sábado, 11 de junho de 2022

 Sobre a liberdade e a democracia - liberal, liberalismo,  liberalistas e libertinos

(Porque quero seguir um rumo metódico do meu pensamento, para meu próprio regalo, vou começar por repetir algumas das coisas que já escrevi antes, para que a minha memória não falhe o alinhamento que quero deixar ficar sobre estes temas nestes tempos fundamentais das nossas vidas -  sobretudo quando  nos aproximamos do seu fim...)


Nós vivemos nas nossas democracias "burguesas" próprias de sociedades liberais, quer dizer sociedades que resultaram da vitória  das ideias liberais sobre as  conservadoras do absolutismo.  Daí passaram a ser considerados fundacionais conceitos como a liberdade individual mas também as liberdades sociais enquanto comunidades humanas,  a supremacia de uma Constituição como lei fundamental dum país, a representação dos cidadãos nos órgãos de governação por voto directo e livre de cada cidadão para a escolha dos seus representantes,  a liberdade de expressão e de reunião, a separação dos tres poderes ( legislativo, executivo, judicial) -  tudo aquilo que a pouco e pouco se foi constituindo  como matriz das nossas vidas individuais e colectivas. Estes conceitos são claros e, com algumas variantes, dominam a governança dos povos democráticos desde a Europa (onde se formaram inicialmente), América do Norte e depois em algumas nações latino-americanas, asiáticas e da Oceanía.

Não é qualquer sociedade que se assume democrática como nós, é necessário primeiro ter uma cultura generalizada e enraizada na maioria da população  e não apenas de elites "ocidentalizadas" as quais não têm peso nos seus países e não aguentam o poder demagógico de outras ideologias massificantes e musculadas, de que são bons exemplos os países do Norte de África, alguns da América do Sul e agora se volta a evidenciar na Rússia.

A Revolução Francesa e o Iluminismo foram o arranque  para a criação do Estado moderno e, apesar de todos os seus excessos, terror, arbitrariedades e demagogia, foi a etapa fundadora das democracias europeias e depois mundiais. Volto a insistir, é um  privilégio  vivermos  neste regime, tão frágil e até ingénuo, que até acalenta no seu seio os vírus de quem o quer destruir - porque essa ingenuidade e essa fragilidade são mesmo as grandes virtudes da democracia, a "virtude" e a "vontade geral" dos filósofos.

Quando hoje se usa o termo liberal isto nada tem a ver, ao contrário do que nos querem fazer crer os auto-denominados liberais que defendem o liberalismo capitalista, regime económico-social que se desenvolveu a partir de meados do século XIX. Ao longo do século XX o liberalismo capitalista foi causa das sucessivas crises da economia e das consequências sociais  que delas advieram. Trata-se de factos, documentados internacionalmente, que não têm uma desculpa para os liberalistas que hoje os neguem.. 

Só para recordar - dando um salto no tempo- quando se deu a grande depressão nos EUA nos anos 30, devida aos excessos do mercados livre desregulado, a sua solução foi dada pelo Presidente Roosevelt com o seu New Deal, quando o Estado lançou milhões de dólares na economia, nas empresas e nos trabalhadores,  aquilo que seria definido por Keynes como a solução para o capitalismo.

De tal forma o liberalismo se tornou um regime eticamente inaceitável pela exploração que fazia do trabalho que suscitou a reacção contrária - o marxismo. Como todos sabemos (quase todos, ao que parece há quem "desconheça"... dos dois lados...) Marx e Engels pensaram um regime completo, uma quase nova religião ateia,  para reger as sociedades industrializadas da sua época, a Inglaterra, a Alemanha e  já um  pouco a França, onde os proletários só tinham como direitos trabalharem e procriarem para produzirem mais trabalhadores.

A situação era tão grave que a própria Igreja tomou posição, como muitos de nós sabemos e os "liberais" de hoje fazem por esquecer: o Papa Leão XIII proclamou a Encíclica Rerum Novarum onde se condena igualmente o socialismo ( leia-se marxismo) e o liberalismo. Fazia bem a muita gente, mesmo não sendo católico, ler aquele livrinho, descontando o tipo de literatura apologética e predical e também a sua época.

Só se vulgarizou o termo comunismo depois da Revolução Bolchevique de 1917, onde o marxismo destinado na sua origem em especial ás sociedades industriais com uma população proletária mais politizada, acabou por ser adaptado pelo leninismo a uma sociedade quase medieval em que o povo rural continuava a ser constituído por servos da gleba. E em vez de democracia passou a defender a ditadura do proletariado, mais uma forma de ditadura...

Por muito controversa que seja a noção, eu aceito o capitalismo  como sinónimo  da existência de propriedade privada e da acumulação individual de riqueza pois  é um fenómeno inerente ao homem desde os primórdios da sua existência. O mal universal do capitalismo,  que derivou desta realidade,  não resulta propriamente dessa realidade e   da sua origem  mas antes do desenvolvimento que ao longo da História lhe foi sendo permitido alcançar.

Uma ilustre historiadora de Arte do início do século XX, Marie Luise Gotheim, explica que, quando o homem começou a sua sedentarização construindo a primeira cabana e semeando as primeiras sementes que colheu na Natureza ( e percebeu como elas  germinavam e produziam novas plantas)n cercou essa parcela em volta da habitação com um bardo ou sebe morta e criou o primeiro jardim, criou a primeira propriedade privada e construiu as suas primeiras ferramentas.

Em Portugal, a quando do início da Reforma Agrária radical no pós 25 de Abril, ficou célebre uma cena transmitida em directo pela TV, na qual os "reformadores" tentam convencer um trabalhador a entregar a sua enxada para constituir um  ferramental colectivo e em que o sujeito se recusa a entregar porque era a sua enxada, havia alguns que não tinham nenhuma e a dele era dele. É este sentido de posse individual de bens que é, a meu ver, inerente ao homem, para lá de outras considerações que se farão a seguir. 

O conceito e uso do termo capitalismo só surge bem tarde, já em pleno século XIX, quando o capitalismo derivou para as suas expressões agressivas de domínio abusivo sobre quem trabalhava e que se  traduziu no liberalismo económico e financeiro. O financialismo  do capitalismo, activado cada vez por maiores grupos exteriores até ao processo económico, foi o pior que aconteceu ao capitalismo e agravou as injustiças do sistema liberalista.

 O uso do termo capitalismo aparece como oposição à sua antítese, o  socialismo.

A senda da Humanidade nos tempos modernos é toda ela uma sucessão de mudanças no sentido de atingir a democracia ou de a destruir.

A oposição democrática quer ao marxismo quer ao liberalismo aconteceu com duas ideologias que foram fundamentais para a estabilidade das democracias: na direita   a democracia cristã, resultante da doutrina social da Igreja depois da já citada Encíclica e na esquerda o socialismo democrático ou social democracia. Vale a pena falar delas.

(há-de continuar...)









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