A triste sina dos Parques Naturais
A criação dos Parques Naturais (PN) na Europa significou um grande avanço na Conservação da Natureza, das Paisagens e do Património. pela abertura do interesse colectivo já não apenas pelos pormenores da fauna ou da flora, como fazia a "protecção da natureza" ou pelas obras de arte e monumentos nacionais, mas pelos sítios e paisagens onde prevalecia a harmonia entre o Homem e a Natureza. A sua instituição em Portugal foi também, por isso, um grande passo que se poderá dizer civilizacional, e surgiram num altura em que, após a queda do Estado Novo , veio a democracia e o acesso de muito mais gente ao direito inalienável a uma habitação, levando a uma pulverização da construção civil por todo o território, incluindo por paisagens rurais ainda bem conservadas, sem qualquer controle.
Os Parques Naturais surgiram como modelos de desenvolvimento equilibrado do território, onde a transformação das paisagens ficava dependente de cuidados especiais na ocupação do espaço e no uso de materiais correctos e volumetrias adequadas.
Foi uma luta deste o princípio para fazer entender a importância dos PN já não apenas a certas camadas da população mas infelizmente a políticos e governantes.
E essa luta, se permitiu que quarenta anos depois já não se ponha em causa a existência dessas Áreas Protegidas, nem por isso deu aos PN a capacidade de serem entendidos e apoiados pelas sucessivas tutelas governamentais que têm tido.
Mas foi assim desde o início. Vou transcrever partes de um de dois documentos da minha autoria que até podiam ser escritos hoje...
O primeiro é uma Informação datada de 26 de Março de 1980 quando ainda era Presidente do Serviço Nacional de Parques e dirigida à tutela imediata que tinha na altura. A sua transcrição integral ocuparia imenso espaço , mas fica arquivado para consulta sempre que necessário.
" À consideração superior. O Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico foi criado por minha iniciativa, apoiado na vontade e no entusiasmo do primeiro Secretário de Estado do Ambiente em Portugal, o Arq.º Gonçalo Ribeiro Telles. E foi criado para, sobretudo através dos parques naturais, instituir no nosso País instrumentos dinâmicos de experimentação e implementação da política de Ambiente e Qualidade de Vida, nas quais se insere a conservação da Natureza.............................
.......... Há quatro anos que luto para conseguir condições de trabalho eficiente para o Serviço, quer na possibilidade de recrutar pessoal qualificado quer na obtenção de orçamentos capazes de permitirem efectuar na prática as acções que competem a este Serviço.
Governo a Governo tem aumentado a incompreensão para o papel específico da Secretaria de Estado do Ambiente.......
Governo a Governo se redobram os esforços para sensibilizar as pessoas para a problemática da aplicação prática da política de Ambiente através dos parques, numa doutrinação que se repete de forma desgastante para que a paralização das acções em curso não seja uma realidade.
Mas essa acção desgastante deixa marcas e a frustração aumenta. Há cerca de um ano e meio que o Serviço se encontra praticamente manietado por falta de condições de trabalho; mesmo assim , apoiando-se na meia dúzia de técnicos espalhados pelo Serviço central, pelos parques e reservas, foi possível em 1979 gastar a totalidade do orçamento em acções palpáveis e de resultado à vista.
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Nunca foi possível fazer compreender aos Governantes e aos serviços da Administração Central, o verdadeiro alcance dos parques naturais, tal como eles são concebidos em Portugal, e por exemplo também em França e Inglaterra, com as diferenças próprias de cada sociedade e região.
Persiste a ideia de parques sobretudo a partir daquilo que tem sido o Parque Nacional do Gerês : uma grande Reserva do Estado, que visa proteger a Natureza e permite quando muito um recreio de visitantes de passagem. Mas o parque natural não é isso : é antes um verdadeiro plano de desenvolvimento integrado, rural ou costeiro...
Assim o entendeu recentemente Lord John Sandford, depois de uma visita a Portugal, que recomendou em Bruxelas a inclusão do Parque Natural da Serra da Estrela como quarto projecto do Programa de Desenvolvimento Rural Integrado financiado pela CEE, existindo apenas outros tres, na Bélgica, Escócia e França, dando assim o devido reconhecimento ao trabalho feito, coisa que em Portugal nenhum Governo ainda reconheceu.
......................... Não vale a pena continuar a fingir que se faz política de Ambiente em Portugal com tão escassas verbas E é manifestamente querer brincar aos parques e à Conservação da Natureza atribuindo para implementação da sua criação e gestão 22 mil contos, a repartir por 4 Parques Naturais, 5 Reservas e 2 Gabinetes Regionais... ( Só para comparar, o PNGerês tinha nessa altura mais de 30 mil contos)
Há quatro anos que me limito a inventar desculpas perante as Autarquias, a população e os organismos estrangeiros que se interessam...
....Fui o criador do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico, emocionadamente abandona-lo-ei para não ser o seu coveiro. Assim se não houver um mínimo de compreensão para as questões deste sector e não puderem ser dadas condições de trabalho, serei forçado a deixar à consideração superior a disponibilidade do lugar da Presidência do Serviço. "
Bom, isto daria pare ter sido logo despedido - e nos dias de hoje era de certeza...- mas não, só me despediram em Dezembro desse ano e por outras razões que não vem aqui ao caso.
Numa próxima ocasião darei conta de outro documento que, tres anos depois, ajudará a fazer a história dos Parques naturais em Portugal...
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