As desigualdades do território e as opções políticas
As votações de ontem deram os resultados esperados, mas é preciso ter a noção de que respeitam a 40% apenas dos portugueses com direito a voto - quer dizer 60% dos portugueses não foram votar e podemos especular sobre os diversos motivos porque assim procedem, em regra em escala muito superior à que se verifica nas eleições autárquicas e/ou legislativas. E não deixou de mais uma vez se assistir ao habitual ritual de vitória, com excepção da Marisa Matias todos os outros ganharam. O liberal até diz que vem aí uma onda liberal, está mesmo a rebentar ; e o candidato fascista reivindica que vem aí a 4ª Republica de que ele e alguns com ele estão à espera há 46 anos, a república do 24 de Abril de 74. O certo é que a esquerda não se uniu e se não fosse a Ana Gomes a ganhar por um fio o 2º lugar, quem é que o ocupava ? mas que o susto provocado por estas eleições sirva para alertar os portugueses e, como já tenho escrito, alertar a esquerda democrática.
Não se deve subestimar que um bom número dos "chegas" vem do CDS e também do PSD, e que destes dois Partidos saíram aqueles que duplicaram a votação na IL; o que resta dos democratas cristãos e dos social democratas ? Sá Carneiro quis inscrever o PPD na Internacional Socialista, deixem agora de o invocar nestas derivas liberais, tenham pelo menos vergonha... Com a extrema direita a crescer e uma subida se não espectacular pelo menos assinalável dos liberais, o futuro - aqui como no resto da Europa- pode ser problemático...
Esta pandemia do século XXI veio destapar e tornar mais evidentes as grandes desigualdades e a crescente pobreza que estavam escondidas por esta economia de especulação inerente aos mercados a funcionarem sem regulação, fruto da agora tão propalada globalização liberal. Foi preciso que a realidade ficasse escancarada para se perceber que aqueles que ao longo das últimas décadas tentavam denunciar o caminho errado de um falso progresso. afinal não eram utópicos ou agentes das economias planificadas marxistas.
O velho Mestre Gonçalo Ribeiro Telles não precisava de ser economista para há mais de 20 anos denunciar a economia de casino com que nós éramos governados. Mas economistas de renome dizem o mesmo; Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia e Professor da Univ, de Columbia, não deixou de alertar que "Se a crise financeira de 2008 não conseguiu fazer-nos perceber que os mercados sem restrições não funcionam, a crise climática certamente deveria conseguir : o neoliberalismo acaba literalmente com a nossa civilização". Ou " O capitalismo sem restrições desempenhou um papel central na criação das múltiplas crises que as sociedades enfrentam actualmente." E ainda : " A forma de globalização prescrita pelo neoliberalismo deixou indivíduos e sociedades inteiras incapazes de controlar uma parte importantes do seu próprio destino - o neoliberalismo prejudica a democracia há 40 anos".
Agora temos pela frente, no nosso país sempre com atraso, (Eça de Queiroz já denunciava que os valores da cultura nos chegavam tarde e caros em direitos de alfândega) a ameaça duma extrema direita revanchista e retrógrada e de uns liberais portadores da mentira ideológica de que não há direita nem esquerda, há liberalismo e mercado como únicas realidades.
Vemos agora já sem constrangimentos ao que nos levou a dependência espúria da globalização que a IL continua a negar - negacionistas há-de haver sempre...
As desigualdades aumentaram entre países ricos e países menos ricos e sobretudo os países pobres, e dentro de cada país entre as regiões mais favorecidas e as menos favorecidas, por essa economia mercantil e de "casino", que se foi implantando e alastrando como mancha de óleo - e em que todos os quadrantes políticos ocidentais alinharam desde a "morte das ideologias" anunciada por Fukuyama e a ascensão predominante das políticas liberais que se tornaram libertinas. Curioso, em 2019 numa entrevista ao El Pais, o mesmo Fukuyama admirava-se do caminho que as suas propostas liberais do Fim da História tinham seguido, nomeadamente com a eleição de Trump, e dizia quem uma das causas teria sido a esquerda europeia ter-se resignado e deixado de se bater pela oposição a tais ideias.
O colectivo foi então abafado também neste nosso país, não assim tão pobre como dizem, o interior e mesmo algum litoral que não seja coberto a betão e a asfalto foram votados ao abandono. E para esses enormes espaços atiraram com o "progresso" das monoculturas quer do betão quer dos pinhais e eucaliptais, superpovoando o litoral e despovoando as pequenas terras e deixando o vazio humano; e para que não houvesse veleidades de regresso acabaram ou reduziram as estruturas que poderiam dificultar o novo "progresso" : os CTT privatizados abandonaram as Freguesias, fecharam-se escolas, encerraram Juntas de Freguesia por recomendação da Troika e acção consciente dum tal Relvas, desactivaram Departamentos como os Serviços Florestais, os Serviços de Extensão Rural e as Direcções Regionais de Agricultura. que geriam e defendiam os recursos naturais vulneráveis e substituíram-nos por organismos e grupos de trabalho pseudo-modernos, de grandes siglas, "progressistas" na retórica mas amorfos na acção. Em Portugal, por exemplo, em vez de um Departamento ou Ministério da Indústria ligados ao sector de produção do Governo, temos o próprio Ministério do Ambiente ( ironia das ironias!) a defender a tecnologia do lítio, quando num país "normal" devia ser este Ministério a estar atento aos abusos dos outros Departamentos de produção... Com que credibilidade se pode acreditar nos Estudos de Avaliação de Impacte Ambiental?
Também se gostaria de ver organizar a distribuição da enormidade de fundos europeus que aí vêm em benefício das actividades que reponham o repovoamento das área de baixa densidade, e o equilíbrio natural subvertido, mas o que já estamos a antever que se perfila no horizonte é demonstrado por este exemplo: a indústria das celuloses a pedir apoios de fundos europeus para aumentar a sua capacidade. Mais eucaliptal = mais aldeias despovoadas e abandonadas? Mais mundo rural sem vitalidade?
(Há-de continuar..:)
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