quarta-feira, 3 de março de 2021

Aeroporto no Montijo - continua a saga ridícula

Ai temos de novo um escarcéu dos diabos porque a ANAC chumbou a construção do aeroporto - antes tivesse chumbado pelas razões técnicas que àquela entidade competem, depois de apreciar correctamente o projecto. A ANAC  apenas se recusou liminarmente a apreciar a questão  por legalmente existirem Municípios que se opõem : por esse motivo  a Autoridade da aviação civil decidiu "indeferir o  pedido de apreciação prévia da viabilidade de construção do aeroporto complementar no Montijo apresentado pela ANA". Talvez seja uma posição institucional correcta, mas é dar mais uma oportunidade aos dois Partidos do "arco do Governo" para alterarem a lei que, na verdade é um contra-senso - fazer depender da aprovação de uma Câmara Municipal uma obra, seja ela qual for, considerada de interesse nacional. Depois da lei revista, se verá...  Isto é o que  também  nos deve preocupar

Realmente andar há uns 50 anos a discutir a localização do aeroporto, é típico da incapacidade  política dos nossos governantes, todos eles, para aceitarem razões técnicas contraditórias de decisões que se querem tomar por interesses colaterais fortes, em regra os grandes negócios...

O Presidente da ANA, que sabemos ser uma peça forte do PSD, vem dizer que construir o aeroporto em Montijo demora 2 a 3 anos e se for em Alcochete demora uns 6 a 8 anos ( e se for preciso ainda se dirá um número de anos  maior...) e, exclama,  não podemos esperar!! Tal é a pressa, hen? Quando é do conhecimento geral que a aviação vai levar muitos anos a retomar  algo de parecido ao que era antes da crise pandémica, é mesmo a altura de perguntar : qual é a pressa?

Do Governo e do seu competentíssimo Ministério do Ambiente e das decisões a favor do que é bom para o Ambiente, como em regra de todo o PS para quem ser ambientalista deve ser um  luxo desnecessário, nada podemos esperar se não voltar a  encomendar outro Estudo de Avaliação de Impacte Ambiental... A primeira AIA sobre o Montijo chumbou o projecto,  e embora nem a situação do estuário tivesse mudado nem o projecto, fez-se outra AIA e essa já foi favorável - mas faziam-se quantas fossem precisas até que uma desse certa...

Claro que, desde há muitos anos, quem se interessa pelas questões ambientais sabe e defende que deveria ter sido feita uma Avaliação Estratégica Ambiental, entregue a uma entidade independente e credível ( difícil...)  porque uma análise dessas dependeria sem apelo qual a localização mais adequada em termos de economia, de ordenamento do território e de problemas ambientais.  

Porque é ainda difícil para esta gente, mesmo vivendo em pleno século XXI,   aceitar que o mais importante na localização de uma infra-estrutura como um grande  aeroporto  sobre um Estuário que por sinal é  Reserva da Biosfera (mais  uma bagatela para os "produtivistas"...) que o mais crucial na tomada de decisão serão mesmo os problemas ambientais - e espera-se que a palavra final da UE  (que teremos que aceitar já que queremos solidariedade europeia em tudo, e ainda bem!!...) terá certamente esse sentido.

A Reserva Natural do Estuário do Tejo é uma preciosidade que temos no nosso País, tal como a vizinha  do Sado, e é uma das mais relevantes áreas europeias como habitat  para  dezenas de espécies de aves aquáticas, além de ser um testemunho da qualidade ambiental da região que beneficia todo o Centro do País.

Não são uns quantos passarinhos como depreciativamente alguns tecnocratas e políticos de carreira garantida costumam afirmar; são aves aos milhares e de diversas dimensões,  e construir um aeroporto em cima destes habitats é simplesmente criminoso e inconsciente,  e demonstra grande menoridade intelectual de quem a defende também por razões de outra ordem e é dessas outras razões que se espera a ANAC venha a ter opinião decisiva.

Não há forma de afastar as aves do local, a não ser dizimando- as e essas aves, muitas de grande porte, constituem um perigo real para os aviões, quer ao descolar quer ao aterrar,  pela possibilidade real de elas interferirem com os motores a jacto e provocarem acidentes.  Já se escutaram relatos de aparelhos que fizeram aterragens de emergência por terem colidido com aves,  e posso suspeitar que haverá muitos outros casos que não chegam ao conhecimento público. 

Agora imagine-se com um tráfego intenso de aviões a sobrevoarem o estuário, a intranquilidade que isso provocará na avifauna.  Vimos em dada altura dois pilotos da aviação civil virem à televisão denunciar isto mesmo, o risco da aviação naquelas condições-  não seria altura de voltar a ouvir os profissionais que voam aos comandos dos aviões e que, melhor que ninguém, sabem o que pode acontecer? Ou é melhor não os ouvir ?

Este é um dos aspectos em que a opinião da ANAC será indispensável - não por causa dos Municípios que estão contra.

Ainda sob o aspecto ambiental, protesta-se e com razão contra o ruído e o incómodo psicológico criado  na população por tantos aviões a sobrevoarem Lisboa de e para a Portela. E então os milhares de pessoas que vivem nas imediações do Montijo? Esses já podem suportar os mesmos incómodos que se querem retirar aos lisboetas ? Ou convencem-nos que as "medidas  de minimizar" os efeitos venham a criar um paraíso para quem ali vive? Tretas que sabemos não passarem de eufemismos e sem efeito prático - colocam escudos anti som,  melhorias das condições das habitações, e mais o quê ?

Por fim ainda outra série de problemas que não me compete mesmo valorizar, mas ouvimos todos na altura em que discutia o Montijo :  alguns prestigiados engenheiros civis falarem das dispendiosas e difíceis obras de engenharia sobre o estuário, para consolidar as áreas das pistas, sobre grandes profundidades de lodos e sem um fixe próximo - certamente são graves problemas a ter em conta.

Bom, por esta pequena amostra se vê que uma Avaliação Estratégica Ambiental assume grande responsabilidade e não pode repetir-se a cena de, se esta der negativa para Montijo, faz-se outra...  Que tal encomendar a uma entidade internacional credível?





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