sábado, 23 de novembro de 2019

Reflexões coisas que nos dizem respeito...
Não sendo economista ou  filósofo  nem por isso deixo de reflectir sobre as condições de vida que nos são impostas e sobre os problemas que nos afectam. Leio economistas e leio e estudo  filosofia porque esta  nos ajuda a estruturar o pensamento e entendo que o ensino da filosofia, pela organização do "método de pensar" que nos proporciona, devia fazer parte muito mais empenhada do que hoje acontece, no ensino das escolas em todos os níveis da escolaridade. E discorro com a consciência plena de que  me afasto de muitas ideias feitas e de muitas posições político-ideológicas  reinantes na sociedade. Discorrer sobre os nossos problemas não implica forçosamente que se utilize uma linguagem rebuscada, pelo contrário o que é importante é chegar a todos quantos nos possam ler, usando para isso uma forma de expressão corrente. Todos, cidadãos livres e independentes, devíamos ter a preocupação de reflectir sobre as nossas preocupações e de procurar abrir essas reflexões a quem as quiser discutir  mesmo discordando. Discussões académicas são indispensáveis para penetrar no âmago das questões e fixar os padrões do conhecimento. Mas em termos de divulgação e reflexão,  mais importante do que a discussão académica e uma hermenêutica de tão difícil leitura como aquilo que procura interpretar e a que  só as elites têm acesso, é uma discussão acessível a todos.
O mundo atravessa mais uma época de grandes movimentações sociais, como sempre aconteceu e sempre se disse que eram  épocas especiais, só que agora surgem associadas a grandes alterações climáticas,  que a pouco e pouco vão assumindo  entre elas, a meu ver, um carácter de conciliação. Tenho para mim que antes das leis sociais se impuseram leis naturais que modelaram, anteriormente a todas as outras, o comportamento individual e social. Cabe aos homens regular essas leis naturais dentro da capacidade de manobra que lhes seja possível dispor.
Impôs-se hoje de forma generalizada um pensamento neoliberal que é contrário ao bem estar social e ao confronto com as  modificações climáticas e de comportamento do planeta, pois que esse pensamento continua a promover o abuso da utilização irracional dos recursos naturais, o crescimento económico e uma acção política em prol  de uma sociedade desequilibrada, que aliena a maioria dos cidadãos, que perpetua a exploração dos mais necessitados e consolida uma situação de concentração da riqueza numa elite em detrimento da maioria dos membros das sociedades. Com ele acentua-se o fosso entre países ricos e países pobres e, dentro do mesmo país, entre os poucos que são ricos e a maioria que é pobre - e agrava-se, por egoísmo, a defesa da integridade ecológica. O liberalismo - é disso que se trata -  sempre fez isto, o de agora não é neo, é o mesmo de sempre.
Os grupos humanos que ao longo dos milhares de anos foram evoluindo fizeram-no a partir do uso de leis naturais que iam sendo entendidas à medida que as sociedades se organizavam, Uma dessas leis é a do capitalismo e da propriedade privada, que nasceu quando o homem criou a sua primeira ferramenta, quando ocupou a sua gruta ou construiu a sua cabana, quando rodeou com um bardo o pedaço de terra em que lançou as primeiras sementes que dariam alimento à sua família alargada. E quando a produção da terra vedada excedia aquilo que ele consumia, ou quando produzia mais ferramentas do que aquelas que utilizava, faziam-se trocas com os vizinhos .
A lei da oferta e da procura é uma lei natural ligada ao desenvolvimento das sociedades. Mas uma lei natural de que os seres humanos, organizados em sociedades,  se servem na sua vida social precisa de uma moral, um conjunto de regras para que exista justiça entre os homens dessa sociedade.
O problema que veio a criar-se depois ( e não preciso de evocar Marx e outros economistas) foi o da expansão  da forma de apreensão da propriedade e da acumulação de riqueza por parte de um individuo ou de um grupo organizado  de indivíduos... Não pretendo entrar mais pela teoria económica, apenas fiz esta investida para poder afirmar que o capitalismo teve origem natural e, em si mesmo, não é negativo desde que seja regulado. A financialização da economia é que veio trazer o descalabro do capitalismo levando-o para extremos que conduzem a sociedades dependentes dos donos do dinheiro - como todos sabemos é o liberalismo.
O liberalismo é como a hidra da mitologia grega: quando se corta uma cabeça nascem logo outras, nem que fique em letargia alguns períodos esperando pela ocasião propícia.  Uma coisa é uma sociedade e uma democracia liberais, no sentido de serem livres, outra é serem liberalistas - e no fim libertinas...
Também vou apenas recordar que desde o auge do liberalismo do laisser faire laissez passer, do século XIX, nasceram formas de reacção com ideologias que se dispunham a opor-se ao descalabro social, à medida em que eram cada vez mais nítidas as clivagens entre classes ricas e possidónias e as classe pobres cada vez mais pobres; de que assim saiu a doutrina social da Igreja que originou a ideologia da democracia cristã;  e a ideologia social democráta ou do socialismo moderado que se opunham, ambas, aos excessos já nessa altura detectáveis do liberalismo tal como do marxismo. 
É bom recordar também que a época de maior paz e bem estar social que a Europa conheceu, em toda a sua História, foi a das décadas em que os países europeus, depois da 2ª Guerra Mundial, foram governados por aquelas duas ideologias.
Enquanto se manteve a hegemonia mundial dos dois grandes blocos - o bloco oriental comunista e o bloco ocidental capitalista - assistiu-se a uma contenção das práticas capitalistas. desmoralizadas com a crise do final da década de 20 ; mas a derrocada simbólica do muro de Berlim fez nascer uma renovada situação favorável ao liberalismo, ameaçando com o papão do socialismo se não houvesse "liberdade" a rodos em todo o lado - a hidra fez nascer muitas novas cabeças e os territórios saídos do marxismo foram campo de alimentação inesgotável dos seus tentáculos.  Revelaram-se em poucos anos  mais milionários da Rússia e países até há pouco comunistas  ( e hoje na China...) do que em toda a Europa.
Um dos slogans do liberalismo é o da morte das ideologias, apregoam que não há esquerda nem direita, não há nada para além da realidade e esta é a do mercado que tudo regula e tudo controla; ideologias são coisa do passado - pudera, não hão-de ser...
A democracia cristã que era uma espécie de esquerda da direita, desvaneceu-se, já ninguém entre os políticos da direita liga às directivas da Igreja, ironicamente quando existe hoje um Papa que é o maior arauto, dos últimos dois séculos,  da doutrina social cristã - mas os abraços da hidra e os cânticos das sereias que hoje se chamam dólares e euros, são muito mais apelativos para os políticos conservadores.  Por outro lado tem sido realçado pelos especialistas, desde há anos, que o socialismo democrático ou social democracia também  se encolheu com o desabar do modelo comunista : o receio inculcado pelos liberalistas de se falar em socialismo e confundir-se com o "verdadeiro socialismo" afastou políticos e decisores de promoverem medidas de controlo  efectivo do capitalismo financeiro, o tal uso de regras sem as quais as sociedades não funcionam de modo equilibrado. Nasceu o neoliberalismo.
A União Europeia constituiu-se nesta conjuntura; a sua estrutura e os seus métodos e directivas de gestão são neoliberais.
Houve alguns  países europeus, como os escandinavos, em que a social democracia se implantou de forma tão entranhada na  sociedade, moldando-a que, mesmo rodando em sucessivos governo Partidos de direita mais ou menos conservadores, o essencial da regulação do capitalismo ficou; mas a maioria dos países europeus  não resistiu ao apelo liberalista  ( não escrevo liberal, eu também sou liberal em termos de liberdade individual e de concepção da democracia sem liberalismo...).
E as consequências das crises do liberalismo  que se têm feito sentir no Ocidente aí estão a denunciar a fragilidade dos países europeus, com especial gravidade os de economia mais dependente como Portugal, países que não foram capazes de se aguentar face ao ímpeto despesista que medidas liberais, mesmo em governos tidos como socialistas, foram empurrados a promover. Muitos ainda se lembram do apoio e impulso que a Chanceler Merkle e o Presidente Sarkosi  deram ao programa de José Sócrates, com o resultado que se viu. Entrava tanto pelos nosso olhos que até eu, modestamente nas minhas limitações, publiquei ainda em finais de 2005 uma crónica intitulada "Este socialismo liberal...".
As crises cíclicas do capitalismo financeiro só podem ser contidas por medidas nacionais que afrontem as imposições neoliberais da UE. E quem o diz são eminentes economistas.
Há uns anos que um leigo como eu, apenas interessado em informar-se, vem questionando porque é que foram impostos aos países europeus membros da UE, os valores do défice e da dívida pública - que eram na altura da definição das políticas europeias pura e simplesmente os valores praticados pela Alemanha. Porquê? Com base em que critérios? Porquê 3 ou 4% e não 4 ou 5 %? E para a dívida, porquê os 60% e não 80 ou 100% ?
Joseph Stiglitz, famoso Prémio Nobel de Economia, escrevia recentemente que um cientista político credenciado, Francis Fukuyama, no final da "guerra fria" afirmava que a queda do comunismo eliminaria o último obstáculo que separava o mundo inteiro do seu destino de democracia liberal e economia de mercado. E Stiglitz escreveu "hoje à medida que enfrentamos uma retirada da ordem global liberal baseada em regras, com governantes autocráticos e demagogos à frente de países que contêm mais de metade da população do mundo, a ideia de Fukuyama parece peculiar e ingénua". 
Mas foi essa ideia que prevaleceu nas últimas décadas e reforçou o neoliberalismo.
E acrescenta o citado Mestre da economia : " O neoliberalismo prejudica a democracia há 40 anos", e depois : " Se a crise financeira de 2008 não conseguiu fazer-nos perceber que os mercados sem restrições não funcionam, a crise climática certamente deveria conseguir; o neoliberalismo acabará literalmente com a nossa civilização",  concluindo :"...o único caminho a seguir, o único caminho para salvar o nosso planeta e a nossa civilização é o renascimento da História. Temos de revitalizar o século das luzes e reafirmar o nosso compromisso de honrar nos seus valores de liberdade, respeito pelo conhecimento e democracia".
Quanto aos aspectos directamente ligados com a nossa vida pública, que já aflorei, socorro-me aqui, para finalizar, do Prof. Paul de Grave, belga mas Vice-Presidente do nosso Conselho de Finanças Públicas, que afirmou em entrevista à imprensa, entre outras ideias fundamentais, que o capitalismo está ciclicamente em " modo de destruição" e que o dogma do orçamento equilibrado "é o pior tipo de dogma que existe".
A ligação umbilical da nossa vida  com as leis naturais e o Ambiente também mereceram ao referido especialista algumas afirmações contundentes, como "os Estados não podem falhar em obrigarem as empresas a internalizarem os custos que provocam danos no Ambiente. Quando for evidente que falharam a proteger o Ambiente, as forças autoritárias vão assumir o controlo".
E concluindo com questões que já foram colocadas atrás, diz Paul de Graves :" Não há qualquer razão para obrigar os Estados da UE a ficarem com a divida até aos 60% - porquê 60 %? ".
Bom, aqui fica matéria para reflexões, mesmo que não concordem com a exposição, mas a Terra, a Ecologia e as massas humanas exploradas pelo sistema neoliberal vão dar razão, quer queiram quer não. É apenas uma questão de tempo, cada vez de menos tempo,,,








   

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