Esta data é fracturante ainda hoje, mas passadas estas décadas a maioria dos portugueses que seja democrata pode evoca-la como sendo a garantia de, nesse dia, termos ultrapassado uma fase transitória se bem que épica da revolução e entrado numa fase de, digamos, rotina democrática,
Quando se deu o 25 de Abril eu já conhecia, além da Espanha ( que estava tão ou mais subjugada que nós a uma ditadura fascista) a França e a Alemanha. Neste último pais vivi largos meses por duas vezes, e aqui e na França eu reconhecia regimes democráticos como o que queria viver na minha terra.
Aqueles meses tremendos de 74 e de 75 foram para mim uma época de euforia, de vivência e arrebatamento, era o combate pelas ruas entre modelos e ideologias que só em democracia se podiam viver assim. Como Chefe de Gabinete do Gonçalo Ribeiro Telles, ali no Terreiro do Paço, sentia quase diariamente o pulsar da revolução e uma coisa se ia enraizando em mim : era a certeza de que chegaríamos ao estatuto de democracia, sem ser "orgânica" ou "proletária", apenas democracia "tout court", burguesa como lhe chamavam os marxistas ( muitos deles marxistas de última hora que mal as coisas serenaram voltaram ao seu estado natural de burgueses empedernidos e de direita - ainda aí estão e é claro que não vou citar nomes...). Ribeiro Telles é monárquico e eu sempre fui republicano, e a estreita ligação que ele sempre manteve comigo revelava-me como é que deve ser um democrata - nunca precisei de votar no PPM para ser o seu mais próximo colaborador, amigo de confiança e divulgador das ideias que eram também as minhas sobre o território, o Ambiente, a democracia... Só eu sei quanto lamento hoje em dia já não ter o velho Gonçalo em condições de falar comigo destas coisas, como fizemos durante anos a fio!!
Nesse Verão quente de 75 vivemos em ebulição o "movimento dos nove", pois o nosso vizinho Secretário de Estado, porta com porta, era o hoje General Garcia dos Santos, que fora encarregado de levar o "documento dos nove" a assinar pelas diversas unidades militares do país. Como naquela altura efervescente se desconfiava de toda a gente, em vez de comunicar para o seu gabinete de Secretário de Estado, combinou com Ribeiro Telles que à medida que as Unidades fossem aderindo comunicava para o nosso Gabinete. Ainda aí estão o Luis Coimbra ( único monárquico assumido do gabinete) e a Maria Elvira para o confirmarem. Foi um risco, se os radicais que levariam ao 25 de Novembro tivessem levado de vencida a sua acção, nós estaríamos em maus lençóis. Havia sido um alívio quando vimos em Julho, salvo erro, pois não recordo o dia mas que se pode confirmar consultando a imprensa da época) o Jornal Novo, numa segunda tiragem ao fim da tarde, tornar publico o tal documento que os militares do movimento ingenuamente tinham entregue a Costa Gomes e a Otelo Saraiva de Carvalho.
Quando se dá o golpe chefiado por Ramalho Eanes, eu e o Gonçalo estivemos em Belém na rua, entre a multidão, a assistir à chegada dos comandos de Jaime Neves e assustámos-nos com os tiros disparados lá de dentro. ( O Gonçalo ia de boné na cabeça, dizia ele para passar mais despercebido...).
O 25 de Novembro repôs a democracia e ainda hoje se comemora e elogia Ramalho Eanes, com quem tenho excelentes relações, e Jaime Neves cuja integridade e serenidade foram fundamentais; mas esquecem-se sempre de recordar o homem que, por trás, na sombra, esteve afinal sempre à frente de toda aquela estratégia : Ernesto Melo Antunes. Já por umas duas vezes, em correspondência com o "nosso General" Eanes, eu lhe disse que ninguém quer assumir a iniciativa de uma homenagem nacional a Melo Antunes. Sem a divulgação publica do texto, os envolvidos seriam facilmente silenciados pelo Copcom e ninguém daria por nada...
Talvez se recordem alguns de, na noite do 25 de Novembro, quando se começava a erguer uma onda direitista que queria a ilegalização do PCP e de todos os esquerdistas, ter aparecido na Tv o Melo Antunes a dizer, com a sua calma habitual, que numa democracia plena o PCP não seria ilegalizado pois nela tinha lugar, como qualquer outra formação ideológica, desde que se respeitassem as regras do Estado direito democrático. Foi essa coragem e esse desassombro que fizeram engulhos a muita gente, (até entre os socialistas...) pelo que nunca lhe deram a honra e o lugar de gratidão a que Melo Antunes tinha direito por valor próprio.
Não costumo encher a boca com amigos importantes quando apenas são de relação pouco próxima, mas posso dizer com absoluta verdade que fui amigo e grande admirador do Melo Antunes, desde os tempos de Alferes, na Bateria de Belém, em Ponta Delgada - por isso nunca deixarei de insistir na justiça que representaria o reconhecimento nacional duma personalidade que foi, desde o início, a grande alma do Movimento das Forças Armadas .
O 25 de Novembro de 1975 foi, para mim, a cúpula do movimento de conquista da democracia que nos permitiu romper com o velho e caduco Estado Novo, que inevitavelmente tinha de suceder - e sucedeu de forma exemplar - após a "explosão" também inevitável do 25 de Abril de 74. Neste, as únicas mortes foram devidas aos agentes da PIDE que das janelas do seu quartel dispararam sobre o povo desarmado que os esperava cá fora; e neste evento de Novembro as únicas mortes foram provocadas pelos militares que dispararam na Calçada da Ajuda contra os militares dos Comandos que não chegaram a dar um tiro. Os extremistas dão sempre estes exemplos.
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