sexta-feira, 12 de agosto de 2022

 Fogo na Serra da Estrela

Na Serra da Estrela já lavra desde sábado dia 6, um fogo que começou às 3h da madrugada, certamente iniciado por um fundo de garrafa de vidro que amplia os raios de sol que nele incidem - uma habitual razão para os fogos...

Eu ontem já ia de mala dentro do carro e reserva de hotel para 2 noites, em direcção ao Parque Natural que criei em 1977, já parece nas calendas gregas, e com  o contacto do José Maria Saraiva que fora Vigilante do PN desde a sua formação e é agora Presidente da Associação dos Amigos da Serra. Eu gosto de falar das coisas com conhecimento dos factos e das pessoas  e não  falar de bancada.

Começado perto da Covilhã já deu a volta por Manteigas ( lá se destruiu uma parte do vale glaciar), queimou o vale do Mondego ( hei-de visitar a nascente do Mondego, para ver se escapou) e ontem já estava junto a Carrapichana, na EN 17 e às portas de Celorico da Beira; afinal hoje de manhã, às horas a que escrevo,  ainda continua e talvez ainda passe para Mangualde - é  uma pouca vergonha.

Já ia  na estrada quando consegui falar com o Saraiva, fez-me "uma festa" por eu me lembrar  e ele então aconselhou-me a não ir  já porque  vai querer mostrar-me tudo o que ardeu e agora nem a ele deixam passar. Mas conversámos um bocado e não vou deixar aqui tudo o que ele me contou se bem que esteja disposto a dar a sua opinião quando for preciso ( quando o arqº cá vier vai ver o que tenho para dizer...).

E recordou como o fogo começou, numa encosta de mato, que se fosse no "nosso tempo" o engº Farraia mandava logo apagar, pois mal raiasse o dia a situação ainda era reversível (de resto nesses tempos não havia assim em Portugal muitos fogos que começassem de madrugada, havia ocupação de casas de guardas florestais por todo o lado e alguém que se deslocasse a horas mortas tinha muitas as probabilidades de ser descoberto); mas desta vez foi dito que deixassem arder porque era apenas mato - claro, com o vento de feição e as matas sem limpeza alguma, foi um rastilho que dura até hoje.

A incapacidade de conter o fogo em certas linhas que facilitam os corta fogos ( diz ele que a Protecção Civil agora não faz fogo corta-fogos - digo eu devem ter medo, não sabem fazer... ou não fazia parte dos cursos de emergência que tiraram). 

 Recordo-me do último grande fogo de Monchique, que fui lá tentar perceber, em que andaram quase uma semana a ver progredir o incêndio para sul, podiam posicionar-se na linha de festo da Fóia e faze-lo parar ali, mas não foram capazes; tinham lá  carros de bombeiro parados e as máquinas de rasto também paradas, não souberam limpar  uma faixa aí de 100 m de largura onde o lume não progrediria e onde podiam fazer um corta-fogo...e deixaram passar o fogo para a encosta sul. O que é isto se não incompetência ? E no fogo de Castro Marim aqui há pouco tempo? Terreno plano, só de mato rasteiro e arbustos, deixaram que o incêndio chegasse à Mata  Nacional...

E o Pinhal de Leiria ? Depois do desastre, ainda cheguei até às casas dos guardas florestais, fechadas, com dois tractores ao lado que tinham  ardido, e não tive coragem para entrar pela mata ardida dentro - passei ali os primeiros anos da minha formação florestal ...assisti a pequenos focos de incêndio  ao longo dos anos, mas agora não tive coragem para continuar pelo  ex-pinhal dentro e ver aquela destruição - psicologicamente fui abaixo e voltei para trás. É como diz o Jorge Paiva, são tudo crimes - e apesar serem devidos a  decisões e indecisões dos "comandos" com fartos cursos de combate a fogos e medalhas e galões a enfeitarem as fardas, e também  dos  governantes competentíssimos que lhes dão poder, ninguém é julgado.  "Antigamente" - lá vem a lenga lenga do passado...- os bombeiros recebiam ordens dos seus próprios comandos e dos administradores florestais que conheciam cada palmo de terreno. Pequena mas grande diferença.

Na Serra da Estrela mais uma vez havia bombeiros fardados, nas estradas, à espera de receberem ordens para avançar. As ordens, quando já está escuro e o combate aéreo não se pode fazer, são para defender as povoações e  casas isoladas e evitar a todo o custo que haja mortes,  tal foram as tragédias anteriores  - lá que ardam mais 1000 ou mais 10.000 hectares não faz mal.

Logo que eu  "tenha ordem " para avançar, lá irei ver o Parque Natural da Serra da Estrela - que já foi a jóia da coroa de um projecto de compatibilizar a conservação da biodiversidade com a economia e a cultura locais, numa visão de participação das pessoas e das suas autarquias de forma ordenada e em prol do interesse nacional - destruído... destruído, primeiro pela incompetência de quem fez as novas orgânicas dos Parques e depois, agora, pelo fogo, no altar em louvor da Incompetência Nacional tornada  indiscutível ( qualquer dia calam-nos aboca, maiorias absolutas dão para tudo).

Fico por aqui.

PS- Já se contratam assessores de Ministro com vencimento superior ao do Primeiro Ministro ( ainda há-de vir algum com vencimento igual ao do PR). tudo legal, transparente, já não vale a pena tentar disfarçar, a maioria absoluta dá para isso e muito mais). E num MAI cada vez mais poderoso, como convém a uma democracia musculada (lembram-se quando se chamava Ministério do Interior?...), não fiquemos admirados de ver surgir mais ordens legais, democráticas e apoiadas pelo Parlamento...







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