Eu sou um dos que acreditou na redenção que o 25 de Abril de 74 ia trazer, quando uma boa parte da minha vida já tinha sido consumida no pântano do Estado Novo, que já não era novo entes velho e caduco.
Exultei de alegria, mas um amigo meu com quem convivia no Funchal, e que se dizia comunista, avisou -me que não tivesse ilusões com a euforia daqueles primeiros tempos pois vinham aí outros tempos de grandes lutas e confrontos. Vieram esses tempos, que foram de aguerrida disputa sem nunca se terem ultrapassado os limites da violência sem retorno - mas a euforia e a esperança mantiveram-se em mim com muita convicção.
Vivi em Lisboa os tempos que eu acho fantásticos do PREC : a euforia da liberdade a extravasar por todos os lados, os cantos de sereia sobre a ditadura do proletariado que assustaram apenas quem tivesse o coração receoso e as convicções democráticas fracas, a mim não assustaram ; a violência verbal que quase nunca descarrilou para violência física. o que é espantoso - e ainda hoje recordo com saudade, sim, com saudade, as manifestações do "Fitipaldi dos chaimites" no Terreiro do Paço, a muralha humana de democratas em frente ao jornal Republica que havia sido tomado pelos seus tipógrafos que mantinham refém o velho Raul Rego e, claro, entre muitas outras, a manifestação da Alameda onde se decidiu o futuro da democracia.
Era o tempo em que tudo parecia possível, em que a primeira geração de políticos que ascendeu à Assembleia da Republica, em todos os quadrantes partidários, constituía um punhado de opositores ao regime salazarista, e que vinham com elevado sentido de ética e o objectivo de bem servir.
Recordar o que era este povo em 24 de Abril é uma recordação confrangedora : quem é que tinha o que hoje consideramos essencial e sem qual se pensa que se não pode viver num país europeu ? O marcelismo fora uma triste desilusão para quem pensou que o país ia entrar no desenvolvimento moderno, o seu mentor era mais conservador que o velho ditador que ele veio substituir, a miséria material e espiritual continuaram na mesma.
Só para falar nos mínimos : quem é que tinha electricidade e água potável em casa? O luxo do frigorífico e dos electrodomésticos ? Assistência na doença ( mesmo que hoje o SNS tenha muitas falhas) ? Educação e instrução para todos? Acesso aberto às Universidades ? Quem podia ter carro, quem tinha subsídios de férias e de Natal? Infantários quase não existiam para lá das escolas João de Deus...
Tantas e tantas coisas que as gerações de hoje nem acreditam que os seus pais e avós não tinham !
Mas acima de tudo a liberdade : poder falar sem ter na mesa do café ao lado ou na escola uns companheiros em quem confiávamos e nos denunciavam à polícia; ajuntamentos de mais de tres pessoas podiam logo ser considerados subversivos, jornais, livros e filmes terem de passar pelo lápis vermelho duns execráveis funcionários e coroneis reformados da Censura-
Mas a democracia depois enquistou : os Partidos políticos tornaram-se escolas de clientelismo, a corrupção adquiriu foros de grandeza que não imaginávamos ser possível, o mercantilismo tomou conta da ética democrática e assalariou-a, um certo tipo de medo voltou a instalar-se nos empregos públicos e privados, a justiça - esse pilar fundamental da democracia - nunca conheceu verdadeiramente o seu 25 de Abril e é confrangedora de ineficácia e de erros crassos.
A falta de cultura democrática e de consciência colectiva permitiu que tenham chegado à ribalta do Poder pessoas tão diferentes mas tão iguais em incapacidade democrática como José Sócrates, Cavaco Silva ou Pedro Passos Coelho.
Por isso sou um dos desiludidos do 25 de Abril e daquilo que ele podia ter sido ; como é que se pode dizer e garantir às gerações de hoje que todos estes desvios, erros e contradições são uma gota de água no oceano do marasmo e da miséria moral que existia no anterior regime?
Desiludido mas firmemente partidário do meu Partido : a liberdade e a democracia, por quem vale a pena lutar e não desistir. 25 de Abril sempre !!
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