quinta-feira, 16 de agosto de 2018






04/07/016

Serviços Florestais e
Conservação da Natureza
Assuntos aparentemente menores, que não ocupam grandes espaços da comunicação social, seja escrita ou audiovisual, e por isso têm pouco impacte na opinião pública, podem porém ser   matérias da maior importância em termos de futuro, de longo prazo – aspectos de que as governanças portuguesas são pouco adeptas. O curto prazo  é muitas vezes mais importante que uma decisão sábia de longo termo.
A extinção dos Serviços Florestais levada a cabo pelo Governo PSD/CDS não levantou  qualquer reacção pública; o afastamento entre os cidadãos e a res publica,  desejado e promovido pelas derivas liberais daqueles partidos, conduziu ao encolher de ombros da maior parte das pessoas.
Os Serviços Florestais, no entanto,  eram um organismo que vinha desde o séc. XIX, e não há país nenhum no mundo, com uma grande área florestal, que não possua o seu Serviço Florestal, muitas vezes  até transformado em ícone  da Administração Publica.
Já antes , num governo “socialista”, tinha começado o desaire – a extinção do Corpo de Guardas Florestais, com a passagem do pessoal para a GNR. Foi uma medida gravosa que, tanto quanto me lembro,  passou ao lado  da opinião pública e ninguém com estatuto público relevante debateu o assunto.
Os guardas florestais e em especial os velhos Mestres Florestais, eram depositários de sabedoria e de bom senso que hoje em dia seriam tão preciosos; eles não eram meros polícias para serem pura e simplesmente incorporados na GNR – eram agentes da defesa e da protecção das matas, vigiavam o estado de limpeza, obrigavam os proprietários a procederem a limpezas, e por isso não deveriam receber ordens de qualquer tenente ou  sargento da GNR, sem desprimor para estes, é claro, mas precisavam de ser enquadrados pelos engenheiros florestais que com eles formavam uma cadeia de conhecimentos e de atitudes de intervenção no território.
Esta sabedoria dos velhos Mestres, perdeu-se  e mais uma vez devemos ser o único país do mundo com florestas que não tem um Corpo específico de Guardas Florestais,  e essa medida insere-se no pensamento liberal que desde o “socialismo liberal”  até hoje tem vindo a dominar a vida pública.
 Bastava que surgisse uma pequena coluna de fumo no horizonte e havia quase sempre um posto de guarda florestal que a avistava, o que permitia atacar os incêndios das matas e impedir que assumissem grandes dimensões. E hoje? Bem, parece que   esta prevenção dos incêndios causava grande transtorno aos lobbies dos negócios dos meios aéreos e outros  que movem muitos milhões de euros, e envolvem gente graúda. O Corpo de Guardas Florestais e a rede de postos florestais eram incompatíveis com a ”liberalização” do Estado – menos Estado melhor Estado, como se tem visto …
Não tenho dúvida  que era a mais eficaz e mais barata forma de prevenção dos fogos florestais, e só a falta de peso “lobbista” dos florestais possibilitou o seu fim-.
E então houve um génio da política, que já ficara conhecido por causa do queijo limiano, que chegou a Secretário de Estado daquilo que, presume-se… ele devia saber mais – florestas, natureza, etc…- e resolve retirar os Serviços Florestais do Ministério da Agricultura onde sempre esteve e com o beneplácito dos outros governantes, todos eles interessadíssimos nestas coisas,  enfiou-os no ICN, o organismo que sucedeu ao Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico  que, desde a Revolução de Abril de 74 , incarnava a mudança de conceitos nas políticas portuguesas, fazendo da Conservação da Natureza não um simples ornamento de qualquer Ministério, mas antes um dos pilares fundamentais das políticas de Ambiente e de Ordenamento do território…
Com estas jogadas,  passou-se o encargo dos ordenados dos guardas florestais para o orçamento da GNR  e mataram-se dois coelhos com a mesma bengalada : por um lado facilitou-se o negócio do combate aos fogos florestais, sem a intromissão dos tais vigias que não deixavam que os fogos progredissem, por outro diluiu-se o poder de intervenção do ICN dando a impressão que até aumentava a sua importância. Instalou-se nele a confusão e ingovernabilidade, mas qualquer  funcionário que fale nisso …já não há PIDE mas há quem escute e informe os chefes, escolhidos a dedo como convém.
E este aspecto do ICN merece reflexão.
A Conservação da Natureza desde há décadas que deixou de ser encarada apenas como protecção da Natureza, ela é um processo , melhor  é uma política nacional  de gestão dos ecossistemas. E como política nacional, para ser eficaz, deve ser transversal a todos os sectores da economia que interferem directamente com o território e com as paisagens : agricultura, florestas, energia, rodovias, indústrias, etc. Todos os sectores da economia devem ter uma componente conservacionista, mas o organismo que tutela a Conservação tal como toda a política de Ambiente, deve ser independente dessas actividades sectoriais.
O que não deixa de ser estranho é que hoje as Áreas Protegidas que incluem parques naturais e reservas naturais algumas delas consideradas Reservas da Biosfera, estejam sem director próprio   - é  também uma especificidade portuguesa , instituída pelo Governo do PSD/CDS (estranho  PSD , onde já militaram algumas das personalidades mais marcantes da política de Ambiente, que hoje  parece que desistiu dessa vocação).
As APs não servem apenas para  proteger  o lobo, o lince, etc; elas deviam ser modelos de economia social e exemplo para o restante território.
Nestes domínios havia algumas decisões que  se esperava fossem tomadas pelo actual Governo PS, ainda por cima sustentado por partidos de esquerda,  incluindo Os Verdes : um, que fosse recriado o organismo que faz parte do património administrativo português - os Serviços Florestais, voltando a conceder-lhe a dignidade a que tem jus, voltando a pôr em campo o Corpo de Guardas Florestais, enquanto resta alguma memória do seu contributo patriótico; dois, que os Serviços Florestais voltem ao Ministério da Agricultura que já tem de novo a designação “e Florestas”, mas só o nome…; terceiro, que sejam redignificados o ICN e as Áreas Protegidas,  a quem o novo Ministro já disse que directores não é para já, como se isso fosse uma questão menor!
Eu sigo a comunicação social, mas pode ser falha minha, porém acho que a opinião publica, as ONGs ambientais, os especialistas, todos vivem mais ou menos calados sobre estas matérias que afectam o correcto ordenamento do território: o Jorge Paiva lá consegue de vez em quando que lhe editem um artigo no “Publico”, a Luisa Schmidt lá escreve umas  crónicas no Expresso, mas parece que por ser politicamente incorrecto, mais ninguém  aparece a defender estas causas. Ao que nós chegámos…
F Pessoa

Fernando Santos Pessoa  -  Monte   Gaia. Azinhal e Amendoeira - 8005-414 Faro
Ex-Administrador Florestal
Fundador e 1º Presidente do SNPRPP
Prof. Ass, UAlg Cv. Ap



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