurais, vamos ter uma agricultura adaptada às secas prolongadas que nos esperam no futuro imediato, vamos deixar de ter carência de água potável, etc. etc. Mais uma  piada.
3 - Exclusividade dos médicos no SNS - Desde 2009 que metade dos médicos dos SNS deixou de ter exclusividade,  apesar dos benefícios que essa situação dos clínicos traria para a saúde pública. Foi uma imposição do Governo do PSD/CDS que aceitou sem pestanejar as recomendações (leia-se exigências ) da Troika; mas o Governo da esquerda prometeu reverter as medidas anti-sociais que herdou, mas era só por piada. Embora ainda hoje se ouça dizer a  muitos médicos  que preferiam a exclusividade, e poderem prosseguir uma carreira profissional pública,  isso exige um aumento de 40% na remuneração. Já se está a perceber porque é que também aqui o SNS anda pelas ruas da amargura. Para ser piada é também de muito mau gosto.
4 - O PSD e a situação dos polícias -  A situação dos agentes da Polícia e da Guarda é escandalosa desde sempre. Aquela cláusula de serem os agentes que tem de comprar a seu encargo as fardas e parte do equipamento que usam em serviço, incluindo as algemas (!!) devia envergonhar qualquer Governo.
Mas por piada, no Parlamento, deputados do PSD atacaram o Governo por não resolver a situação. Então já se esqueceram que estiveram num Governo ainda há poucos anos ? Nessa altura o PSD fez alguma coisa para resolver o problema dos polícias ? Vir agora falar nisso com toda a desfaçatez...só por piada !









segunda-feira, 18 de novembro de 2019

O estado da Nação...
O estado da Nação  não deve ser só apanágio do PR e do 1º Ministro - todos os cidadãos devem ser activos participantes da análise e da crítica do que se passa no seu país; é por sermos um país de cidadãos pouco informados e mal preparados para intervir nas res publica que os nossos políticos e governantes fazem o que querem e ainda lhes sobra tempo...
Durante anos e anos foi sendo criada uma atoarda contra o funcionalismo público, a sua ineficácia e o peso excessivo que tinha e, dizem, continua a ter nos encargos do Estado. Isso foi sempre veiculado  pelos Governos e Partidos de direita e por alguns comentadores na comunicação social que oscilam entre as posições dos dois lados de espectro ideológico, Há funcionários públicos a mais!!
Mas o certo é que quando o PS ( que se diz de esquerda, ás vezes...) está no Governo não contraria aquelas asserções e o resultado está à vista. A percentagem de trabalhadores do Estado  esteve sempre  em linha com muitos dos países europeus de maior sucesso, como os países nórdicos, a Alemanha ou a França. Mas pior : nunca houve tanta falta de funcionários públicos como agora, com os despedimentos do Governo da troika, e depois dos primeiros quatro anos de "governação de  esquerda" com um Ministro das Finanças que deverá ser o menino bonito do neoliberalismo europeu e dos seus congéneres portugueses que, só por  vergonha, não o confessam...
Nas escolas é um  pandemónio, com falta de auxiliares e até de professores: a caminho do final de Novembro ainda há vários milhares de alunos sem todas as aulas por falta de  professores, e muitas escolas encerram as portas por falta de  auxiliares ( os antigos "contínos"...). Não se percebe porque é que, apesar da informática já estar actuante há umas décadas, a distribuição dos professores continua a ser um caos completo. Não se percebe porque é que não se consegue encontrar lugar para os professores  na sua área de residência - mandar professores de Faro para Braga ou qualquer outra terra  do território, ou vice versa, com aquilo que eles ganham e com os custos da vida ( viagens, aluguer de casas, etc) é um absurdo e devia ser a excepção, não a regra que hoje vemos.
Nos hospitais é outra pouca vergonha com a falta de médicos, em especial de especialistas, que leva ao descaramento de serem contratados no privado médicos a ganharem tres vezes mais que os efectivos e que os chefes de equipa em que são integrados. E faltam milhares de auxiliares dos vários ramos de trabalho hospitalar e nos Centros de Saúde. E faltam agentes  de segurança nos hospitais que assegurem a ordem dentro das instalações. O SNS está um caos apesar do esforço e do mérito dos que lá dentro teimam em fazer o melhor.
Faltam milhares de funcionários na Justiça, desde magistrados a pessoal técnico e auxiliar;  há tribunais a cair de velhos por dentro e por fora.
Os sistemas informáticos das escolas, dos hospitais e dos tribunais estão em boa parte  cheios de interrupções e manifestamente incapazes de permitir o bom funcionamento dos serviços.
Toda esta falta de eficácia da Administração Pública ( fica por falar do Ambiente, da Agricultura, da Cultura...) se fica a dever à falta de recursos financeiros, pois o Ministro das Finanças é que abre e fecha as bolsas ou sejam as autorizações, com a obsessão do défice e do pagamento da dívida, a verdadeira cartilha neoliberal que os socialistas portugueses adoptam ( Joseph Stiglitz explica ...). Desde Salazar quase todos os titulares das Finanças são assim: as contas em dia e a economia e o social no mais baixo nível. 
Ainda assim quando se ouve falar o CDS e agora a IL parece que estamos num entranhado socialismo, porque para eles o Estado ainda é demasiado pesado - o que importa é que os privados cresçam, mesmo que seja à custa do OE .
Esta situação da res publica ajuda a explicar porque é que o Governo do PS é cada vez mais fechado sobre si mesmo, sem personalidades de renome, apenas yes men ( ou yes women) , com raras excepções, figuras menores que sobressaiem em alguns Ministérios... Ninguém com craveira profissional elevada aceita ir para um Governo nestas condições de penúria e de gestão exclusivamente financeira de sectores fundamentais para o futuro do país - e por outro lado António Costa, que tem a sua agenda pessoal bem estruturada,  não arrisca ter entre os membros do Governo quem possa levantar a voz. 
Vou ficar por aqui, mas hei-de voltar...









quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A espuma dos dias ( muita espuma...)
1- Ainda a exploração do lítio -  As populações das zonas que serão afectadas pela exploração do lítio continuam a revoltar-se contra a ameaça que as vai prejudicar seriamente, pois a poluição das águas e do ar resultantes dessa exploração serão muito graves. Em Portugal vamos sempre atrás nos processos de exploração dos recursos naturais; já foi assim com a exploração do petróleo em várias zonas do litoral, quando os combustíveis fósseis estão desde há anos no seu plano descendente, e agora com o lítio que segundo a informação internacional, está a perder valor e surgem alternativas ao seu uso. Lá vamos nós mais uma vez insistir atrasados num projecto ultrapassado.  Curioso foi ouvir o iluminado Secretário de Estado da Energia afirmar que se o EIA der negativo para o processo este não prossegue - quem quer acreditar ? Será que já se esqueceram do EIA feito sobre o Aeroporto do Montijo que deu negativo ? Fez-se novo EIA e faziam-se os que fossem necessários até que um saísse favorável ao aeroporto. Esperamos para ver o que vai dar o EIA sobre o lítio, e que excelentes medidas de minimização dos impacteso ser propostas às pessoas que vivem e trabalham naquelas paragens que serão afectadas.
2 - Há mais de 7 meses que não chove no Algarve - Mas para o Ministério do Ambiente, cujo titular é especialista no negócio de águas, está tudo controlado e até ao final do ano não faltará água nas torneiras. E depois do final do ano?  Mais uma situação em que esperamos para ver, e parece que não querem acreditar que  o cenário não sofrerá alterações no futuro senão para pior.  Por mais que os investigadores e cientistas avisem, em todo  mundo, e quando se sabe que o sul da Península Ibérica será uma das regiões mais afectadas, não se viu ainda ninguém equacionar o problema da dessalinização da água do mar, como forma de resolver atempadamente a falta de água, como já acontece nos países mediterrânicos. Temos uma ampla costa, temos sol e vento para fornecerem energia, portanto facilidade de  instalar estações de tratamento da água salgada, antes que seja à pressa e com sacrifícios da população.
3 - A democracia dos Partidos Políticos - As instituições são por regra conservadoras, difíceis de mudar os seus padrões de comportamento. Mas que a Assembleia da República, que é a sede por excelência da nossa democracia, resista a aceitar que entraram deputados isolados de pequenos partidos e resista a dar-lhes tempo de intervenção, é inacreditável. E Partidos da esquerda, ainda por cima !! Claro que um só deputado não pode ter  o mesmo tempo de intervenção que tem um Grupo Parlamentar, mas a resistência imediata e inicial desses Partidos foi uma reacção epidérmica e corporativa que acho devia envergonhar quem a assumiu. 
4 - A Eutanásia - Perante a possibilidade de a eutanásia vir a ser discutida e com probabilidades de obter aprovação, dada a composição da Assembleia da Republica, a Igreja Católica, antes que seja tarde demais, veio logo avisar : legisladores e cidadãos devem ponderar muito bem naquilo em que se vão meter. E  diz logo que há sinais convergentes na sociedade de oposição ao processo da eutanásia. Como foi, fizeram uma  sondagem independente à população ?  Ou contam que metendo medo  os deputados se encolham ? Claro que a Igreja deve poder contar com o PCP, conservador e alérgico a mudanças...













sábado, 9 de novembro de 2019

A espuma dos dias


1 -  E isto é sem maioria absoluta...    
Sem maioria absoluta qualquer Governo faz o que lhe apetece e não dá cavaco a ninguém. Quando falta essa maioria, a democracia funciona...
Não faltava água no Tejo, dizia o MAAC;  tres dias depois o mesmo Ministério vem dizer que afinal não há memória de um caudal tão baixo.
Um simples despacho daria monopólio ao grupo Mota Engil para recolha e tratamento dos resíduos sólidos; graças ao Orlando Borges, à frente da ERSAR, e com o apoio na Justiça, uns dias depois o mesmo Ministro é obrigado a revogar o despacho...
O processo da concessão para a exploração do lítio cheira a esturro, lá isso cheira; mais uma vez a ganância e o querer impor o poder à força sobre as populações está na base da forma atabalhoada (é o mínimo que se pode dizer) em que se retira a concessão a uma empresa e se dá a outra criada especificamente para isso tres dias antes, sem concurso publico...  E temos todo o direito em questionar, porque se duvida da seriedade de todo o  processo,  em que medida serão minimamente acauteladas as condições de protecção do Ambiente e de Conservação da Natureza em regiões ecologicamente tão sensíveis como são aquelas para onde se aponta a exploração. 
Agora imagine-se que existia maioria absoluta...
2 - Miséria moral
Constantemente nos chegam as notícias de corrupção quer de alto gabarito quer daquela mais  rasteira e miserável, em instituições, na classe política  ou autárquica, no sector da saúde, etc.
O caso daquela criança que nasceu profundamente deformada por erro do médico que observou a mãe, tem agora contornos piores ainda. A clínica que fazia as ecografias sem estar autorizada para isso recebia as credenciais do Centro de Saúde sem ter qualquer contracto com o Estado e enviava os documentos para outra clínica que cobrava  o custo dos exames. Tantas parangonas a favor das instituições de saúde privadas e tanto mal dizer do SNS e afinal de vez em quando sabem-se coisas destas ( fora aquelas que não se descobrem...por enquanto).
O actual Bastonário da Ordem dos Médicos que é um dos maiores críticos do SNS, e está sempre a tentar desculpar os problemas dos médicos com a falta de eficiência do serviço público ( a ideologia partidária vem com frequência ao de cima nestas questões) acabou ( vá lá!...) por pedir desculpa aos portugueses pelos erros terríveis cometidos pelo médico que causou o trágico nascimento do bébé mal formado. Tanta eficiência que exige aos outros e só agora é que descobriu a quantidade de processos contra médicos que estavam pendentes ou arquivados na Ordem.
A miséria moral revela-se também no caso daquela mãe a quem foram tirados os filhos  por um parecer criminoso das técnicas da assistência social, que se veio a revelar  falso, e que fez com que as crianças tenham vivido afastadas da mãe todo este tempo. E vai ficar tudo assim, sem outras consequências ?
Agora uma pobre rapariga de 22 anos, sem abrigo, mãe de um bébé dado à luz na rua, sem que ninguém se tivesse apercebido disso,  deitou o recém nascido num caixote de lixo ainda com o cordão umbilical. Nenhum animal "irracional" seria capaz de um acto destes, o que revela bem o estado de demência da rapariga. Mas afinal  os companheiros de rua, e alguns agentes de serviços camarários ou de assistência, sabiam da gravidez dela e não foram capazes de acompanhar com eficiência este caso; o facto de, ao que parece, a rapariga ter recusado apoio, há um limite de liberdade consentâneo com a capacidade intelectual e moral de cada indivíduo, que a sociedade tem o dever de suprir. Tudo isto é miséria moral.   Não posso nem devo armar em moralista mas a democracia exige comportamentos sociais responsáveis e não esta , desculpem o termo, bandalheira .
3 . Lula da Silva libertado 
Não se pode deixar de mencionar esta libertação de Lula da Silva, o que revela - e é mesmo o mais importante - que no Brasil ainda há alguns membros da Justiça que não encaixam no quadro de comprometimento político a que se tem assistido  de há vários anos para cá.  Não quer isto dizer que o ex-Presidente não possa ter culpas, sobretudo, parece mais evidente, o  compadrio que permitiu entre os seus correlegionários que se sentaram à mesa do banquete do Estado. Mas as culpas dele tem que ser provadas, o que  não se pode aceitar  é que Lula tenha sido preso sem provas e que um Juiz tenha declarado na televisão que mesmo que não houvesse provas  havia a sua convicção das culpas do acusado, Que justiça é esta?




terça-feira, 5 de novembro de 2019

Água - uma tragédia anunciada ?
No sul do nosso território continental, quase todo o Alentejo e o Algarve estão em seca extrema; em Outubro a barragem de Odeleite estava com  27% da sua capacidade e a de Odelouca com 22 %. De então para cá praticamente não choveu ainda, caiem umas orvalhadas que refrescam o ambiente e vão aguentando a vegetação estabelecia, mas mesmo assim há muita em stress hídrico evidente. Mas basta cavar  20 cm na terra e é pó que surge.
Os aquíferos estão a esvaziar e noutras regiões do país, se não é ainda  tão grave,  vai ser dentro em pouco. 
Por aqui no Sul seria preciso que chovesse um mês, continuamente e com abundância ( sem provocar excessos que pioravam o cenário por outras razões) para começar a repor os lençóis freáticos em níveis confortáveis.

É certo que o Governo não deve alarmar a população, mas impunha-se, desde há muitos anos, que fossem tomadas medidas de contenção do consumo de água quando se sabe - e os governantes enchem a boca com as parangonas das alterações climáticas e da transição energética - que a nossa Península Ibérica, nas regiões do sul, vai ser indubitavelmente afectada gravemente pela seca e pelos fenó
menos extremos.
E sendo a agricultura o principal consumidor de água, o que é que se tem feito para adaptar as culturas a essas anunciadas alterações do clima? Tem sido experimentadas culturas de ciclo curto, menos exigentes em água, e estudadas variedades melhoradas e resistentes sem ser as que dependem da multinacional Monsanto? As Direcções Regionais de Agricultura, a ver pela do Algarve, deixaram de fazer experimentação agrícola, as estufas e outras instalações estão em ruínas e investigadores e técnicos competentes empurrados para as prateleiras.

Já se ouviu algum responsável ministerial  falar da dessalinização da água do mar ? Eu há anos, desde que conheço o Mediterrâneo, que escrevo sobre essa necessidade; a maior parte da população portuguesa espalha-se ao longo do litoral e depende da água armazenada nas barragens do interior, que será cada vez menos, acreditem ou não os iluminados Ministros . Ora esta deve ficar para a agricultura e para as populações do interior que não tem outra opção de abastecimento.
O preço do m3 de água dessalinizada é hoje, graças aos avanços da tecnologia nomeadamente a osmose inversa,  compatível com o abastecimento urbano em termos de custo. O grande papão que é o consumo de energia fica sem efeito se cada instalação de  tratamento da água salgada tiver a sua próprias energia, pois no litoral não faltam nem  o sol nem o vento - é uma questão de estudar qual a energia mais capaz para cada caso.
Desde que se abandonou a administração dos recursos hídricos  através da gestão autónoma das grandes bacias hidrográficas, como acontecia quando havia autonomia das Administrações de Região Hidrográfica, tudo piorou na gestão dos recursos hídricos a partir do momento em que Passos Coelho aceitou as imposições da Troika mesmo onde ela não devia meter o  nariz - mas os Governos de esquerda não sabem, não querem ou "não podem" reverter essas medidas.Tudo quanto diz respeito ao Ambiente piorou a olhos vistos desde que o Ministério do Ambiente e o Ministério da  Agricultura foram entregues a yess men sem convicções nem conhecimentos para imporem políticas correctas nesses domínios cruciais para o futuro do país.
O problema da água é paradigmático. As televisões mostraram o curso superior em Portugal do rio Tejo com um fio de água, depois de descargas volumosos feitas pelas Espanha, em vez de cumprir o acordado de um caudal ecológico permanente. Todos vimos o Tejo nesse estado. Da imprensa: " Ministro do Ambiente recusa que exista falta de água no Tejo", "O rio Tejo não tem falta de água. Onde existe falta de água de facto é nu afluente do rio Tejo.......que é o rio Pônsul".  Tres dias depois, na imprensa, "gestão que a Espanha fez do caudal do Tejo não é aceitável" O MAAC ( quer dizer Ministério do Ambiente e Acção Climática...) denuncia que nunca  se tinha registado um caudal tão reduzido mesmo em anos  em que se verificaram condições de excepção.  Mais palavras para quê ?
Se não chover com abundância neste e no próximo mês, aqui pelo Sul vai ocorrer trágica falta de água a não ser que o MAAC, que tem sempre "tudo controlado" tenha na manga uma solução milagrosa. É a água potável para as populações urbanas do Alentejo e do Algarve, é a água para a agricultura, mesmo reduzida como está mas em que sobressaiem os citrinos ( e a moda dos abacates, uma cultura mesmo apropriada para esta  crise da água)e para os indispensáveis campos de golfe que em anos de escassez já tem tido prioridade sobre o abastecimento publico. O Alqueva dá para tudo? durante quantos anos ?  Ou, podendo parecer alarmista,  estaremos perante uma tragédia anunciada que ninguém quer enfrentar de caras ?