O meio forma o homem.
Embora a cultura específica de cada grupo crie diferenças identitárias - e é assim que se formam nações e os povos adquirem as suas características nacionais - há uma formação subconsciente entranhada nas mentalidades e transmitida pelas gerações. que se deve à forma como o meio ecogeográfico, por sua vez condicionado pelas condições telúricas e climáticas, condiciona os seres humanos .
Quando há uns 5,6 milhões de anos a actividade tectónica fez romper o Estreito de Gibraltar, o antigo mar interior que se tinha formado quando desapareceu o Mar de Tétis e se transformara num grande lago salgado a evaporar rapidamente, tornou-se no Mar Mediterrâneo que chegou aos nossos dias.
A primeira fotografia é da floresta de folhosas do Líbano mas que podia ser de certas formações da Península Ibérica; o primeiro povoado é na Sicília e o outro no barrocal algarvio - podiam ser ambos da mesma paisagem - e podia apresentar aqui muitas imagens de outros aspectos da paisagem e do património.
O que estas imagens procuram evidenciar é a unidade paisagística, e que depois se torna num sentimento de pertença, que se vive neste cadinho de civilizações e culturas que é o Mediterrâneo, para lá das divergências que outros valores, muitas vezes estranhos ao meio, semearam ao longo dos séculos.
Quando viajamos pelo Mediterrâneo, mais no Ocidental mas também no Oriental, temos a sensação de estar em casa, até as diferenças nos parecem aceitáveis, compreensíveis - eu senti isso no Líbano ou na Argélia, na Grécia, na Sicília ou aqui em Marrocos. Nós, aqui no sul da Ibéria, estamos geograficamente fora da bacia mediterrânica mas somos muito abrangidos ainda pela sua influência climática e florística, mas também cultural - dos povos que ao longo do Tempo connosco se cruzaram e connosco conviveram.
Nestes tempos conturbados quer pela forças terrestres que modificam o clima com a cumplicidade gravosa dos homens quer pelas incompreensões de élites do Poder que se submetem muito mais às influências externas à região do que à consolidação das conexões internas - o que penso que será fundamental para o nosso futuro comum, que já estamos a viver em termos climáticos, ( quer gostem ou não os negacionistas) será explorar as convergências em direcção a uma verdadeira mediterraneidade.
Ao longo do Tempo os povos em volta deste grande mar -o Mare Nostrum, dos romanos - guerrearam, criaram arte, cimentaram civilizações, conheceram harmonia , o que não invalidou guerras, raivas e lutas; sobre a mediterraneidade pairam a herança de Ur e de Uruk, ideia cósmica dos antigos egípcios, a religiosidade dos árabes e berberes, o espírito grego e a força dos latinos, a fúria dos otomanos - uma profusão de sentimentos que ultrapassou sempre as fronteiras desses povos.
O espirito mediterrânico foi exaltado por muito pensadores das duas margens e relembro Camus que falava do Nationalisme du Soleil, ou Teixeira Gomes que escolheu para exilio Bougie, na Argélia, e que encontrou no filósofo argelino Mohammed Arkoun um acérrimo patrono, esse espírito existe e só precisa de ser consolidado.
Apesar das guerras que ao longo dos séculos violentaram as praias e as colinas, também houve tempo e espaço para se forjar a talvez maior epopeia civilizacional do mundo - a paideia grega, a literacia de Alexandria, o genius de Roma, os cadinhos de ideias de Cirene ou de Siracusa, a expressão universalista que existe no islão como existia no Al Andaluz e depois desapareceu. Aqui se geraram as tres religiões monoteístas que nasceram do mesmo tronco comum e que este foi buscar muita da sua inspiração ao mais remoto da Humanidade, como em Gilgamesh - o tal de Uruk. a "cidade das grandes muralhas" e que partiu em busca do paraíso lá para o fim do Tibre e do Eufrates...
Religiões que fomentaram desavenças, guerras e conduziram a opções políticas divergentes e concepções filosóficas que acabaram por dominar grande parte do mundo e que mostram que a História não se inventa ou reinventa, mas se escreve dia a dia e que as ideologias - ao contrário do que alguns apregoam- não são metáforas mas antes construções palpitantes que resultam da riqueza de opções que o ser humano cultiva no seu âmago.
Como Claudio Torres escreveu : " A consciência territorial do espaço geográfico é uma constante na tradição clássica mediterrânica"; e Mohammed Arkoun salientou que a tradição missionária cristã e o proselitismo islâmico são os dois grandes eixos do pensamento mediterrânico que atravessaram todas as culturas deste espaço geopolítico e, passo a passo, se estenderam a todas culturas do mundo, mas foram usurpados por muitos Estados em prol da politização das crenças. Só pela abertura das mentalidades para uma leitura desapaixonada das duas correntes e pela ultrapassagem de erros de apreciação enraizados de ambos os lados, será possível chegar ao sucesso do entendimentos que está presente nas populações de ambas as margens do grande mar e a elas é inerente.
Estamos mais uma vez num Tempo de convulsões planetárias e ideológicas que afectam de modo particular o Mediterrâneo e que nos apanham também a nós, aqui debruçados sobre o Atlântico; mas também é o Tempo de uma tomada de consciência sobre o destino que a todos diz respeito e que pode ajudar a consolidar o espírito da mediterraneidade como grande matriz de todos nós, os povos do Sul!
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