sexta-feira, 18 de setembro de 2020

 Este artigo foi  ignorado pelo PÚBLICO) para publicação

Os vendilhões do templo

A Resolução nº. 55/2020 do Conselho de Ministros  não teve ainda, a meu ver,   a atenção e a discussão que tal proposta merece já que da sua execução podem resultar novos erros tremendos e a continuidade e aprofundamento de outros erros já em curso.

Começa por falar numa visão comum dos governos e das sociedades – como é  que tem sido avaliada essa “comunhão” de ideias? Pelos resultados eleitorais? Alguma vez nas campanhas foram ou são discutidos os pontos  essenciais  que as populações nem sonham que as virão afectar – ou o bla bla das conquistas sociais conseguidas basta ( deixei de empregar a palavra chega) ? Que os governos neoliberais  duma direita mais desenraizada achem que termos 13% de emprego na Administração Pública é demais, percebe-se, mas que socialistas democráticos continuem a aceitar essa ideia é que confrange, quando a média europeia anda pelo 17%. Entre nós mais 3 ou 4% de emprego público daria para dotar o SNS dos recursos que não tem, daria para dar efectivos condignos à justiça, às escolas,  e às políticas agrícolas/florestais e ambientais que devem garantir o nosso futuro e das quais  quase ninguém fala.

Quanto à apregoada má gestão da Administração Pública, ela depende da qualidade dos dirigentes; quando um dirigente é bom até causa transtorno… E na administração privada só há bons  gestores e administradores? Fazia-se uma lista comprida só dos casos mais conhecidos.

 Para uma governação de esquerda ou mesmo  de direita, mas democráticas, não neoliberais, nós não teremos Função Pública a mais, temos é fracos dirigentes; assim a par da Direcção Geral para Qualificação dos Trabalhadores se calhar precisamos de outra  para a qualificação dos dirigentes, que hoje são em regra ( por vezes de forma demasiado escandalosa!) chamados  apenas pelo cartão partidário - e  passarem a ser chamados pelo seu mérito, tenham ou não ficha de Partido. Isso é que era bom !..(utopia da democracia !)

Em dado momento da História um Mestre varreu do templo os vendilhões -  os mercadores e os agiotas que traficavam dinheiro e influências e ultrajavam o templo.

Nas perspectivas desta Resolução existe o propósito em si mesmo indiscutível de descentralizar a gestão do País, servindo-se de resto de uma extensa lenga-lenga de palavras que todos gostam de ler, em que sobressaem renovar, garantir, reforçar… Mas se não nos acautelarmos e nos deixarmos levar pela embalagem da narrativa,  verificamos que é  o Estado Central a alijar responsabilidades, muitas necessárias,  mas outras sobre politicas que são eminentemente nacionais e que devem continuar sempre nacionais.

Exemplo : os piroverões  de que fala  Jorge Paiva são o resultado das erradas políticas florestais descentralizadas  e da surdez institucional para a  sua correcção…

Diz-me um passarinho que estará na calha a passagem para as CCDR de  políticas como  o Ordenamento do Território (OT), as Florestas ou a Conservação da Natureza – e porque não, já agora,  a Agricultura? Como é possível o país ficar indiferente a  termos deixado de ter um Ministério da Agricultura e Florestas – isto é modernizar, isto  é progresso  ou é ignorância daquilo que deve ser uma política global e nacional para gerir o mundo rural? Porque estão calados tantos técnicos ilustres deste País que sabem mais destas matérias que os políticos que decidem sobre elas? Porque acham que já não vale a pena protestar…

O  OT não pode  ficar nas mãos apenas de entidades regionais, com umas chapeladas que um qualquer “Ministro disto tudo” lhes venha a fazer. Levou décadas a sistematizar e a fixar a política de Ordenamento e Ambiente  que teve em Gonçalo Ribeiro Telles o grande mentor – e que falta hoje faz  aquela sua indómita energia  criativa que o caracteriza !!

Passar para as  autoridades regionais a Conservação da Natureza e as Áreas Protegidas  será o fim duma estratégia  nacional que começou em  1974: por mais que vistam as propostas com  roupagens de modernidade que apelam ao sentimento regionalista – ignora-se, com a mesma insolência que levou à destruição dos Serviços Florestais,  que a Natureza e os seus recursos  não tem fronteiras, e que a sua gestão, participada e envolvendo sem qualquer dúvida as autoridades regionais e locais – e sobretudo as populações, sempre as grandes esquecidas – tem que ser global e  nacional. Estão a negociar  o melhor e o mais precioso que o país possui.

Se hoje  já não aceitamos nenhum Mestre ou um “iluminado”, salvador da Pátria, precisamos, isso sim, de uma cidadania activa,  formada e informada, que corra com os vendilhões que ultrajam o património precioso do nosso  o nosso País – o nosso templo.

4-09-20

Fernando Santos Pessoa

Engº. silvicultor, arq.º paisagista

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