segunda-feira, 3 de agosto de 2020

 O país que temos...
Estas reflexões são as de um mero cidadão atrevido que nem sabe usar a linguagem superlativa dos chapéus doutorais que nos enchem de pesporrência em discursos de oratória tecno-económica e digitalizada, e atreve-se por descaramento a  tentar escrever com palavras que, acho,  todos percebem.
Seria bizarro  se não fosse trágico termos um país cada vez mais de  "faz de conta".
E tudo agora porque temos um Governo socialista, que em princípio deveria ser um exemplo de eficácia, de prestígio da Função Pública, de ética nos procedimentos e sobretudo - em pleno século XXI e depois de sermos abalados, em todo o mundo, por uma peste ou pandemia que veio evidenciar o descalabro das políticas neoliberais que se implantaram a partir das últimas décadas do século anterior - um Governo que devia ser eminentemente ecologista. Ecologista sem medo da palavra e das derivas radicais que sempre ocorrem como lapas e se agarram a todas as ideologias por melhores que sejam.  
Olhamos hoje  para um país que fica destroçado porque falhou o turismo, porque gerações sucessivas de políticos da direita e da esquerda se esqueceram que existem outros recursos que Portugal possui e poderiam ter explorado de forma rentável e, sobretudo, de forma social e economicamente relevante  : os recursos do sector agroflorestal.  Um País de monoculturas !!
Não conseguem meter na cabeça ( não percebem ou "não querem perceber") que desde os romanos, que foram na verdade  geniais na maneira de encarar o uso do território, existe a fórmula que nos ensinaram na escola de agros, saltus e silva - agricultura, pastagem e mata - como sendo a maneira de ordenar o espaço rural. Havia depois o paúl, as zonas de floresta natural e de caça e muitas vezes inundáveis nos vales das linhas de água, onde pouco ou nada se verificava de exploração humana.
Houve sempre técnicos vendidos, técnicos que por incompetência ou mero oportunismo, serviam causas políticas. No salazarismo houve agrónomos que pugnaram pelas infelizmente célebres campanhas do trigo, mesmo sabendo que derrubar azinheiras e matagal nos solos pobres e esqueléticos do sul do Alentejo e serras do Algarve para semear cereal era um erro crasso - mas fizeram-no. Ainda no salazarismo houve silvicultores responsáveis que pugnaram convictamente pela expansão dos eucaliptos, fosse em que solos fosse, como ainda hoje se pode ver; mas se os solos fossem melhores então era o tal petróleo verde e  a zona de Monchique foi privilegiada - em vez de ser  arborizada com  espécies autóctones que formariam ali uma excelente mata natural  (chegou a ser feito um plano sério nesse sentido, rejeitado depois, claro...) tornou-se na enorme mancha de eucaliptal desordenado que todos os anos arde - mesmo assim continuam-se a replantar encostas  sobre encostas com eucaliptos, desprezando o bom senso e a construção dum futuro equilibrado para a região.
Mas é bom não esquecer que mais tarde, já em plena democracia, houve agrónomos e silvicultores, alguns meus colegas,  que voltaram ao argumento agora com outro tom - de que as azinheiras estavam a roubar terreno para o pão do povo, e vá de cortar nos azinhos. Já ninguém se lembra?
Um Ministério da Agricultura e Florestas sempre foi o departamento governamental  que geria a agrocultura, até surgirem:  
 - por um lado os vendidos aos interesses privados da mata extensiva de produção de "paus a pique" para a indústria da celulose, em que reputados silvicultores anunciavam a riqueza, o petróleo verde nacional que eram os eucaliptais; em vez de um  ordenamento florestal equilibrado, que admitisse o eucalipto como espécie industrial acantonada em determinadas estações que esse ordenamento haveria de determinar, em vez disso tivemos a inundação de tudo quanto fosse terreno livre;
- por outro lado  as decisões como as de Cavaco Silva e sucessores em pagar subsídios aos pequenos e médios agricultores para deixarem de produzir a  troco de uns euros que recebiam: e a Europa haveria de inundar o País com comida produzida por ela, como a França que nunca abdicou - e bem - de usar a PAC para aguentar a sua agricultura familiar.
No primeiro caso domesticaram os Serviços Florestais (SF) que chegaram a estar nas mãos de gente ligada directamente ás celuloses, mas como ainda assim  constituíam um empecilho à liberalização dos eucaliptos, o melhor foi extingui-los. Mais tarde já se sabe qual foi o destino final dos SF, quem é que na "esquerda" mandou os guardas florestais para a GNR e como a direita eliminou a estrutura implantada de administrações florestais e acabou tudo no ICNF-. que voltou a ser adoptado - e de que maneira !- de novo pela esquerda. Nem um Partido Verde  consegue mudar o caos... Ecologia, Ambiente ? Balelas...

No segundo caso começaram por extinguir os serviços de extensão rural, que ensinavam os pequenos e médios agricultores a modernizarem as técnicas de produção e a introduzir melhores culturas e podiam assim estimular gente nova que quisesse ingressar no território que parecia abandonado de propósito para o eucalipto prosperar...
Depois foram as Direcções Regionais de Agricultura que foram perdendo relevância, transformando-se a pouco e pouco em meras repartições de preenchimento de papelada para subsídios.

O Ambiente então tem sido um belo espectáculo, Portugal criou uma  rede de Áreas Protegidas (AP) que podia fazer frente com galhardia a qualquer outro país europeu - alguém quer conhecer o estado de caos que reina nas APs faça uma visita e algumas perguntas em voz baixa...
Os Estudos de Impacte Ambiental (EIA) sempre foram uma burla, como classificou em tempos o Mestre Gonçalo Ribeiro Telles, pois enquanto eles forem encomendados por quem quer fazer uma intervenção, custe o que custar, e não houver uma comissão independente e idónea para os avaliar, percebe-se para que servem. Nunca o descaramento para fazer de conta que se fez um EIA foi tão flagrante como com este Governo e este Ministério do Ambiente (MA) a propósito do aeroporto previsto para o Montijo. O EIA realizado, vejam lá, teve o descaramento de chumbar o projecto - mandou-se fazer outro e seriam feitos tantos até que um  desse certo. Ora, se as condições do estuário do Tejo não mudaram e o projecto também não, porque é que o 2º EIA deu luz verde "com condições" ?...Nessas condições devia estar a colocação de  umas tabuletas ou avisos sonoros para as aves saberem que teriam que mudar de poiso!...
Tantos avisos sérios de especialistas e técnicos de aviação sobre os riscos do aeroporto em plena área de nidificação e habitat de milhares de aves; tantos avisos sérios de especialistas sobre a incongruência de se insistir num aeroporto naquelas condições mesmo depois da pandemia ter revelado que as características do tráfego aéreo vão mudar radicalmente; em vez de se mandar realizar um Estudo de Avaliação Ambiental Estratégica para encontrar a melhor localização para um aeroporto internacional que Lisboa precisa; em vez de se respeitarem os acordos internacionais de Conservação da Natureza (CN) - o MA sabe o que isso é ? -  vai-se construir um aeroporto em pleno Estuário do Tejo, Reserva Natural,  Reserva da Unesco, umas das áreas fundamentais da CN na Europa. E a Europa que vai mandar dinheiro aos milhões para cá, não diz nada?
País de faz de conta...

Há quem ache que a mentalidade de quem governa -seja a actual seja qualquer outra que venha a seguir...-  vai mudar, estimulada agora pelas evidências  deixadas pela pandemia... Não temos, na área das governações  ou no "arco" da governação, gente de fibra capaz de mudar o ciclo da nossa  mediocridade, era preciso um golpe de asa que as águias  adocicadas do nosso universo já não possuem - nem temos massa crítica e cidadania activa para o modificar. 
Estas reflexões  resultam de não acreditar que seja possível, no meu tempo de vida que já não será muito,  modificar a falta de compreensão daquilo que de mais profundo penso que  um país como o nosso necessitava de  empreender - escapar aos elos implacáveis de um liberalismo espúrio e governar de acordo com a grandeza enterrada das nossas capacidades sem com isso nos afastarmos  do universalismo da nossa História de quase novecentos anos.
Vêm aí "paletes" de dinheiro e já se prevê como vai ser gasto. Bem pode o Eng.º Miguel Freitas  falar nas perspectivas de  investir na infraestrutura verde, no mosaico de pastagens melhoradas, na composição silvo-pastoril inteligente e acessível aos pequenos agricultores, num interior renovado  onde agora falta tudo excepto o habitual programa anual de fogos rurais, esses sim a realidade dominante de mais de metade dum território esquecido, ignorado.
Bem se pode falar, como exemplo,  neste Algarve de monocultura turística, do excelente  pêro de Monchique, quase em extinção - serve de alguma coisa ter uma Direcção Regional de Agricultura ? Pergunte-se aos investigadores e técnicos de qualidade que lá trabalhavam em experimentação agrícola, o que fazem agora, o que aconteceu às suas estufas e outras instalações - e por todo o país foi assim. Trabalho que "honra" os Ministros da Agricultura que temos tido e os Primeiros Ministros que os dirigem - todos sem excepção!! Entretanto compramos quivis da Nova Zelândia, pêssegos do Equador ( Vieira Natividade  deve dar voltas na tumba !!),  ameixas do Chile ou da África do Sul. Pegada ecológica? - o que é isso para o novo deus do nosso século , o mercado?!

E só falei de meia dúzia de casos, mesmo dentro dos  sectores da agrocultura e do ambiente - imagine-se o que será falar dos assuntos, outros, deste país que vai receber milhares de milhões de euros para gastar...  
País de faz de conta !











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