O chico espertismo e a falta de escrúpulos não são só portugueses
Tenho escapado a falar da pandemia e dos seus fenómenos adjacentes, da má língua e dos ataques políticos oportunistas só para fazer oposição ou porque dependem disso para sobreviver...
Mas hoje tenho de deixar algumas reflexões para memória futura.
Já se sabe que em altura de caos e de tragédias vem sempre ao de cima o chico espertismo que José Gil aponta para os portugueses. Ainda perdura na memória, depois dos incêndios de 2017 quando veio o dinheiro para reconstruir casas, a comunicação social revelar como disso se aproveitaram pessoas que não tinham prioridade e até autarcas ainda andam com processos às costas, quando havia pessoas sem casa e continuavam sem ter direito às ajudas.
Era inevitável que com esta crise da pandemia e com a esperança de voltar a normalidade com as vacinas, que começasse a luta e os negócios por baixo da mesa. E já saíram cá para fora notícias - e deve ser uma pequena amostra ...- de quem se vacina antes de pessoas prioritárias, como presidentes de autarquia só porque são também os presidentes de lares - pronto, vão na onda dos primeiros vacinados; tanta coisa para que os bombeiros estejam entre os prioritários a ser vacinados, e percebe-se por serem aqueles que pegam diariamente nos doentes para os transportar - lá vêm as notícias de estarem a ser vacinados funcionários administrativos dos bombeiros. para aproveitarem a onda...
A prioridade foi dada aos profissionais de saúde - mas há quem conteste, devia ter-se começado pelos mais velhos de 80 anos,.. Mas eu, com mais de 80 anos, sou dos que acham que, se os médicos e enfermeiros não estiverem em boas condições, não conseguem tratar os velhos, e parece evidente que se devia ter começado por eles.
Entre os médicos e especialistas também há sempre grandes divisões e compreende-se que assim seja dadas as incertezas que a pandemia arrasta consigo; mas há médicos que se aproveitam politicamente dessas incertezas e o Bastonário da Ordem dos Médicos é um dos mais flagrantes, até um leigo como eu percebe. Primeiro só aparecia na Tv ao lado do outro médico do SIM, sempre a falarem mal das opções politicas, porque serão ambos da direita declaradamente- ora o sindicato pode ser de que lado quiser, o Bastonário é que deve ser de todos. Era raro ver-se o Bastonário aparecer ao lado da outra organização sindical de médicos. Depois abrandou essas aparições em conjunto, começaram alguns médicos a manifestar-se contra. Ainda ontem um conceituado médico, Rosalvo Almeida, acusava o Bastonário de estar a fazer o papel de sindicalista, que não lhe compete.
Cada opção que o Governo e a DGS tomam (e esta tem por trás dela equipas de médicos e especialistas a fornecerem informações tal como as que vêm da UE ) surgem logo líderes partidários e alguns médicos e outros especialistas com opiniões contrárias. É bom que não se esqueça que estes que dão estas opiniões contrárias, se fossem essas que vingassem e fossem as assumidas, do outro lado sairiam as opiniões contestatárias dos que agora são contestados - ou não?
Terá havido zig zags das decisões do Governo ( e eu até sou dos que desde há muito critico esta governação por diversas razões, sobretudo da falta de políticas de fundo que têm a ver com a perenidade do território e do povo); mas os abencerragens da baixa política, que pensam que só assim conseguem singrar, acabam por estupidamente não perceber que a evolução da pandemia e das informações e contra-informações que chegam de todos os cantos do mundo, terão como consequência uma grande falta de certeza e que, por isso, se trata mesmo de navegar à vista alterando as medidas consoante cada novo facto.
E que, como todos os políticos dizem ( mesmo aquele que não acreditam nisso) os portugueses não são estúpidos, a verdade é que, tirando os cegos ideológicos e/ou enfeudados aos partidos, de todos os quadrantes em especial da direita, claro, (exemplos Paulo Rangel, o menino birrento Nuno Melo, os ideólogos Cotrim e Mayan a tentar remar contra a maré,,,) continuam a dar mais de 35% de apoio ao PS ... Depois deste cenário de pandemia e medo, quase caos, é preciso ser inconsciente para tentar aproveitar as falhas - quem a não tem num quadro destes ?
Mas os lados baixos da política e o aproveitamento das fraquezas das sociedades nesta fase de caos mundial, é já evidente com as grandes empresas produtoras de vacinas - o negócio astronómico da industria farmacêutica neste mundo de cinismo e de total falta de solidariedade, um mundo mercantilista, liberal e vergonhoso. Vergonhoso.
Os contractos feitos pela UE com as farmacêuticas para a entrega de vacinas, tem sido das poucas atitudes positivas que a Europa assumiu, em defesa da solidariedade geral entre os europeus. Mas já começam as fugas aos compromissos, o tal chico espertismo que afinal é mais difundido do que se poderia pensar... Há países a comprarem à socapa as vacinas directamente aos fabricantes e a ocuparem posições antecipadas à UE; a Pfizer ainda alega um pequeno atraso por dificuldades na capacidade de produção, mas procura, tanto quanto se pode ajuizar, cumprir - pelo menos até que se prove que está a vender para lá daquilo que contratou com a UE. Agora a britânica AstraZeneca é mais que evidente que está a fazer o jogo duplo e a UE ainda não o disse claramente (mas já deu um toque) que pode estar a desviar a entrega de vacinas prioritariamente para o Reino Unido - que, como sempre ao longo da história. e agora depois do Brexit, puxa sempre primeiro para si - e ainda não fez a interiorização de que já não tem o Império Britânico a dar-lhe força, custa a engolir...
A pandemia ainda não foi entendida pela maioria das pessoas e nem sequer pelos políticos responsáveis, com um aviso da Natureza ao descalabro do uso e abuso dos recursos da Biosfera, numa escala que nunca terá sido enfrentada antes pela Terra. E virão outras pandemias e epizootias.
As últimas décadas de liberalismo económico-financeiro têm conduzido ao descalabro dos recursos naturais - e as alterações climáticas ( em que muita gente fala só por falar e para parecer que estão actualizadas) ameaçam seriamente o equilíbrio climácico que conhecemos até hoje; outro equilíbrio se construirá indiferente ao que o homem pensa, mas aquilo que o homem faz pode, isso sim, agravar a regressão da Vida tal qual a conhecemos ou pelo contrário, se vencer o instinto de sobrevivência e anti suicídio colectivo, travar o declive para o abismo.
O mundo - e já desde há muito que não é só o Ocidente mas também a Índia, a China e os emergentes de todos os continentes- tem que entender que a economia de mercado desregulado. financista, especulativo, que de liberal (abusivamente usando este nome) passou a libertino, tem de dar lugar a uma governação até aqui considerada de utópica e irrealista - mas que a História, em vez de ter terminado como queriam os autodesignados "liberais", nos continua a ensinar - uma governação de solidariedade colectiva mundial mas onde todas as liberdades ( menos as do egoísmo) e a criatividade tenham plena vivência.
Temos de dar mais tempo a Gaia para acalmar as suas fúrias justificadas .