domingo, 28 de maio de 2023

 

A Agricultura no Ordenamento do Território


Pela nossa formação académica – dirijo-me aos arquitectos paisagistas -  , um dos aspectos a que sempre se deu a maior importância foi o do lugar da agricultura, bem como das pastagens e das matas e florestas no ordenamento do território.

Vem desde a Antiguidade esta importância: os gregos no ordenamento da polis, a cidade-região auto suficiente, consideravam  chora (  campos cultivados),  eschatia ( pastagens) e asty ( área urbana que incluía a acrópole) já que as florestas tinham pouca relevância  na Grécia ; e chegou até nós o direito romano que, no seguimento da herança grega, considerava a conhecida trilogia ager- saltus - silva- e depois o paul.

 Aproveito para  lembrar que o Ordenamento do Território foi lançado em Portugal pelos arquitectos paisagistas   Faz parte da nossa formação, em todo o Mundo, aquilo a que chamávamos e praticávamos como ordenamento paisagístico; e foi quando o Arqº Gonçalo Ribeiro Telles esteve como  Secretário de Estado do Ambiente, em 1976, que se deixou de usar  essa designação de ordenamento paisagístico para ordenamento do território, com a intenção de dar ao conceito um âmbito pluridisciplinar e interprofissional.

O ager é a peça  fundamental para a vida das populações e só por si determina muito da história de cada povo ou nação, já que se dirige ao mais essencial, a alimentação, a sobrevivência. Historicamente quando um território não tem espaço agrícola suficiente para sustentar a população que nele vive, obriga essa população à conquista de outros espaços. Foi o que fez Castela em relação com a Península Ibérica. A Grécia, pela penúria de solos e pelo relevo acidentado que ali domina, foi obrigada a procurar nas colónias essa subsistência e o litoral da Líbia  que visitei demoradamente ( a Cirenaica e a Tripolitana,) foram, o seu celeiro.

Esta importância da agricultura no contexto de cada país perdurou ao longo dos últimos  séculos – refiro-me em especial  ao ocidente europeu.

Na  idade contemporânea, na era Industrial, desfez-se  a tradicional relação cidade-campo que foi perdurando desde a Antiguidade, sobretudo nos países meridionais onde as duas realidades se completavam e até se interpenetravam fisicamente.

Nós sabemos, no caso português, como a ruralidade e o mar foram a base da portugalidade, até esta se começar a desagregar. E quando o Jacinto, da “Cidade e as Serras” descobriu com assombro para a sua urbanidade requintada, os encantos do arroz de favas e do vinho tinto em caneca de barro, feitos na aldeia, é o Eça de Queiroz a dar-nos conta de como essa interpenetração dos dois mundos já nessa altura se começava a deteriorar.

O nosso erro enquanto país e enquanto as governações que temos sobretudo nas últimas décadas foi ter -se desprezado  a capacidade produtiva dos nossos campos, por não se ter resistido às pressões mercantilistas e de aproveitamento de subsídios para deixar de lado a nossa capacidade produtiva, permitindo um desordenamento do território  lançado  aos  desvarios da especulação fundiária. 

Apenas as grandes explorações de carácter industrial passaram a merecer apoios, na mira produtivista duma agricultura industrial que deixou de lado milhares de pequenos e médios agricultores, de norte a sul. Como escreveu o Prof. António Covas, (para os que o não conhecem ele não é paisagista, mas Prof. Catedrático de Econonia), “o erro foi considerar a agricultura uma indústria”. E hoje estamos a importar para comer muito daquilo que podia ser produzido cá.

Se com o Ordenamento do Território se pretende que a cada parcela do território seja atribuída uma função de acordo com as características de cada espaço, a primeira obrigação de uma análise qualitativa do espaço biofísico é  determinar a aptidão de cada um desses espaços. A noção de aptidão é fundamental para um ordenamento equilibrado do território se considerarmos que este é um instrumento apoiado cientificamente para possibilitar a boa governação do espaço nacional. Aptidão agrícola, aptidão florestal, aptidão para o recreio, aptidão para exploração mineira ou de inertes, etc

Quando falamos de aptidão agrícola referimo-nos à capacidade de uma dada parcela do espaço biofísico para produzir em agricultura em termos de rentabilidade, e ela tem a ver com os solos, a disponibilidade em água, relevo e geologia, e o clima ( que pode ser o mesmo para bons ou maus solos).

O adequado reconhecimento da agricultura no contexto do ordenamento pressupõe uma política agrícola que entenda a relação ecossistémica da exploração dos solos com o equilíbrio da Natureza em sentido global.

A agricultura foi o principal agente de transformação da paisagem e dos solos, obrigando a uma mais funda intervenção que, por exemplo, o pastoreio.

Daí que agricultura e pastagem devam ser considerados os principais factores da construção das paisagens, embora o sector florestal também deva ser encarado como parte da solução para o equilíbrio dos sistemas agrários.

O crescente aumento da população mundial obriga a uma produção cada vez maior de alimentos a partir da terra; a estimativa oficial atira para 9 biliões de pessoas em 2050.

Perante este cenário o que mais apetece afirmar é que é preciso intensificar a agricultura, como se tudo dependesse de colocar mais adubos químicos e pesticidas a baixo preço nos mercados, partindo do princípio que o suporte, o meio dessa intensificação – o solo-  aguentaria todos os excessos .

Essa ilusão custou caro a muitas regiões e países, e se o Sahael é um exemplo, tão mau como isso foi o sucedido à volta do mar de Aral, no Uzbequistão, onde mete dó ver a tragédia que ali teve lugar. Realmente os solos, depois de envenenados ou exauridos, não recuperam senão ao fim de muitos séculos.

Hoje não restam dúvidas: trabalhos  de várias procedências nomeadamente alguns  publicados pelo CNRS em França,  revelam que a agricultura industrial intensiva atingiu o seu máximo de produtividade em meados do século XX; os rendimentos que antes aumentavam a cada década, estagnaram e em muitos casos já começaram a regredir

Ora o capital-sobrevivência é o solo; à agricultura industrial intensiva terá de se opor uma agricultura intensiva ecossistémica. Esta pressupõe um uso muito controlado de alguma adubação química, mas sobretudo o recurso a outras medidas, sejam as leguminosas, micorrisas, vermicultura, activação microbiana do solo e diversas tecnologias que não é aqui o local indicado para explanar.

Hoje em dia põem-se em confronto cada vez com maior acuidade a agricultura industrializada intensiva e a agricultura ecológica intensiva.É assunto que merece certamente um Seminário a ele dedicado.

Uma  certeza existe :   é indispensável rever os métodos de intensificação da agrocultura - as culturas agrícolas, a criação de gado e as matas.

E para caminharmos para uma agricultura ecossistémica temos de ter um ordenamento do território que dê a devida importância à defesa dos sistemas ecológicos vitais para o equilíbrio do espaço físico em termos biológicos.

Para uma agricultura compatível com o ambiente será necessário procurar culturas que se aproximem do climax ou o máximo de equilíbrio do meio, será necessária uma estrutura da paisagem que contribua para aumentar a biodiversidade que é condição indispensável parta essa aproximação paraclimácica .

Para dispensar ou pelo menos reduzir os tratamentos fitosanitários químicos será preciso aumentar a imunidade natural das culturas,  através da sua diversidade genética e  específica, manter a cobertura permanente do solo  e a capacidade de competição entre as culturas, eliminar os resíduos tóxicos, etc

A própria mobilização do solo tem de ser feita de acordo com a textura dos terrenos, evitando as grandes mobilizações que foram, durante décadas, propagandeadas pela indústria das máquinas agrícolas.

 A este propósito recordo que já nos anos 50 do século passado o Prof Manuel Gomes Guerreiro propunha a mobilização mínima do solo, evitando que as camadas profundas inertes fossem trazidas á superfície, enterrando as camadas superficiais que são as verdadeiramente produtivas.

Nessa altura, como recordou o Prof. Ário de Azevedo, ele foi atacado por ter propostas daquelas que iam contra a agro-indústria dominante; pois 50 anos depois foi realizado um Doutoramento em que se concluía que a mobilização mínima do solo deve ser a prática adequada na maioria dos nossos solos de pouca profundidade, dando razão ao velho Mestre –  mas por serem solos menos profundos não são inaptos para a produção, têm é que ser trabalhados e auxiliados correctamente.

Os solos agrícolas não são apenas os da classe A e B, excluindo os outros. Há solos classificados como C que são altamente produtivos, só por terem por exemplo pedra solta a mais não são  qualificados.

A crise actual vem demonstrar que um pais sem agricultura está votado a maiores dificuldades de sobrevivência tendo de angariar o que precisa para subsistir.

Parece que começa agora a ser consensual que é preciso voltarmos á agricultura depois de  em  décadas recentes  ter-se forçado o abandono das explorações  a troco de subsídios, retirou-se dignidade e o apoio agricultores onde só os grandes agrários teriam direito a continuar, desmantelaram-se ( nunca me cansarei de denunciar) os Serviços de Extensão Rural porque o Estado deixou de ser  parte activa no incremento das actividades agrícolas – e hoje se queremos atrair gente nova para o sector da produção agrícola  não há serviços técnicos de campo capazes de darem esse apoio.

O ordenamento do território tem de saber reequilibrar os ecossistemas naturais ou paraclimácicos com a produção agrícola e o pastoreio, pelo que instrumentos como a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional são fundamentais. No entanto não é o que está a acontecer actualmente.

Com uma nítida subalternização da politica de Ambiente e a desvalorização da importância da REN está a dar-se oportunidades aos especuladores de terrenos e a técnicos produtivistas e  oportunistas, e algumas autarquias ávidas de construção seja lá onde for. Quando por todo o Mundo, e muito especialmente na Europa, se começa a dar cada vez maior relevância a práticas agrícolas conducentes ao equilíbrio com os ecossistemas naturais, para onde apontam as novas medidas da PAC,  em Portugal, reagimos ao contrário. `Para mim são os estertores de uma sociedade arreigada a um status quo   que não quer perder os seus privilégios.

O OT deve incorporar todas as preocupações com o ambiente e com uma agricultura ecologicamente apoiada, integrando, melhorando ou recriando os ecossistemas naturais  que fornecem contribuem para a salubridade ambiental e suportam o equilíbrio do território. Separar o OT do Ambiente é criar o paraíso para o descalabro biofísico do nosso país.

E quase ninguém protesta

 

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