Em louvor da
dieta mediterrânica
Qualquer dieta de um povo ou de uma região tem
sempre o seu suporte na ecologia própria da área em que se desenvolve.
Fala-se muito da
dieta mediterrânica que se tornou
famosa a partir dos estudos do
médico norte americano Ancel Keys, que no século passado estudou
as relações da alimentação com a saúde em vários países do mundo. E constatou
que a percentagem de mortes por acidentes cardiovasculares na Finlândia andava
pelos 80% enquanto na ilha de Creta era de 4%. Chegou à conclusão que era do
regime alimentar seguido e dos benefícios dessa alimentação.
O Mediterrâneo, o Mare Nostrum dos romanos, é uma região privilegiada em termos de Ecologia e em termos de Humanidade.
Esse mar formara-se, tal como outros mares da região, como resultado do desaparecimento do primitivo
Mar de Tetis.
Durante o período Paleoceno ( 67 MA)
assistiu-se a uma grande regressão marinha e a um aquecimento geral.
No final do
Eocemo, o Mediterrâneo era um grande lago salgado, sujeito a forte evaporação e quase a extinguir-se. Temperaturas elevadas criaram em toda a bacia
mediterrânica um ambiente tropical e subtropical.
Até que há 53 milhões de anos uma forte actividade
tectónica afastou as placas euroasiática e africana, rompendo-se o estreito de
Gibraltar, e dando lugar ao enchimento do Mediterrâneo.
Há uns
100.000 anos iniciou-se um tempo de progressivo
e forte arrefecimento que teve o seu auge na última glaciação de Wurm cerca de
20.000 anos aC. dando lugar também a grande e progressiva transformação da vegetação e da fauna
tropicais, empurradas para sul do Mediterrâneo.
Desta era tropical ficaram por cá algumas
relíquias como a alfarrobeira, o loureiro, a palmeira do Algarve ( única
palmeira da Europa), o macaco de Gibraltar e a flora da Macaronésica.
Na Macaronésia encontramos a floresta da
Laurissilva dominada pelas lauráceas e outras espécies tropicais e subtropicais , que se espalham pela Madeira, Açores , Canárias e Cabo Verde.
Durante a era mais fria
desenvolveram-se entretanto florestas de coníferas de que restam na bacia
mediterrânica os géneros Cedrus, Pinus e
Cupressus, e mais tarde foram dando lugar a espécies folhosas
caducifólias e a seguir perenifólias e esclerófitas.
O clima foi acentuando as suas características de
aridez e deu origem à formação de estepes
em especial em todo o Mediterrâneo oriental e norte de África. Isto foi
particularmente nítido entre 11000 e 10 000 aC, conduzindo ao início da
desertificação em toda a região do Sahara.
Mas foi a instalação da estepes que afinal
possibilitou a evolução cultural dos seres humanos, com o início da
agricultura.
Com a progressiva humanização, também ocorreu a
progressiva destruição das florestas , já de si de lento crescimento, dando
origem aos matagais mediterrânicos.
Formações de florestas e de matagais estenderam-se
por toda a orla do Mare Nostrum, e
até nós, no barrocal algarvio e na serra
da Arrábida, chegou a aliança Oleo-Ceratonion,
cujas espécies dominantes são o zambujeiro e a
alfarrobeira.
O deserto no Sahara instalou-se definitivamente
pelos 7000 aC e ainda se pode fotografar o último ramo verde do ultimo cipreste vivo no Tassili N’Ager, com mais de 7000 anos ; os povos que abandonaram
o Sahara em direcção ao vale do Nilo, gravaram numa laje uma vaca com uma
lágrima nos olhos – sinal do desespero e sofrimento que aqueles povos sentiam
ao ver morrer o gado com fome e sede e também da capacidade artística do ser
humano desde os seus primórdios, ser humano que sabe transmitir sentimentos através da arte.
Nas estepes cresciam leguminosas e gramíneas que o
homem descobriu poderem ser comidas e
poderem ser semeadas em maiores quantidades ; foi a primeira agricultura e o
romper do Neolítico.
Começaram por ser semeadas algumas leguminosas
como a lentilha e o grão de bico ( a Bíblia fala no prato de lentilhas) e diversos cereais selvagens como aveia, cevada
e trigo… Dieta completada com carne de caprinos, ovinos, suínos e alguma caça .
E peixe consumido em fresco ou conservado pelo sal.
Ainda hoje se consegue delimitar a área de distribuição dos trigos
selvagens. O trigo espelta , por exemplo, é ainda hoje apreciado pelos gourmets vegetarianos
A grande
espécie ícone do Mediterrâneo é a oliveira, que foi obtida a partir
de variedades da oliveira brava. Por exemplo na Madeira existe uma espécie de oliveira selvagem
diferente do nosso zambujeiro (Olea
europea var.sylvestris), que é a Olea
maderensis.
A cultura da oliveira é muito antiga quer para
consumo do fruto quer como produtora de óleo, como atesta a descoberta em
Jericó de ânforas de azeite datadas de
6000 aC. Os povos do Mediterrâneo oriental espalharam depois as variedades
cultivadas por toda a Europa do sul e
Norte de África-
A
intervenção nos ecossistemas naturais fez-se pelo pastoreio e pelo fogo, originando paisagens características e até dando lugar a adaptações de muitas
plantas aos ciclos dos fogos.
A outra espécie que marca a imagem da região
mediterrânica é a videira – a espécie Vitis
vinifera ou videira europeia, susceptível de centenas de variedades ou castas
obtidas com o seu cultivo, primeiro como planta produtora de frutos, depois
pela sua utilização para vinho.
A composição das paisagens mediterrânicas do sul
da Europa manteve-se dentro de parâmetros conhecidos ao longo dos séculos :
campos de cultura cerealífera. compartimentação com árvores de fruta e
certamente oliveiras, e vinhas em linhas pelas curvas de nível. As Geórgicas de
Virgílio continuaram a ser ao longo da Idade Média o tratado de agronomia mais seguido.
Nas
povoações eram frequentes os hortos ou jardins murados.
Assim nasceu a trilogia alimentar mediterrânica,
lançada por Braudel : pão, azeite, vinho. E
como complemento dos produtos agrícolas vieram a caça e a criação de gado miúdo, além da pesca de
espécies marinhas muito valiosas em
nutrientes.
A dieta mediterrânica é pois famosa pela qualidade
dos alimentos que a compõem e tornou-se uma moda, se bem que muita gente fala
dela sem saber exactamente de que está a falar.
O seu valor
como base da alimentação vem de os alimentos da serem ricos em :
- anti-oxidantes que ajudam a prevenir a formação de
radicais livres nas células , ácidos
gordos ,Omega 3 e vitaminas C e E
-anti-coagulantes , como a vitamina K existente nas cerejas, uvas, mel, vinho e frutos secos.
Para concluir digamos alguma coisa sobre qualidade
de vida.
A qualidade de vida que foi um dos leit motive de Gonçalo Ribeiro Telles, não
depende apenas da alimentação, que é sem dúvida fundamental, mas também do estilo
de vida, combatendo a vida sedentária que a cidade muitas vezes promove, mas que tem que ser contrariado pela qualidade da paisagem urbana, onde a
Natureza tem de estar presente e a estrutura verde é tão importante como as outras
infraestruturas urbanas. Este foi e é um dos grande combates de Gonçalo Ribeiro
Telles e de todos quantos o seguem !!
Percebemos assim ,creio eu, que a
nossa famosa dieta mediterrânica foi resultado da evolução das condições
ecológicas desta grande região, berço de
civilizações desde a mais remota Antiguidade , mas também devemos concluir que
a cidade mediterrânica sempre contribuiu para completar os benefícios
que os produtos da Natureza nos concedem.