Há quase um mês que não escrevo uma linha no blogue, vida agitada e problemas de saúde, mas vamos andando, Vou agora recomeçar este depósito de memórias, eu escrevo isto para mim mesmo, mas se alguém ler não afecta aquilo que pretendo escrever.
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Coisas a repensar
Andou toda a comunicação social envolvida nos disparates que Marcelo Rebelo de Sousa, que até é o nosso Presidente da Republica, tem andado por aí a dizer. O mais sério é sobre eventuais compensações às antigas colónias por danos ou outros malefícios que tenhamos cometido enquanto potência colonial.
Que fique bem claro, eu sou anti-colonialista, sou o mais ferrenho anti-escravatura -mas as coisas têm que ser esclarecidas sem extremismos nem excessos de nacionalismo ou, pelo contrário, sem excesso de aceitar culpas. O colonialismo foi um período histórico para Portugal e os outros países europeus, não cometemos mais atrocidades que todos os outros, então os espanhóis fizeram grandes barbaridades - só que todos esses países descolonizaram em pleno século XX e nós, não. E no entanto demos o exemplo no século XIX com a independência do Brasil.
O lado criminoso do nosso colonialismo surge com Salazar e as suas "províncias ultramarinas", negando o direito às colónias à sua independência - uma saloiíce estúpida e atrasada que só podia ter vindo duma mentalidade congelada no tempo como era a do ditador português. E tantos milhares, como eu, batemos com as costas em África numa guerra sem qualquer justificação- e tantos morreram por isso sem saberem porquê..
Colonos e colonizados existem desde que o homem é homem em sociedade; para falar só do chamado Ocidente, nos nossos inícios de Grécia e Roma ambas tiveram colónias e ocuparam territórios de outros povos, antes deles os fenícios fizeram o mesmo. Historicamente foi um processo de expansão dos povos - e com a abertura de ideias dada pelo Renascimento os portugueses iniciaram as suas navegações e, é verdade, deram "novos mundos ao mundo", sem qualquer carácter pejorativo. Graças aos avanços científicos e tecnológicos conseguimos ir a terras e povos que, claro, já existiam mas de que o mundo ocidental de então não tinha cabal conhecimento, "descobrimos" porque fomos até lá - não foram eles, esses povos africanos e asiáticos, que vieram até cá. Não se pode hoje negar o que foi essa epopeia tantos séculos atrás.
O que nós devemos comemorar não são tanto os "descobrimentos" em si , foram antes as nossas navegações, o nosso contributo para se navegar para lá da "costa à vista" ; e não fomos só para África e Ásia, fomos para as Américas, pouco se fala das nossas idas ( sem sucesso de retorno, é verdade) para o Canadá.
Temos de repetir o aforismo de que não se pode julgar a História com os olhos de hoje, o que era natural e aceitável deixou de ser - verdade de La Palice, não ?
A escravatura foi uma prática mundial e aceite pelas regras de todos os povos e países, Karl Marx estudou-a e coloca-a como uma fase do desenvolvimento da economia. Todos os povos e todas as religiões conviveram e praticaram a escravatura, muito antes da nossa herança grega e romana - chineses e japoneses, Istão, Cristianismo e animistas, todos aceitaram e negociaram a escravatura.
Vou contar a minha experiência : certa vez estava na ilha de Gorea, em frente a Dakar, no Museu da Escravatura, apenas dois portugueses - eu e minha mulher- num grupo de franceses; o cicerone falava dos escravos e apenas nomeava os portugueses. No fim pedi a palavra e no meu francês arrevesado, disse-lhe que ali no salão estava um painel com os nomes dos principais negreiros que iam à ilha, eram ingleses, holandeses, franceses e nenhum nome português. E havia outro painel com os nomes das principais figuras históricas que visitaram a ilha e ...eram só portugueses, desde Pedro Álvares Cabral ate á Dª. Maria quando vinha do Brasil para ser rainha em Portugal. Atrapalhado o homem disse que os portugueses era pequenos negociantes e não ficou nenhum nome em especial, mas por outro lado só alguns portugueses que ficaram na História é que se abeiravam daquela ilha.
Então eu saí-me com uma que deixou o pessoal todo estupefacto, quando lhe disse: as caravelas portuguesas que chegavam às praias para embarcar escravos, não desembarcavam tropas que invadissem o território e arrebanhassem os escravos, nada disso - eram os chefes das aldeias que os traziam acorrentados e os vendiam aos negreiros. Nunca vi até hoje nenhum chefe ou político africano pedir desculpa aos seus povos por terem vendido os seus irmãos, séculos atrás. O homem ficou embatucado e nem respondeu. Claro que também houve algumas investidas terra dentro mais tarde quando já dominávamos as colónias, e fizemos escravos; claro que nós fomos grandes traficantes, levámos milhares de seres humanos para as Américas, mas era a prática histórica, os holandeses fizeram o mesmo atrás de nós, os espanhóis ainda pior,
Mas os gregos e os romanos pedem desculpa por, na sua altura própria. terem feito escravos? Os muçulmanos alguma vez pediram desculpa pela escravatura que praticaram durante séculos até quase aos nossos dias ?
O espólio cultural que existe por cá, possivelmente algum dele, ao longo dos séculos, foi trazido muito dele sem compra ou comprado ao desbarato. Eu estive em Angola na guerra colonial, não se roubavam obras de arte, como as esculturas, aos seus proprietários ou artesãos , eram comprados. Isto não exclui que tenha havido abusos - talvez seja possível em alguns casos apurar a verdade.
Mas nestes 50 anos desde a independência das antigas colónias nunca houve da parte de qualquer delas, mesmo quando tinham governos declaradamente comunistas, qualquer reivindicação, e as relações dos povos connosco sempre foram as melhores - e isto apesar da estúpida guerra que travámos durante tantos anos. Estiveram cá este ano de 2024 os Presidentes das antigas colónias a festejar o 25 de Abril e nenhum deles se referiu minimamente a qualquer reclamação.
Eu andei alguns anos em trabalho pela Guiné e sempre fui recebido como amigo pelas pessoas e pelos chefes das aldeias, os administradores dos Concelhos faziam uma festa quando eu os ia cumprimentar. Nunca senti a mínima animosidade e sei de tantos técnicos e cientistas que passaram anos e anos por lá nas melhores das disposições de quem os recebia e ainda recebe. E S.Tome e Cabo Verde são realidades diferentes das outras colónias.
Por isso foi extemporâneo que o Marcelo tivesse vindo falar no assunto e nesta altura; claro que propor uma política de facilidade de vistos ou até abolição em alguns casos, o apoio a programas internacionais de ajuda económica, é uma coisa, mas falar em reparação da forma em que ele falou foi um mero golpe de (mau) teatro para parecer progressista - coisa que ele não é. Pronto!
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