quarta-feira, 31 de agosto de 2022

 Pelo interior e  Serra da Estrela

Face ao escândalo nacional que foi o incêndio que destruiu uns 25.000 ha da Serra da Estrela, Parque Natural icónico e Geo-Parque Internacional, decidi partir para lá , como já fizera em 2017 por ali e noutras áreas ardidas; mas antes fiz um périplo pelo interior despovoado e que fica  esquecido das bênçãos  do Poder depois de assente o eco  de melífluas promessas que não passam disso.

Aldeias e pequenas vilas no meio do nada, sem agricultura, sem actividades económicas pujantes – que fazem aquelas pessoas por ali? Agarradas ao seu solo, é com um sorrido na face que nos dizem “volte mais vezes, gostamos de receber os visitantes”. Por montes e vales, não faltam cartazes a dizer “Enganados - desde 2017- Abandonados”. Coesão Territorial? Pois ela é  evidente aos olhos de quem por lá passa ( e de quem lá vive…)…

Entrar nas zonas ardidas da Serra da Estrela é um susto. Os canais de televisão que durante semanas encheram os olhos e as mentes das pessoas com o espectáculo de feéricas labaredas, em écran inteiro, deviam assumir a obrigação de voltar aos mesmos sítios e agora, exaustivamente, passarem as imagens menos feéricas das consequências das labaredas.

Graças aos meus contactos com gente que passou a vida, pessoal e profissional, na Serra, percorri os cenários da tragédia. Estive no ponto onde tudo começou a 6 de Agosto, de madrugada, perto da aldeia do Carvalho e de uma casa de guarda florestal que, se estivesse ocupada,  teria permitido dar pelo fogo mais cedo; mas um grupo de pessoas que, pelas 6h da manhã, iniciava uma caminhada, deu com o fogo  que ia  a meio da encosta, coberta de mato e algumas pequenas árvores dispersas – às 8h do cimo da Fraga Grande ( onde também estive) já viram  helicópteros a deitar água na base da encosta mas no excelente aceiro a meia encosta - onde poderiam ter sido posicionados pessoal e equipamento para conter ali o fogo que ainda não subira até lá. não estava ninguém. Claro, depois de ultrapassar aquele aceiro, com sol e vento forte, ninguém mais teve mão no fogo.

Antes os bombeiros quando trabalhavam com os florestais, todos conheciam o terreno, iam ao encontro do fogo onde ele aparecesse, hoje esperam pelo fogo. Tal foi o trauma da estúpida morte de tanta gente em 2017, que hoje a Protecção Civil defende a todo o transe casas e pessoas- o resto é para arder, sobretudo se for “apenas mato” – é o que dizem as gentes das áre4as incendiadas… Ir ao encontro do fogo ou esperar que ele chegue são atitudes diferentes.

Por vezes -muitas vezes, diz quem os viu- os bombeiros ficam horas nas estradas à espera de ordens – a descoordenação já vem pelo menos de 2017…

Percorri dezenas e dezenas de quilómetros por aceiros e outros acessos entre paisagens de terror, negras e calcinadas; fizeram-se trabalhos inúteis por terem sido mal orientados, como abrir corta -fogos de qualquer maneira – não se abre um corta fogo aos zig zags pois  não serve para nada, e junto a Verdelhos poderiam ter aberto o aceiro correctamente, o relevo permitia… Aldeias como  Sameiro, Verdelhos, Vale de Amoreira, Valhelhas, etc, ficaram rodeadas de fogo, está tudo calcinado em volta -  só escaparam  e estão verdes os pequenos terrenos cultivados. Nesta área da Serra há pelo menos 4 casas de guarda-florestal abandonadas...

O maior problema do Parque Natural é o despovoamento de moradores e de guardas e vigilantes.  Antes, quando estava "tudo mal", o Parque começou (ainda gora se voltou a falar do assunto por gente que o conhece bem) tinha um Director que era o responsável directo  por tudo o que se passava, e um Conselho Geral constituído pelas Câmara Municipais, Juntas de Freguesia e Serviços Regionais,  onde se preparavam todas as acções a implementar; depois vieram uns sobredotados que criaram a (des)orgânica caótica que levou ao abandono: nunca se cumpriu o plano de ordenamento, deixaram de apoiar os produtores de queijo artesanal e os rebanhos – um ilustre antigo técnico ainda agora me citou o Prof. Francisco Caldeira Cabral que  há 50 anos dizia que, se queriam ter mão nos incêndios, mantivessem o gado na serra.   Sem o Parque Natural a funcionar em pleno, não se ordenou a serra, como estava previsto, com agricultura de montanha, pastagem e folhosas, deixou de se apoiar o melhoramento do cervum, quando o parque natural foi ao encontro da população que protestava contra o empinheiramento dos baldios – o padre Morais, de Folgosinho, foi um dos grandes líderes dessa justa contestação.

As folhosas são fundamentais e mais uma vez fica demonstrado: um povoamento de azinheiras na Abitoreira foi afectado, mas cerca de 70% vai sobreviver tal como os castiçais; o núcleo de castanheiros da Cova tiveram o fogo em volta durante 2 dias, chamuscaram o primeiro renque, mas o fogo deixou-os verdes. Um pequeno parque de campismo rústico, na zona de Verdelhos, com magnifica floresta bem tratada e rodeada por áreas de pastagem usadas pelas ovelhas e cabras, viu o fogo andar em roda e não lhe pegou. Exemplos que deviam ser tidos em conta agora, já que o não foram nas ultimas décadas.

Algumas pessoas das terras visitadas disseram que tinham gostado das palavras do Ministro do Ambiente que, ao contrário do antecessor, lhes pareceu sinceramente receptivo à mudança; mas isso veremos, porque ele não ligou nada ao relatório do Observatório Independente presidido por um conceituado Prof. Catedrático de Silvicultura, e que propunha mudanças significativas. E agora acaba de ser anunciada outra Comissão, com 17 Entidades entre eles 8 responsáveis máximos de organismos do Estado – alguém acredita que os responsáveis vão pôr os seus lugares em causa para proporem as tais mudanças que seriam indispensáveis? Custa a crer.

Quando ao fim do dia estava de regresso, a descer para Folgosinho, passou por mim um carro de bombeiros a subir a serra, e via-se uma coluna de fumo lá ao longe. Outra vez ?

Capacitem-se de uma coisa: se o sector agro-florestal não for completamente reformulado, se a politica de Ambiente não for antecipativa e preventiva ( com Conservação e Ordenamento do Território em consonância. que hoje não existe porque se calhar "não convém")), se não se acabar com a estúpida ausência da quadricula de defesa e  vigilância permanente das áreas florestais com pessoal capaz a habitar nas serras se não houver uma politica florestal nacional e independente dos interesses das celuloses ( sem as esquecer, obviamente)- o país irá  continuar nesta sucessão anual de tragédias e de abandono.

E dispensam-se frases de arrogância - no mínimo de optimismo irritante- daquela senhora ministra que assegurou que o Parque Natural da Serra da Estrela vai ficar muito melhor do que era antes – então se sabe fazer melhor, está há sete anos no Governo, porque é  que não  fez antes? Vai ficar tudo recuperado até 2032? Os meus netos estarão cá para ver…

Com vários Parques Naturais a serem varridos pelo fogo - os planos de ordenamento das Áreas Protegidas não são compatíveis com eucaliptais... - volto a expressar aqui um voto lancinante: metam vigilância dia e noite  no Parque Natural da Arrábida onde aquelas  formações mediterrânicas são uma preciosidade!!





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