segunda-feira, 9 de maio de 2022

Sinal do tempo

A guerra que Putin faz contra a Ucrânia não nos deixa deixar de pensar na maldade humana levada ao extremo.  Pode haver uma data de queixas da Rússia para certas  situações que assustassem o seu poderio czarista e o levassem  a endurecer posições, mas nenhum país, lá por ser mais forte e poderoso  tem o direito de invadir outro   nem muito menos  fazer o morticínio que hoje acontece. Não é já a guerra em si mesma. é esta guerra suja que os russos estão a fazer. Não se pode comparar - para já... -  Putin com Hitler, pois não ? Mas podem comparar-se os actos de guerra que um e outro fazem ou fizeram. E as diferenças serão nenhumas

Liberdade, democracia, república

Continuando a pensar nestas coisas, depois de falar em poucas palavras de liberdade e democracia, veja-se agora república.

Em democracia a república é, em princípio, o melhor e mais justo dos sistemas políticos, pois o seu objectivo antes de qualquer outro é servir a Pátria ( não devemos deixar de usar esta palavra) e mesmo comparando com as monarquias democráticas há nestas um princípio de  superioridade de um chefe de uma família, de uma linhagem, que escapa à vontade geral de escolher entre os cidadãos qual o melhor, em cada momento, para ser o Chefe do Estado.

Já no século XVII Montesquieu, no seguimento do que antes já escrevera Maquiavel nos finais do século XV,  reconheceu os tres regimes possíveis - república, monarquia e ditadura - e ensinava que a república seria o sistema político mais justo porque a dinâmica da república, o sentimento que a faz durar e prosperar. é a virtude.  a "virtude", a motivação ética, é de natureza republicana, ninguém pode viver com dignidade numa sociedade corrompida onde a virtude seja menosprezada.

Partindo do ideal democrático grego, é certo que imperfeito mas sem dúvida tendo sido nele que reside a base de noções como igualdade da lei para todos, equidade das leis e o direito a todos os cidadãos exprimirem livremente as suas opiniões e anseios, foi-se caminhando ao longo dos séculos, no Ocidente ou melhor na Europa ( é preciso assumi-lo sem complexos), por um processo de mudança de paradigmas e de roturas ( revoluções), para um objectivo de derrube dos edifícios institucionais criados por grupos sociais mais poderosos que pretenderam sempre - aqui como em todos o mundo -  obter o controle e do domínio dos recursos naturais e dos povos menos evoluídos.  

Constata-se que o sul da Europa - Grécia, Itália e até Portugal - contribuiu de forma explicita para o movimento de avanço civilizacional : o Renascimento ( e Portugal com a descoberta do Mundo) e o Iluminismo mudaram as ideias prevalecentes.

A realeza que  aguentou o poder absoluto enquanto lhe foi possível, cedeu lugar, depois da Revolução Francesa,  ao poder constitucional e daqui acabou por se instalar o ideal republicano - e nesta mundialização do processo foram fundamentais as antigas colónias espanholas da América do Sul e inglesas como os EUA, e também do Brasil que era português ( há duzentos anos...).

A utopia democrática portuguesa

Depois da implantação da monarquia constitucional, que os liberais acabaram por estabelecer contra o último bastião  absolutista representado pelos  miguelistas, a chamada Primeira República foi um despertar violento do ideal republicano, mais apercebido por sectores urbanos e por uma elite estrangeirada do que pela maioria da população que era analfabeta, iletrada, agarrada à terra e submetida ao poder paroquial em todos o País.

Desde 1926 em ditadura assumida, depois de 1933 em ditadura disfarçada de "democracia orgânica", Portugal viveu até 1974 sob o jugo de um regime de tipo fascista mas "à portuguesa" - o regime salazarista com o seu final patético do marcelismo.

Não interessa fazer aqui a história desses 48 anos que, quer se queiram quer não, modelaram a sociedade portuguesa, explorando indecorosamente alguns dos sentimentos mais nobres dum velho povo cuja nacionalidade se aproxima dos 900 anos. Já parece que essa fibra se encontrava nos Lusitanos, pastores e caçadores que habitavam esta faixa mais ocidental da Península Ibérica1, uma longa cadeia genética feita também da miscelânea  de povos que por cá foram passando desde há uns milhares de anos.

As primeiras gerações que foram submetidas ao então designado Estado Novo acabavam de sair duramente marcadas pelo descalabro da república e  que em 1910 substituiu a monarquia, mas sem acabar com os vícios que já vinham desta : instabilidade governativa, atentados, revoluções, ódios, endividamento  público- vícios que dificilmente eram compensados perla conquista das liberdades fundamentais porque estas não trouxeram paz social nem  bem estar económico que o povo sentisse.

Curioso é que forma essas virtudes democráticas, abafadas pelo poder ditatorial durante quase cinco décadas que acabaram por ficar guardadas  no mais íntimo de muitos portugueses à espera de um renascer que acabou por acontecer. Muitos de nós sentíamos isso, ano após ano, eleições fraudulentas umas atras das outras, por vezes já quase sem esperança.

Os meus pais, tios e avós viveram em pleno esses tempos e eu pertenço a uma daquelas poucas gerações que puderam ouvir, de viva voz, as narrativas sobre os dezasseis anos republicanos, sem ser pela palavra mais ou menos comprometida de quem era depois a favor ou contra. Conservadores, monárquicos de várias linhas, republicanos radicais e moderados, mantiveram as suas convicções de geração em geração, ao longo da ditadura.

Por exemplo na minha família, da pequena burguesia, conviviam pacificamente as duas convicções, do lado do meu pai o republicanismo agnóstico ( o meu avô José Pessoa foi o primeiro aluno a inscrever-se na Escola Comercial, mal ela abriu coma República, e já  com  os seus 18 anos, e foi um dos fundadores da delegação na Figueira do Partido Evolucionista de António José de Almeida; do lado da minha mãe o catolicismo praticante, um certo conservadorismo e saudosismo monárquico ( o meu tio avô que foi, na prática, o meu avô materno, tinha sido militar nos Lanceiros da Rainha e recordava esses tempos com saudade.

Quase cinquenta anos  de ditadura tinham que, forçosamente, modelar viciadamente,  durante muitos anos, todo um povo nas gerações seguintes a Abril de 74. E isso notou-se sempre, e quando começava a desvanecer-se eis que surgem ideais nacionalistas organizados a romper, como em toda a Europa, e a contrariar os ideais  democráticos.


Vamos falando...





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