A propósito da guerra
Uma invasão de um pais europeu por outro que é mais euroasiático do que propriamente europeu ( por mais que eles se torçam...) em pleno século XXI, só pode ser entendido como um acto terrorista de um Estado com regime pária, manifestação de um imperialismo cego e insultuoso que tem de ser contida por todos os meios.
Tenho pensado em como é espantoso perceber como a História tem tanto peso com o passar dos séculos. Os povos ocidentais, europeus mas que não conheceram o Renascimento continuaram mergulhados nas condições morais e sociais duma Idade Média que se prolongava; foi com o Renascimento, que se corporizou na Itália e nos países meridionais europeus, os quais também já tinham a herança grega e romana e os avanços da filosofia, tal como as primeiras noções de que poderia obter-se, se os povos assumissem por si o domínio do Poder, um regime mais avançado, a democracia. Por isso uns séculos depois esses mesmos povos do sul conheceram o Iluminismo e a Revolução Francesa que, com horrores e contrariedades, trouxeram o Estado moderno que se expandiu, para o mal e para o bem, para toda a Europa - mas ideais esses que não passaram para lá das estepes !... Os povos eslavos e russos continuaram arredados das práticas democráticas e da justiça social. Mesmo os povos germânicos só mais tarde alcançaram e vivenciaram o conhecimento dessas luzes de avanço espiritual - e a tal ponto que na educação dos alemães passou a incluir-se com paixão o conhecimento do latim e do grego, que levou estudiosos e académicos alemães a serem dos primeiros a estudar, a escavar e a interpretar as civilizações mediterrânicas.
Quando Catarina a Grande chamou Diderot e Rousseau para São Petersburgo só ela e uma pequena elite ilustrada tiraram algum proveito do contacto com esses enciclopedistas; as suas bibliotecas continuam no Palácio do Hermitage. Mas não chegou nada ao povo russo e aos povos vizinhos. Quando os sovietes implantaram o comunismo, os camponeses ainda eram servos da gleba, medievais, sem direitos nem propriedade fosse do que fosse, eram eles mesmos pertença dos latifundiários que dominavam as sociedades russas e vizinhas - como hoje quem domina, saídos do comunismo, são os oligarcas que de que ouve tanto falar agora....
O que está em jogo nesta invasão da Ucrânia pelo psicopata Putin é essencialmente uma reacção de terror, de temor, que as ideias ocidentais de democracia, de liberdade, de vida em regime de Estado Social de Direito que eles apelidam de burguês ( mas vida que os oligarcas praticam entre si...) se propagassem pela imensa população russa que nunca conheceu a liberdade como nós a conhecemos, essa é que é a grande questão. O objectivo imperialista de Putin e dos seus oligarcas é reconstituir o seu império, já não como marxista leninista mas como, dizem eles, nacionalista russo, continuação da Santa Mãe Russa que os ilumina porque ilumina os poderosos e estes instilam nos milhões de seres humanos que não podem ter outra voz. Quando algum tem a veleidade de se dedicar a lutar pela democracia.,. perguntem ao Navalny o que acontece...
Mas nesta guerra suja imposta por Putin à Ucrânia, o que se percebe é que Putin foi enganado pelos que rodeiam: como a invasão da Crimeia quase não levantou senão protestos de circunstância, devem-no ter convencido que com o resto da Ucrânia seria o mesmo. Mau estratega. Mas lembremos que a Crimeia foi sempre russa, até que um dos manda-chuvas soviéticos ( talvez Krutchev, não recordo bem) ofereceu aquela região à Ucrânia. As "amplas liberdades do povo e dos trabalhadores" dava para isso, para oferecer parte dum país a outro pais em nome da solidariedade internacionalista.
Ora os nossos comunistas, pelo menos os seus manda-chuvas e alguns intelectuais envergonhados de esquerda, como aquela cronista Carmo Afonso no Publico, fazem um contorcionismo impressionante com as palavras para não condenarem os russos e atiram sempre as culpas para os dois lados, mesmo que um seja invasor e o outro invadido, repisando as guerras imperialistas dos EUA ao longo dos tempos; claro que não citam idênticas guerras feitas pelos russos - só para lembrar algumas, a invasão do Afeganistão para impor o comunismo, que incendiou aquele país até hoje, e de onde fugiram com o rabinho entre as pernas, as carnificinas feitas na Chechénia, na Geórgia e na Síria (onde aqui impuseram a paz...). Ler uma crónica da referida cronista e ouvir, na mesma semana, a entrevista radiofónica do Jerónimo de Sousa, pareciam episódios da mesma cena, o mesmo impulso de dar a volta às palavras.
O tipo de guerra que os russos estão a fazer é uma guerra suja e covarde- não têm coragem para enfrentar no terreno os ucranianos porque perdem sempre e então bombardeiam de longe e destroem centrais eléctricas, escolas, edifícios de habitação e abastecimentos de água- acham sinceramente que o Hitler faria melhor?
Do lado de Zelensky nem tudo é limpo, mas o que "eles" não perdoam foi a revolução de 2014 em que correram com o governo pró-comunista e pró russo. Inviabilizaram depois alguns Partidos, incluindo o comunista ? E na Rússia quantos partidos de oposição existem? Mas o uso e abuso dos argumentos a favor do nuclear começa a ser preocupante, porque se Putin é psicopata e capaz de tudo, também Zelensky - se não for travado pelos líderes mundiais moderados- pode querer, como já deu a entender, antecipar-se.
O mundo está numa espiral de loucura colectiva e nunca as nossas democracias estiveram tão em risco. Dizemos democracias ocidentais, mas elas existem também no Oriente, como Coreia do Sul, Japão, Austrália, Nova Zelândia... No ocidente, por exemplo na América Latina, a prática democrática dá regularmente lugar a autocracias terríveis- mas até os EUA estão ameaçados por um Trump e quase metade da população que vota nele.
Que tempos nós vivemos!! Sabemos que a noção de "ocidental" e "oriental" é europeísta, mas penso que a Europa sempre teve esse papel definidor; não se trata de maior ou menor cultura trata-se efectivamente de um domínio civilizacional que levou os europeus pelo mundo fora.
Apesar das dificuldades que hoje se atravessam eu continuo a pensar no papel de evidência cultural que a Europa desempenha no mundo - e passadas que sejam as crises de "velhice", continuará a desempenhar. Mesmo com esta guerra suja que está a afectar todo o mundo com fome e pobreza. sobretudo os países mais vulneráveis - agradeçam isso à democracia russa. Não se pode é ficar indiferente e não tomar posição, mesmo sabendo das faltas do lado de cá.
Imagine-se agora se esta situação dos russos contra ucranianos acontecia durante a gerigonça do António Costa - que sorte este tem tido sempre, hem?
Conclusão: os nossos regimes de democracia liberal ( que não significa de liberalismo) são os mais apurados regimes que os seres humanos já criaram para equilibrar a harmonia e a paz entre ricos e pobres, entre patrões e trabalhadores - desde que exista uma regulação honesta das leis do mercado. Será que a Carmo Afonso, e os outros intelectuais de esquerda envergonhada que podem escrever e falar o que lhes apetecer e irem dormir tranquilos para casa, preferiam o regime "democrático" do Putin e a sua "voz do dono " como lei??Será que a paz e o fim ao armamento que estão sempre a apelar quer dizer outra coisa senão que devemos deixar de dar armas à Ucrânia para a Rússia a esmagar e assim termos paz - é esse o entendimento? Então que o digam sem contorcer as palavras e nós ficarmos todos esclarecidos. E a vergonha do exército russo, um dos mais poderosos do mundo, a ser derrotado ruidosamente há mais de 6 meses, não lhes diz nada sobre o quão podre está aquele regime? Coitados...
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