O mal está presente no mundo, com exibições inadmissíveis em qualquer idade, mas absolutamente intolerável no século XXI. Estamos logo a pensar na guerra que um estupor chamado Putin impôs á Ucrânia e por muitos "mas" e "se" que os que se manifestam contra o "pensamento único" ( aquele que acusa a Rússia sem culpabilizar os EUA, a UE e a Nato que, por mutos defeitos que tenham e muitas intervenções desastrosas que fizeram, neste caso não invadiram a Rússia nem sequer a ameaçaram directamente) fazem malabarismos à escrita ou ao discurso, como o velho Jerónimo e os menos velhos Ferreira ou Oliveira só para não culparem directamente o comunista disfarçado que é Putin - dirigente do KGB, figura maior da URSS, imperialista ( quem é contra os imperialismos?...). E quem disser estas coisas e anticomunista primário ( ou secundário, ou terciário...) Muito mais grave que a guerra em si é a guerra suja que é praticada, é o mal personalizado, e embora exista contra-informação dos dois lados, as imagens cruas e os depoimentos dos desgraçados que escaparam à morte esses não mentem. Os misseis atingem os hospitais e centros de saúde - são alvos militares ? São atingidos como "danos colaterais? É apenas o mal, puro e negro.
Mas longe de nós há outras manifestações do mal nos seus piores excessos, mas aos quais damos menos valor : no Iémen há mais de 10 anos que se mata friamente, já morreram 233 mil pessoas, lá existem 2,3 milhões de crianças a morrer de fome - e é a "democrática" Arábia Saudita apoiada pelos EUA; na Etiópia há uns dez anos que se luta internamente, a par de fomes e secas que dizimam populações sem apelo nem agravo; em Mianmar para além da violência sobre civis que a ditadura inflige, há uma guerra há décadas, que eu conheci quando lá estive há uns 10 anos, que é a do povo Karen dividido com a Tailândia pela fronteira arbitrária imposta pelos ingleses ( como em várias partes do mundo onde há hoje conflitos); e como lutam pela sua independência são dizimados, as aldeias nas montanhas são destruídas e ninguém no mundo se rala com isso. O povo curdo, com milhões de pessoas, é um dos povos mais perseguidos no mundo, desde há séculos porque nunca tiveram ninguém com projecção internacional que os defendas: têm língua e cultura próprias e mais uma vez os ingleses estabeleceram fronteiras do Iraque, da Turquia e da Síria ( aqui com os franceses), sem terem em conta os curdos que ficaram repartidos pelos tres países. Claro que hoje são terroristas e a Turquia faz uso disso para se opor à entrada da Finlândia e da Suécia na Nato porque o partido curdo revolucionário tem sede na Suécia. E por aí fora não faltam conflitos de pura malvadez na Síria, no Haiti, no Afeganistão, nos países africanos atacados por islamitas radicais que matam cruelmente as populações civis. Ninguém quer saber.
Liberdade, democracia, república (cont)
Vou continuar mais umas reflexões.
Importa dizer que todos aqueles que hoje atacam com mais ou menos aspereza o regime actual e as nossas condições de vida pertencem a duas categoria de pessoas : os saudosistas "da ordem e da paz" (embora fosse paz podre) em que se vivia neste país e onde a única atitude pública possível era obedecer sem apelo nem agravo ( mas já há pouca gente desse tempo ainda viva) ou gene nova que não conheceu as podridões, a miséria muitas vezes escondida pelo regime e o abafamento das consciências revoltadas, mas que ouvem essas diatribes de familiares e amigos sonhadores da extrema direita, revanchista e vingadora porque não aceita as liberdades conquistadas pelo povo e se sentem fadados, lendo as cartilhas fascistas, para voltarem a obedecer e calar porque acham que fariam parte das elites vanguardistas (tão caras aos regimes totalitários de direita e de esquerda) que estaria acima da arraia miúda.
Tanto uns como os outros, para mim, tenho pena de o dizer, mas não são pessoas normais, têm desvios comportamentais e patológicos que os fazem desprezar o sentimento da liberdade que é inato aos homens e foi apurado ao longo dos séculos, como já vimos. Um comportamento desses seja em regime de direita seja de esquerda, que aceita perder a liberdade para todos, só pode ter como motivo um desvio de personalidade.
Mas as pessoas "normais", que ainda viveram alguns anos no antigo regime ( os "ancien régimes" são historicamente repositórios do passado que procuram prolongar-se no tempo) não esquecem o que foram esses anos de obscurantismo e de sofrimento para o povo português, por muitos defeitos que a democracia de hoje possa ter.
Com a restauração da democracia em Abril de 1974 abriu-se uma era de deslumbramento e eu creio que aquela Revolução de Abril será a última revolução com algo de romântico a acontecer na Europa e talvez em todo o Mundo, com aquela euforia de quem acreditava que iria nascer um novo tempo em que tudo de bom parecia possível.
Nem os "amanhãs que cantam" que tinham por trás, como todos hoje sabemos, um projecto de ditadura "popular" ou, como gostam de apregoar, de "democracia popular", nem os excessos radicais de grupos minoritários e inebriados pelas utopias vanguardistas, nada disso conseguiu assustar os incautos portugueses tão pouco instruídos, tão pouco politizados, ingénuos e confiantes. Depois de uma "democracia orgânica" vir uma democracia popular - então porque não apenas uma democracia "tout court"?
(há-de continuar)
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