Reflexões sobre
UM GOVERNO DE ESQUERDA
A cidadania activa
deve intervir naquilo que diz respeito à res publica e não ouvir apenas
o que dizem os especialistas e cronistas encartados.
Um
Governo de esquerda moderada, democrática,
como parece que procurou ser o anterior Governo português, não deixou de
ser um exemplo para a Europa onde as regras
neoliberais com que se rege a União Europeia não dão oportunidade a
políticas nacionais que se afastem da cartilha.
Parece-me que vale a pena reflectir um pouco como cidadão civicamente
empenhado e não como especialista.
Limito-me
aqui a recordar ideias conhecidas de todos e que ajudam a pensar na nossa
situação. A crise da esquerda e da direita -
e refere-se apenas a questão europeia
que mais directamente nos afecta pois a sua expansão para outras partes
do mundo merece outra abordagem – resulta da evolução da situação após a queda
do muro de Berlim e a derrocada do bloco soviético. Embora já se tenha visto
denegrir o período de algumas décadas após a Segunda Guerra Mundial – estranho
seria que não fosse… – a verdade é que nunca a Europa conheceu um tão
prolongado tempo de paz, de concórdia e de desenvolvimento económico e social em democracia. Foi assim que nasceu o Estado
Social que orgulha a Europa.
Nesses
anos governaram nos países europeus (
não por cá…) os partidos de ideologia social democrata ou socialismo democrático e da democracia
cristã. Ideologias que se fortificaram
como consequência por um lado da memória reactiva contra as ditaduras fascistas e por outro contra o “socialismo
científico” do marxismo leninista, reconhecendo que o capitalismo é, em si mesmo,
uma realidade inerente ao ser humano, mas que deve ser regulado e mantido fora
dos excessos libertinos da financialização da economia e de toda a vida das
sociedades. Nem o capitalismo de Estado
à moda soviética ou chinesa nem o capitalismo selvagem do liberalismo.
É
evidente que este tipo de reflexões não
agrada aos que hoje continuam a subscrever o pensamento que esteve na base dos sistemas extremistas – e haverá sempre saudosistas e
teóricos de tudo quanto o homem concebeu
ao longo da sua História - nem aos liberais.
A
direita europeia deixou-se seduzir pelo canto de sereia do liberalismo que se
comporta como a hidra mitológica - sempre que lhe cortam uma cabeça recupera
passado algum tempo; as regras sociais que desde Leão XIII corporizaram a
democracia cristã – uma espécie de esquerda da direita – são muito próximas das
medidas social democratas, só que estas
não tinham -não têm- substracto religioso.
A
esquerda europeia sofreu as consequências da rejeição do termo “socialismo” que
o bloco de leste representava; quem
visitou os países do outro lado da cortina de ferro nessa altura teve
oportunidade de verificar o socialismo de miséria que ali se praticava e que
está na base de muitos problemas que a democracia sofre hoje em muitos desses países.
Uma esquerda moderna e democrática deve ser essencialmente ecologista e ambientalista - onde está isso em Portugal?
A
crise da direita exigirá a recuperação dos valores da democracia cristã e do ideário conservador
que, apesar de tudo, era democrático, marcando uma barreira de convicção contra
o avanço da extrema direita que, tal como nos anos trinta do século passado,
ameaça recuperar uma hegemonia que
parece ter deixado de estar na memória dos povos.
A
esquerda democrática tem que vencer a actual crise existencial;
se na maioria dos países europeus for recuperado o essencial do ideário
socialista democrático, isso constituirá
uma forma de ir ao encontro das aspirações e anseios das grandes massas
de população hoje mais instruídas e participativas, que exigem respostas
sociais que o liberalismo não lhes
permite obter. Mas continuará a haver quem escreva sobre o “abjecto socialismo”…
A
velha cartilha do laisser faire laisser passer volta de novo a ser trazida à ribalta, quando
se diz que não se é de direita nem de esquerda, é -se liberal. A morte das
ideologias é o leit motiv desde o
início da teoria do mercado como sendo a única realidade e é esgrimida como
a arma do progresso. Temos visto no que
deu sempre que o liberalismo teve força para se impor no mundo.
O
Governo que hoje temos em Portugal, com setenta membros entre Ministros e
Secretários de Estado (custando muitos
milhões de euros anuais, quando se impunha reduzir essas despesas públicas para apostar no
social), com uma proliferação de designações populistas como se muito menos
Ministérios não pudessem tratar da inovação e modernização administrativa, da
administração publica, da descentralização e da administração local, do planeamento, da coesão
territorial, da transição digital, do ambiente, da acção climática. Como se
agricultura e florestas não devessem ser o mesmo Ministério com uma acção
agro-florestal conjunta, etc, etc. Isto cheira a pura demagogia e despesismo,
impróprios de um governo de esquerda moderada e democrática, afinal mais submisso às regras neoliberais da
UE. Governo de esquerda ? O povo da esquerda democrática sente-se defraudado.
Onde vão ”coisas” como o Chega buscar eleitorado?
Escrito pela ortografia antiga
02/ Fevereiro /2020
Fernando Santos Pessoa
cidadão
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