quarta-feira, 12 de novembro de 2025


Reflexões sobre  nós e os deuses

Vou passar  a escrito algumas reflecções  que me acompanham há um ror de anos, a propósito do deus ou deuses que se impõem aos seres humanos, de tal maneira que disso resultam por exemplo as reuniões em Fátima, onde vão  agradecer curas de maleitas ou pedir esse milagre para padecimentos e situações graves das suas vidas, percorrendo dezenas de quilómetros ao sol ou à chuva e depois rastejando no Santuário, numa total entrega dos seus corpos  ao sofrimento.
É uma coisa que sempre me fez grande confusão, mesmo quando ainda não tinha firmes as minhas ideias  e convicções a esse respeito: eu não compreendo como é que a inteligência das pessoas soçobra perante algumas emoções  a ponto de não lhes ser revelado que não faz sentido aquele sacrifício.
Claro que o sacrifício aos deuses é tão antigo como o próprio homem, desde que ele teve consciência do meio que o  rodeava, mas cada   religião troça ou desaprova os sacrifícios feitos pelas  outras religiões.
Eu tenho o maior respeito pelas pessoas que, com tanta convicção, acham que a fé move montanhas e que fazendo caminhadas em sofrimento durante vários dias ou prostrando os corpos em posições dolorosas,  podem curar as doenças ou ver perdoados os seus pecados.
Porque não entendo e não sou capaz de o fazer,  tenho respeito  por essas pessoas como tenho por todos quantos fazem coisas que eu não faço nem serei capaz de fazer - limitações minhas, admito,  mas o meu cérebro põe-se a trabalhar e não encontra motivação, como tenho inveja de quem sabe tocar bem piano ou falar sete ou mais línguas, ou fazer cálculos de astrofísica  que eu não sou capaz.
Mas os sacrifícios fazem-me muita confusão -  que deus é este que precisa do sofrimento  das pessoas para mostrar a sua magnanimidade?

Para mim os sacrifícios inúteis não tem explicação nem justificação; percebo que o sacrifício de subir uma montanha para admirar uma bela paisagem que nos encanta é compensado pelo prazer que se tem ao  ficar extasiado pela beleza; percebo o sacrifício que se faz trabalhando mais  para ter meios  de proporcionar forma de os filhos estudarem, ou para ter algo que  assegure uma velhice mais confortável - mas já não aceito que esse sacrifício seja justificado pela simples vontade de ser rico, de ter muito poder que a fortuna possa trazer, porque quando  a pessoa morre deixa cá tudo...
Por outro lad0 qual é   a utilidade para o planeta em que habitamos do sacrifício dos eremitas isolados em grutas, à espera que alguém lhes leve o alimento - em que contribuíram para esse alimento?
Mas sacrifícios para pedir a cura de uma doença - ou a medicina a cura ou não acontece nada; se as curas milagrosas acontecem sem medicamentos ou intervenção cirúrgica é porque aconteceriam sempre, por reacção do próprio corpo ou, em certos casos, por pressão psicológica do doente.
Todos os dias nos hospitais são curados doentes que antes pareciam não terem  cura e  não se consideram  milagres, enquanto  outros com a mesma doença morrem; e quantos dos que vão a pé  até um santuário não são curados?  São contabilizados como milagres que falharam?
Quanto mais velho vou ficando mais me convenço de que a doença  e a morte fazem parte do ciclo a vida, como as plantas do nosso jardim que morrem sem aparente explicação ou os animais, domésticos ou selvagens,  que morrem por incapacidades fisiológicas - quando um órgão vital é afectado drasticamente  deixa de funcionar, a vida extingue-se...
Diminuir o sofrimento, acalmar as dores provocadas por uma doença,  reduzir as dificuldades da senilidade, está certo, é correcto, é um acto compatível com a inteligência humana; mas esperar que, depois da morte se vai para outro lugar que não seja o sepulcro, para uns reviver em espírito, para outros  reencarnar, é mesmo uma maneira de tentar criar  a esperança para quem não quer aceitar  que a vida  acaba mesmo,  para quem tem medo do desconhecido e do mistério  que, em certa medida, é a cessação dos fenómenos vitais, para quem não quer aceitar que o corpo se dissolve na terra ( ou é incinerado) - e com isso se dissolve a vida.

Cada vez se vão conhecendo melhor os mecanismos do funcionamento do cérebro e do código genético, onde se processam operações que ainda há  umas décadas atrás apenas seriam atribuídas ao "espirito". Cada ano que passa vê descobrirem-se novas particularidades do código genético que controlam os actos essenciais da vida "espiritual"- o que é surpreendente é que a inteligência do homem, resultante de uma evolução biológica, tenha chegado onde está a chegar, tenha já alcançado este apuro!
Quando nos Primatas já se denota um grande avanço em termos psicológicos, por vezes  quase "humanos", quando se sabe que outras estirpes do género Homo como Cro-Magon, Neanderthal, etc., já tinham comportamentos espirituais, o que é realmente de assinalar  é que a continuada evolução tenha originado a complexidade genética e neurológica capaz de engendrar o "espírito" do homem actual.
Quem vê as pinturas e gravuras do Tassili N'Ager percebe que aqueles homens, ao verificarem que o clima mudara, sem perceberem porquê, que os pastos secavam e não voltavam a reverdecer, que o gado morria de fome e de sede, gravaram as vacas com lágrimas nos olhos - eram as próprias lágrimas dos homens. A sensibilidade que estes homens tinham há 7000 anos aC era já a sensibilidade do homem de hoje e a sua expressão artística, simplificada nas formas, guardando só o "essencial", aquilo   que podia, por si, representar o fundamental, era já uma arte tão sofisticada como a arte  de hoje.
A indefinição daquilo  que acontecia, que o mistério e o terror ou grande surpresa  dos fenómenos  atmosféricos, dos vulcões e tremores de terra  deixava os homens perplexos, cheios de medo,  explica a necessidade  de atribuir a forças  não naturais, não visíveis - portanto divinas -  a origem de tudo o que acontecia e por isso tinham de ser adoradas para as acalmarem.
Sumérios,  chineses, indianos, egípcios e por aí fora, criaram religiões.
As religiões sustentaram todas as crenças , logo exploradas por aqueles que diziam  que sabiam "ler os astros" e falavam com eles -os sacerdotes- e pelos chefes, reis, guerreiros. que possuíam a força física e a riqueza ( maiores manadas de vacas ou  de camelos) e que providenciavam aos sacerdotes os privilégios que seriam retribuídos  pela garantia de ajuda divina ao uso do Poder.
E aí temos a hierarquia das sociedades utilizando as religiões como suporte dos aparelhos do Poder - até hoje. As primeiras religiões terão sido panteístas, adorando tudo quanto a Natureza revelava à volta dos seres humanos e depois politeístas, cada deus  ligado a um aspecto do desconhecido ou mesmo das coisas reais - deusa da lua, deus do sol, deus do oceano, etc.
Algumas civilizações porém adoptaram o monoteísmo, um deus senhor de tudo e de todos, criador  do Sol e da Terra, do universo, do Bem e do mal, do céu e do inferno.

O mais poderoso de todos os deuses da Humanidade será o Jeová dos judeus e dos cristãos, que é  o mesmo Alá dos muçulmanos. Mas que Deus é este que deixa há mais de 2 mil anos os seus fieis matarem-se uns aos outros e não intervém?! Onde estava o deus  quando os judeus foram sucessivamente expulsos para fora  do seu território e foram chacinados aos milhões pelos nazis alemães? Onde estava o deus dos cristãos quando os judeus os perseguiram e expulsaram da Palestina? Onde estava o deus quando o seu alegado filho foi crucificad0?
Bom, não vale a pena continuar  nesta  história das faltas de comparência do deus quando os fiéis mais dele têm necessidade.
Promessas de outra vida depois da morte? Para os budistas ainda existe uma reencarnação, quem pena nesta vida terrena, mesmo tendo tido uma vida correcta,  paga pelos erros cometidos em vidas passadas; mas para o fieis do deus do Livro os inocentes, até crianças, sofrem porquê, em nome de quê? Quem é que cá veio contar como  é do outro lado?  Como é que se sabe que depois da morte física
 surge outra vida ?
Quando os neurónios envelhecem e as sinapses deixam de permitir a passagem  dos neurotransmissores, o "espírito" acaba e sobrevem a morte fisiológica - o que é que esperam mais? Por mais importante que tenha sido a vida dum indivíduo, desde os magnates aos poderosos dirigentes ou o Papa- o que os espera, o céu ou o inferno?
Se tiverem tempo para saber que vão morrer, o céu e o inferno estarão na consciência  de cada um, nos últimos momentos de folgo, quando lhes passar pela mente tudo o que fizeram de mal ou de bem, de solidariedade ou de egoísmo.

Em vez de quimeras que prometem uma vida eterna, o que vale a pena é que cada um tire partido da vida que lhes aconteceu, que goze o esplendor dos dias e das noites, da Natureza de que faz parte, que admire, aprecie e se extasie com a maravilha que é os mesmos átomos dos mesmos elementos, só porque se organizam de formas diferentes. darem origem às estrelas e aos planetas, às rochas, às flores, aos animais pequenos e aos grandes monstros - e a este último resultado da evolução, que é capaz de reflectir  e de procurar entender tudo isto.
Isso e que é um milagre!!











Sem comentários:

Enviar um comentário