Este artigo foi ignorado pelo PÚBLICO) para publicação
Os
vendilhões do templo
A Resolução nº. 55/2020 do
Conselho de Ministros não teve ainda, a
meu ver, a atenção e a discussão que
tal proposta merece já que da sua execução podem resultar novos erros tremendos
e a continuidade e aprofundamento de outros erros já em curso.
Começa por falar numa visão comum
dos governos e das sociedades – como é que tem sido avaliada essa “comunhão” de
ideias? Pelos resultados eleitorais? Alguma vez nas campanhas foram ou são
discutidos os pontos essenciais que as populações nem sonham que as virão
afectar – ou o bla bla das conquistas sociais conseguidas basta ( deixei de
empregar a palavra chega) ? Que os governos neoliberais duma direita mais desenraizada achem que
termos 13% de emprego na Administração Pública é demais, percebe-se, mas que socialistas
democráticos continuem a aceitar essa ideia é que confrange, quando a média
europeia anda pelo 17%. Entre nós mais 3 ou 4% de emprego público daria para
dotar o SNS dos recursos que não tem, daria para dar efectivos condignos à
justiça, às escolas, e às políticas
agrícolas/florestais e ambientais que devem garantir o nosso futuro e das quais quase ninguém fala.
Quanto à apregoada má gestão da
Administração Pública, ela depende da qualidade dos dirigentes; quando um
dirigente é bom até causa transtorno… E na administração privada só há
bons gestores e administradores? Fazia-se
uma lista comprida só dos casos mais conhecidos.
Para uma governação de esquerda ou mesmo de direita, mas democráticas, não
neoliberais, nós não teremos Função Pública a mais, temos é fracos dirigentes; assim
a par da Direcção Geral para Qualificação dos Trabalhadores se calhar precisamos
de outra para a qualificação dos
dirigentes, que hoje são em regra ( por vezes de forma demasiado escandalosa!)
chamados apenas pelo cartão partidário -
e passarem a ser chamados pelo seu
mérito, tenham ou não ficha de Partido. Isso é que era bom !..(utopia da
democracia !)
Em dado momento da História um
Mestre varreu do templo os vendilhões - os mercadores e os agiotas que traficavam
dinheiro e influências e ultrajavam o templo.
Nas perspectivas desta Resolução
existe o propósito em si mesmo indiscutível de descentralizar a gestão do País,
servindo-se de resto de uma extensa lenga-lenga de palavras que todos gostam de
ler, em que sobressaem renovar, garantir, reforçar… Mas se
não nos acautelarmos e nos deixarmos levar pela embalagem da narrativa, verificamos que é o Estado Central a alijar responsabilidades, muitas
necessárias, mas outras sobre politicas
que são eminentemente nacionais e que devem continuar sempre nacionais.
Exemplo : os piroverões de que fala
Jorge Paiva são o resultado das erradas políticas florestais
descentralizadas e da surdez
institucional para a sua correcção…
Diz-me um passarinho que estará
na calha a passagem para as CCDR de
políticas como o Ordenamento do Território
(OT), as Florestas ou a Conservação da Natureza – e porque não, já agora, a Agricultura? Como é possível o país ficar
indiferente a termos deixado de ter um
Ministério da Agricultura e Florestas – isto é modernizar, isto é progresso
ou é ignorância daquilo que deve ser uma política global e nacional para
gerir o mundo rural? Porque estão calados tantos técnicos ilustres deste País que
sabem mais destas matérias que os políticos que decidem sobre elas? Porque
acham que já não vale a pena protestar…
O
OT não pode ficar nas mãos apenas
de entidades regionais, com umas chapeladas que um qualquer “Ministro disto
tudo” lhes venha a fazer. Levou décadas a sistematizar e a fixar a política de
Ordenamento e Ambiente que teve em
Gonçalo Ribeiro Telles o grande mentor – e que falta hoje faz aquela sua indómita energia criativa que o caracteriza !!
Passar para as autoridades regionais a Conservação da
Natureza e as Áreas Protegidas será o fim
duma estratégia nacional que começou
em 1974: por mais que vistam as
propostas com roupagens de modernidade
que apelam ao sentimento regionalista – ignora-se, com a mesma insolência que
levou à destruição dos Serviços Florestais,
que a Natureza e os seus recursos
não tem fronteiras, e que a sua gestão, participada e envolvendo sem
qualquer dúvida as autoridades regionais e locais – e sobretudo as populações, sempre
as grandes esquecidas – tem que ser global e
nacional. Estão a negociar o
melhor e o mais precioso que o país possui.
Se hoje já não aceitamos nenhum Mestre ou um “iluminado”,
salvador da Pátria, precisamos, isso sim, de uma cidadania activa, formada e informada, que corra com os
vendilhões que ultrajam o património precioso do nosso o nosso País – o nosso templo.
4-09-20
Fernando Santos Pessoa
Engº. silvicultor, arq.º
paisagista
Sem comentários:
Enviar um comentário