domingo, 24 de abril de 2022

Tempo estranho - ou talvez não...

Há situações nas nossas vidas em que não se pode ser  indiferente na escolha do nosso lugar; há que repudiar veementemente os crimes monstruosos perpetrados por ditadores sejam eles de que cor forem, tenham sido os estalinistas, os hitlerianos, os fascistas, os Mau-mau, os kmeres vermelhos, os russos e americanos no Afeganistão, os americanos no Iraque ou no Chile de Pinochet. Temos que nos colocar num dos lados, a escolha dirá muito sobre quem escolhe.

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Todas as gerações devem certamente pensar que tempos estranhos estão a viver. Se olharmos para a História, destacamos vários tempos de grandes mudanças na vida das sociedades e depois uma certa tranquilidade distendida, mais ou menos longa. E por mais que alguns continuem a afirmar que História não se repete, na verdade não se repte exactamente como ocorreu numa certa data, mas repetem-se sequências de atitudes e de factos que despertam reacções semelhantes, mesmo descontando diferentes estádios de cultura e de progresso tecnológico porque, no essencial, os homens reagem hoje como o fazem desde que começou o processo que Teilhard de Chardin denominou de "hominização".  

Costumo recordar, porque é significativo pela antiguidade, o povo que habitava o Tassili N'Ager, no Sahara oriental, para lá dos 7000 aC, quando se deu a entrada do deserto e viu o gado que pastoreava e de que vivia a morrer de fome e de sede - e gravou em lajes as imagens de vacas com lágrimas nos olhos, a arte e o sofrimento intrínsecos à alma humana! E quando pensamos, por exemplo, na ordem dada por Constantino para, de um momento para o outro, proibir o paganismo e impor a religião cristã como sendo a única que poderia ser  celebrada, mandando destruir os templos pagãos - que dramas se terão vivido naquelas populações violentadas.

As gerações que sofreram os horrores da Inquisição, acusadas muitas vezes falsamente pelo obscurantismo de quem tinha o poder nas mãos, devem ter pensado que  o seu tempo era especialmente estranho.

As gerações da Revolução Francesa certamente não tiveram a percepção que, depois dos horrores que a  caracterizaram  e que devem ter sido apercebidos como terríficos,  dali sairia o Estado Moderno e os países onde as suas influências não chegaram  ficaram para trás  e não   saíram do atraso civilizacional, repudiando ou desprezando a democracia - a Rússia foi um desses.

Em pleno século XX ter-se originado uma Guerra Mundial, devia ter aparecido como um horror que nunca mais seria repetido; as gerações desse tempo, e lembro o que dizia o meu Pai, pensavam que o seu tempo era o pior que podia acontecer. A seguir à 1ª Guerra o descalabro galopante das políticas e da economia liberal ou libertina de mercado desregulado conduziu à grande recessão que abalou o Mundo, e as gerações que viveram essa situação pensaram que o seu tempo seria o pior de sempre, com as falências, o aumentar da pobreza, os suicídios, etc.  

O descalabro da economia e o desencanto de milhões de pessoas fez nascer o nazismo e todas as formas de fascismo.

Mas o século XX ainda viu rebentar outra Guerra, a 2ª Mundial, catastrófica, que eu ainda apanhei na minha primeira infância; o nazismo e o fascismo foram derrotados e conheceram-se os horrores, os crimes hediondos  que se pensava que a Humanidade europeia, a mais evoluída tecnicamente, a mais sofisticada, nunca poderia praticar.  Mas aconteceram !! Derrotados os extremismos de direita ficaram os da esquerda - não há desculpa para as purgas, assassínios, deportações e todo o tipo de violências que Estaline e a sua corja exerceram no mundo inteiro - o seu braço conseguiu chegar ao México para assassinar Trostky.

Mas continuaram a existir fascistas, nazis, estalinistas e não me venham com a acusação ( que ainda há dias ouvi) de ser infame comparar os comunistas com os fascistas, porque eu pergunto: nas consequências  práticas para as sociedades, o que é que os diferencia? Partido único, censura oficializada, polícia política, bufos até entre os nossos amigos e familiares ( eu andei pela Hungria, Checoslováquia, etc  e por Espanha e Portugal... eu  observei...), falta de liberdade de expressão e de todas as liberdades individuais, uns em nome do colectivismo e protecção do povo que é quem mais ordena, os outros em nome também da protecção do povo, da ordem e da paz social, etc. etc.

 Do comunismo leninista saíram milionários  escandalosamente poderosos, que não nasceram nos poucos dias de mudança de regime soviético para a pseudodemocracia que se instalou, eles já lá existiam e são hoje a "nata" das grandes fortunas mundiais: mas do maoismo também surgiram milhares de milionários que o regime chinês premeia e a quem  "permite" que sejam ricos, pelos bons serviços prestados...  Qual é a diferença para as grandes fortunas e os grupos económicos super importantes que saíram das ditaduras e regimes fascistas?  Os fascistas proíbem os partidos comunistas, eliminam toda a oposição - e os comunistas não fazem o mesmo ?  Tenham paciência, mas de um lado e do outro da nossa democracia burguesa, as qualidades e os defeitos equiparam-se...

Estas últimas notas vêm a propósito da posição do PCP na actual guerra que a Rússia impõe à Ucrânia. A gente pasma como é que se consegue ser tão obtuso como aquela porta-voz comunista, mulher ainda nova, que não compareceu no hemiciclo durante a prestação de Zelensky ( mas deve ter assistido pela televisão, escondida no gabinete...) porque veio logo de seguida dizer cobras e lagartos - como é que podia dizer tantos dislates seguidos?!! E à noite na TV o patético Jerónimo de Sousa voltou a "zangar-se" por falarem de guerra; não houve invasão nenhuma da Ucrânia, há uma operação militar especial em curso. A gente pasma, em Portugal, neste século XXI, poder-se ser tão ridiculamente absurdo!

O que é que liga um PCP com Putin?  Por um lado dizem timidamente que são contra a guerra, que Putin é chefe de um regime de oligarcas,  e estão-se nas tintas para ele ter proibido outros partidos, por meter na prisão os adversários, mas acusam o Zelensky de inviabilizar os partidos comunistas, por ser apoiado pelos nazis ucranianos, etc- então  quais são as diferenças reais? Os crimes hediondos que ele está a mandar praticar na Ucrânia diferem alguma coisa em grau daquilo que os nazis hitlerianos fizerem aos  mesmos ucranianos, aos russos e a todos os povos que espezinharam e mataram?

O que é importante para mim realçar neste tempo obscuro que vivemos é que estão em perigo as democracias, um pouco por todo o lado - o regime que todos acusam livremente pelos seus defeitos, mas os populismos de esquerda e direita nada diferem no essencial. As proto ditaduras aproveitam-se dos esquemas da democracia e encontram forma de se perpetuarem no tempo deturpando o sentido das liberdades.  Turquia, Venezuela...

Um caso "exemplar" é a Hungria, que eu visitei nos anos 70 do século passado; fiquei chocado com aquilo que vi. Eu que saíra de um país pobre - quem ainda se recorda o que era este Portugal nos anos 60?- encontrei pior que nós, uns húngaros  atrasadíssimos, pobres, sujeitos a uma corrupção escandalosa, a ouvir as kzardas todo o dia e toda a noite nas rádios e nas rua ( em Portugal o regime apostava nos fados e em Fátima) e um amigo  meu francês dizia por piada " a ouvir as kzardas mesmo depois de morto, nos cemitérios...).Talvez isso diga alguma coisa sobre a forma como um Orban ganha sempre há uns 15 anos, e continua a tentar manobrar pelos meios ao seu  alcance o domínio de toda a vida social, jurídica etc. Já na Checoslováquia o sentimento era diferente, havia uma cultura generalizada e uma camada jovem muito activa contra o comunismo e a favor da democracia ocidental - talvez isso ajude a explicar como por lá o populismo não entra tão facilmente,

Hoje temos eleições finais em França, certamente ganha Macron à tangente, como se espera - mas  deve fazer-nos reflectir como é que a  extrema direita tem tanta força no país das luzes e da liberdade. E como desabaram todos os partidos que tradicionalmente suportaram a democracia republicana francesa. Mas a França foi sempre muito ambígua, apesar do papel determinante que maioritariamente teve ao longo dos séculos no sentido da democracia: recordo que em plena guerra contra Hitler o marechal Pétain, que havia sido um herói na 1ª Grande Guerra, se tornou um colaboracionista e tinha com ele milhões de franceses, não eram a maioria, como se viu com a adesão a De Gaule, mas eram muitos.

Merece reflectir um pouco sobre esta democracia que está sob fogo cerrado, numa altura em que fascistas, pró-comunistas ou não,  emergem em todos os continentes. O comportamento imperialista dos EUA, as suas alianças  e as arbitrariedades que tem cometido ao longo de décadas ajudam aperceber alguma coisa, eles próprios sujeitos a períodos negros para a democracia, veja-se Trump. Veremos isso com calma...















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