quarta-feira, 10 de março de 2021

 A democracia é frágil

Não podemos pensar só na peste que nos caiu em cima neste ano da (des)graça de 2020 que findou, já bastam as parangonas dos jornais e as exclamações bombásticas de alguns pivots das televisões, que causam uma atmosfera de susto e de quase paranóia, tanto quanto causam  cada vez mais o encolher de ombros de muita gente farta deste clima e destas regras que, sendo indispensáveis, se tornam opressivas e perturbam  a sensibilidade em largos sectores da sociedade.    Pensemos em outros assuntos...

 A democracia é frágil e  sofre as consequências das suas fragilidades que são também a sua razão de ser. Por ser permissiva e aberta aos confrontos de ideias, mesmo daquelas que a querem destruir, torna-se em muitos casos vítima de si  própria.

Há cada vez mais países no mundo que se revelam incapazes de sustentar a democracia que foi criada e desenvolvida sobretudo na Europa e  estendida a vários continentes. Uma sociedade para receber e aceitar viver em democracia tem que ser exigente naquilo que se ouve dizer à boca cheia, a ética, mas que  em muitos casos não passa de retórica. Há países onde se tentou implantar a democracia mas onde a sociedade não estava maioritariamente consciencializada para isso; veja-se  "Primavera árabe" sonhada por algumas elites europeizadas  mas nitidamente minoritárias, naquilo em que resultaram. Tirando a Tunísia, de mais forte influência francesa  e pouca população, e onde lá se vão aguentando as instituições democráticas embora com alguns solavancos, em todos os outros países  as ditaduras voltaram a impor-se; no Egipto a Irmandade Muçulmana ganhou as eleições com larga  vantagem para logo de seguida começar a impor a sharia e os demais preceitos islâmicos - resultado : o regresso dum ditador, única forma de manter o país dos faraós em ritmo de cruzeiro.

Na Europa é flagrante  a falência da democracia na Rússia e em muitos dos países que durante décadas estiveram sob a alçada da União Soviética.  A Revolução Francesa que, para lá dos seus excessos foi fundadora do Estado Moderno, nunca  chegou às estepes russas; Catarina "a Grande" ainda  tentou, convidando para sua Corte os filósofos franceses mais proeminentes, mas a nobreza feudal não deixou e os camponeses continuaram como servos da gleba até á revolução bolchevique.

E os países da Europa oriental ensaiaram mas não conseguem aguentar a democracia, já não falando naqueles que ainda ficam a satelizar a Rússia, como a Bielorussia e a Ucrânia, mas outros que tentaram modelos "ocidentais", veja-se a Hungria, a Polónia, a Eslovénia... A submissão à ditadura do proletariado durante décadas, precisamente quando a Europa ocidental ia melhorando e evoluindo nas suas  práticas  de liberdade e abertura democrática, moldou as mentalidades e os resultados estão à vista.

E até os EUA, padrão da democracia ocidental, que se alcandoraram ao primeiro lugar das potências mundiais cultivando a democracia,  até aí passaram-se quatro anos de  tentativas absurdas de subverter o regime por um Presidente paranóico, exemplo e estímulo para outros fantoches em todo o mundo. É o que está a vir à tona de água depois de décadas de  uma globalização neoliberal que tem tentado eliminar ideologias e deixar que os mercados funcionem em roda livre.

Depois da queda do bloco soviético recorda-se que surgiu um guru liberalista,  Fukuyama, a proclamar o fim da História  - já não haveria mais direita nem esquerda, apenas  a liberdade dos liberalistas e os seus mercados livres também, O mesmo arauto dizia em 2019, numa entrevista, que nunca esperou que o sistema que ele defendia gerasse tanta desordem e permitisse a eleição dum Trump; e atribuía uma das razões para isso acontecer à incapacidade da esquerda democrática ocidental de reagir e se ter deixado  influenciar pela ideologia do mercado.

Vamos continuar a pensar nestas coisas...








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