A espuma dos dias
António Costa é indiscutivelmente, goste-se ou não dele e do seu estilo de governar, um dos mais complexos políticos que Portugal tem conhecido. A sua habilidade política porém não consegue esconder a tendência para a manipulação do aparelho do Estado com a ocupação sistemática, passo a passo, de todos os lugares e cargos mais relevantes pelos seus mais próximos - é que não são para todos os socialistas, são para os que de mais perto o seguem. Este estreitamento da elite politica é confrangedora e a mim, por exemplo, faz-me temer pelos desvios democráticos que uma maioria absoluta pode acarretar. Não acredito na manutenção do diálogo para alem daquilo que não for julgado fundamental para a ideologia de A. Costa. E é uma atitude preocupante, no sentido de se caminhar para uma democracia "musculada", o processo concentracionário de fazer do Ministério do Interior - hoje chama-se da Administração Interna, é só uma questão de palavras... - o super ministério de todas as políticas .
É claro que a vida de A. Costa não é de invejar quando apanha uma pandemia destruidora do equilíbrio económico-social seguida da guerra que a Rússia programou para aumentar o seu espaço vital, tal como fez o Hitler, e que vai prolongar o estertor da economia europeia e mundial. E é forçoso reconhecer que conseguiu impor o nosso país na UE, que tem sabido contrabalançar o desgaste económico com medidas contemporizadoras - mas consegue-o anunciando medidas compensatórias que aliviam a pressão e depois a pouco e pouco, ao longo do ano, vai cativando as verbas e o prometido...não se realiza. Politico hábil é assim...
Mas onde a governação de A. Costa, no meu entendimento, mais falha é na falta de políticas de médio e longo prazo e em especial as que se destinariam ao sector primário (agroflorestal) e ao Ambiente no seu sentido lato de Qualidade de Vida.
O PS é desde a origem um partido obreirista, e não acompanhou a tendência dos socialistas e social-democratas europeus no sentido das preocupações ambientais e de políticas "verdes". Pelo contrário, não me cansarei de acusar A.Costa por ter desmantelado o sector agro-florestal ( foi ele em 2006 que transferiu os guardas florestais para a GNR, 1º passo para o fim dos Serviços Florestais de que vamos continuar a pagar por muitos anos, um alto preço ). A. Costa e o PS não entendem nada disto e nem lhes interessa... É uma falha que vai atrasar o nosso país durante décadas.
Eutanásia - É um atraso civilizacional este dos reaccionários que, mais uma vez, se opõem ao processo de descriminalização da eutanásia. As Ordens dos médicos e dos enfermeiros - ou melhor as direcções actuais destas ordens - ao dizerem que a eutanásia não é um acto médico e ao dizerem que isso afasta os profissionais de saúde de cumprirem a sua ética profissional, estão a passar um atestado de estúpida superioridade a si mesmos esquecendo quantos profissionais (e eu conheço alguns de grande craveira) apoiam o processo e é um atestado de inferioridade aos milhares de profissionais dos países onde a eutanásia já vigora há anos.
Já foi assim com o divórcio, depois com a legalização do aborto e agora com a eutanásia - o grande número de conservadores e reaccionários ( de esquerda e de direita embora me pareça que essa "esquerda" seja a mesma que apoia a Rússia nesta guerra...) que proliferam no nosso país acreditam que conseguem travar o tempo - a única coisa que conseguem é, agora neste caso, prolongar o sofrimento de quem não espera outra coisas senão uma morte tranquila. Eu conheci já pessoas nesse estado, incluindo o meu Pai, que nos momentos de lucidez perguntava sempre se para morrer precisava de passar por aquilo. E ouvi isto e coisas igualmente graves a outros a quem prolongavam a vida para alem do razoável, Os propalados cuidados paliativos tiram as dores físicas, colocando os doentes em estado de sonolência mas não tratam do sofrimento psicológico de quem esteja consciente e queira pôr fim àquela vida inviável. Conheço grandes médicos de craveira acima da média, que a defendem, por isso todos os homens/mulheres conscientes deviam fazer a sua Declaração Expressa de Vontade ou um Testamento Vital onde digam o que querem que lhes seja feito se chegarem a uma situação de inviabilidade da vida. Recusar a eutanásia é uma violência e um egoísmo sobre a vontade individual de cada ser humano, ninguém tem o direito de assumir essa superioridade.
Palavras que mascaram conceitos
(isto é uma espécie de continuação do texto de dias anteriores, começando por outra ponta...)
Há palavras escolhidas e que entraram no senso comum e que mascaram conceitos, propositadamente é o que eu penso.
Nós vivemos nas nossas "democracias burguesas" em sociedades liberais, quer dizer em sociedades que resultaram da vitória dos conceitos liberais, sobretudo dos inícios do século XVIII, sobre os conceitos conservadores do absolutismo.
Passaram a ser consagrados conceitos como a liberdade individual, as liberdades colectivas regulamentadas, a supremacia de uma Constituição como lei fundamental dum país, a representação por voto directo dos cidadãos para escolha dos representantes do povo para uma Assembleia ou Parlamento, a separação dos tres poderes - executivo legislativo e judicial- enfim, tudo aquilo que a pouco e pouco se foi constituindo como matriz da nossa vida individual e colectiva. Estes conceitos são claros e, com algumas variantes, dominam a governança ( como agora se diz) dos povos democráticos, desde a Europa aos EUA, a certas nações latino americanas, a algumas asiáticas e da Oceania.
Não é qualquer sociedade que se assume democrática como nós, é necessário primeiro uma cultura enraizada da maioria da população e não apenas de elites "ocidentalizadas" as quais não aguentam o poder demagógico de outras ideologias massificantes, de que a Rússia, o Norte de África ou a América latina são bons exemplos.
A " Revolução Francesa" foi o arranque do Estado moderno e, apesar de todos os seus actos de terror, de demagogia, de excessos, depois de assente a "poeira" radical, foi a etapa fundadora das democracias europeias e depois ocidentais. Volto a insistir, é um privilégio vivermos neste regime, tão frágil e tão ingénuo, que acalenta no seu seio os vírus de quem o quer destruir - porque esta ingenuidade e esta fragilidade são mesmo as grandes virtudes da democracia, a "virtude" e a "vontade geral" dos filósofos que me coibo de voltar a citar.
Quando hoje se usa o termo de sociedade liberal isto nada tem a ver, ao contrário do que nos querem fazer crer os auto-denominados "liberais", com o liberalismo capitalista, regime económico-social que se desenvolveu a partir de meados do século XIX.
De tal forma o liberalismo se tornou um processo eticamente inaceitável de exploração do trabalho que suscitou a reacção contrária - o marxismo. Como todos sabemos ( quase todos, ao que parece há quem desconheça ou se esqueça...) Marx e Engels pensara um regime para aplicar às sociedades industrializadas da época, a Inglaterra, a Alemanha e já um pouco a França, onde os proletários só tinha como funções trabalhar e procriar para gerarem mais trabalhadores.
A situação era tão chocante que a Igreja tomou posição, como muitos de nós sabemos e os "liberais" de hoje fazem por esquecer: o Papa Leão XIII proclamou a Encíclica Rerum Novarum onde condena igualmente o socialismo ( leia-se marxismo) e o liberalismo. Fazia bem a muita gente ler aquele livrinho, descontando a literatura de tipo eclesiástico ou predical e a sua época.
Só se vulgarizou a palavra comunismo depois da Revolução de Outubro onde o marxismo, destinado preferencialmente a uma classe operária mais politizada, acabou por ser adaptado pelo leninismo a uma sociedade quase medieval em que o povo rural era de servos da gleba.
(Já chega por hoje. Interrompo aqui de novo, mas sei que vou acabar por cair no libertinismo ( vulgo liberalismo...)apregoado, entre outros, por um ressabiado chamado Francis Fukuyama...)
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