sábado, 10 de fevereiro de 2018

Na espuma dos dias

Começo a sair da fossa para a qual algumas maleitas me atiraram, e está na hora de retomar as reflexões deste blogue.
Nestes dias aconteceram coisas espantosas no plano da nossa vida pública e política.

1- O caso das buscas ao Ministro das Finanças, brada aos céus, e é uma provocação  que não devia ficar sem outras consequências para além do arquivamento do processo. 
Como é que, em democracia,  inspectores do Ministério Publico (MP) entram no gabinete do Ministro e, sem um juiz a cobrir a operação, se apropriam do computador dum colaborador do Ministro ?
Na origem do processo está a  ida de Mário Centeno a um jogo de futebol para a tribuna presidencial do estádio do Benfica para o qual pediu duas entradas. Então é admissível que um Ministro, tanto mais com a projecção nacional e internacional deste titular das Finanças, se vá sentar nas bancadas ou então que tenha de  levar um grupo de gorilas para garantir a sua segurança? Não é para estes casos que existe a tribuna presidencial, onde as pessoas são convidadas ?
Uma coisa é ninguém estar acima da justiça, outra coisa é esta judicialização abusiva, que afecta o prestígio do país, E tudo porque um jornal tabloide  deu a notícia  com as habituais parangonas populistas e o MP , sem tentar ajuizar da veracidade do caso, deu publicidade a esta invasão do gabinete ministerial.
Como disse Manuel Alegre . quem é que controla os controladores ? É uma vergonha e não devia ter ficado sem outras consequências.

2- Esta promiscuidade dum certo jornalismo com alguns sectores da justiça já cheira mesmo mal ; acabem com o segredo de justiça, mas se acham que deve ser mantido então que se tomem, de uma vez por todas, as medidas necessárias para evitar actos escandalosos. Uma coisa é a investigação jornalística séria e deontologicamente correta, que é apanágio de um regime democrático, e de que quase todas as semanas temos exemplos excelentes, outra coisa é a recepção de informação confidencial em alguns órgãos de comunicação social - só alguns e quase sempre os mesmos - que sai dos meandros da justiça que está a julgar casos. Não é de hoje.
Todos se lembram  da prisão de Paulo Pedroso. feita com espavento na própria Assembleia da Republica - quando devia ter sido discreta e passar despercebida - e coberta pela televisão, para mais tarde o presumido acusado na praça pública ter sido julgado inocente - nunca ninguém mais limpou o seu nome.
No caso de José Sócrates, quando a polícia o foi prender à saída do avião, em plena pista do aeroporto, já lá estava a televisão à espera.
Estamos todos à espera do fim -  se é que tem fim... - do caso Sócrates para ficarmos com mais uma adequada ideia da nossa justiça que ´é tão eficiente a deixar julgar na praça pública
E nestes últimos dias, as buscas à casa do Juiz Rui Rangel : quando  chegou o juiz que fazia a inspecção já lá estavam jornalistas de um  órgão de comunicação social, não de todos mas apenas de um certo - que se arroga o descaramento de declarar que isso quer dizer que é melhor que os outros. Como é que a informação da busca a fazer foi parar ao jornal? Por investigação ? Ou por corrupção de alguém que, tendo acesso ao processo em segredo de justiça, passou a notícia para quem lhe...agrada, não para a comunicação social em geral? Podemos suspeitar que esse tráfico de notícias é pago...

3- Ainda mais um caso sem a devida explicação pública. Saiu a notícia de que dois antigos Secretários de Estado, um deles José Magalhães, de reconhecida notoriedade  mediática , tinham sido alvo de inspecção do MP por terem usado verbas excessivas na compra de livros e revistas que não tinham a ver com a sua actividade profissional. 
Bom, se um Secretário de Estado pode ou não comprar livros e revistas com verbas do seu gabinete, isso é necessário clarificar. MAS não foi posta em causa a aquisição de livros, apenas a de os adquiridos não serem apropriados ou adequados às funções que desempenhavam. E isto acho que brada aos céus!! Ou explicavam que eram livros de tácticas de futebol ou a História do Benfica ou de outro clube qualquer, ou pornografia, e isso realmente não era apropriado, mas se não for assim -   então é agora o MP que vem indicar quais os livros e as revistas que são ou não adequados à formação intelectual dos membros do Governo ? O que é grave é que se lançam estas notícias na praça publica e depois fica tudo na  sombra, sem mais esclarecimentos nem a mesma pompa e divulgação com que saiem as notícias!!
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A Justiça foi talvez o sector da vida publica portuguesa que menos foi alvo de limpezas e de clarificações como aconteceu nas restantes actividades publicas.  O que aconteceu aos juízes dos tribunais plenários do Estado Novo ? Ou passaram à reforma sem penalização que tenha sido do conhecimento publico ou foram "integrados" na justiça do regime democrático... O que aconteceu aos "pides"  que estavam presos e fugiram e desapareceram, é outro bom sinal...
O julgamento do assassinato de General Humberto Delgado foi, para mim, em pleno regime democrático,  uma cena lamentável, Se os culpados do nazismo julgados em Nuremberga tivessem sido julgados em Portugal, nenhum teria sido condenado, pois a culpa não era deles, era sempre de quem estava por cima...Uma vergonha este processo da justiça em pleno regime democrático - e continua.

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