sábado, 25 de junho de 2022

 Carta aberta  ao Primeiro Ministro

Esta carta nunca será lida por si, certamente, Senhor Primeiro Ministro, e se fosse  poderia originar um dos seus auto-convincentes discursos em que o Sr, é que tem razão, os outros são todos uns ignorantes e mal intencionados. Mesmo assim aqui fica a carta.

Senhor Dr. António Costa, a sua maioria absoluta veio permitir que viessem ao de cima os problemas graves da governação e eu estou longe de poder julgar com isenção o seu desempenho em aspectos que são manchetes todos os dias;  só na política externa creio haver sinais positivos, já que o Sr. tem levado o País a patamares de algum reconhecimento internacional, em especial europeu; como não faço oposição por simples oposição tenho a liberdade de pensamento capaz de me fazer distinguir o que se afigura acertado ou errado - sem dai eu  ficar à espera de tirar dividendos como fazem todos os Partidos e os seus  seguidores e opositores á esquerda e à direita.  

Mas preocupa.me uma maioria absoluta e musculada com sinais como a política concentracionária de tornar cada vez maior o MAI ( veja lá do que o seu amigo Cabrita foi capaz, impunemente...), que me faz lembrar o Ministério do Interior de má memória,  com as policias todas concentradas...

A situação da função publica é aflitiva; aí, contrário do que afirmam os liberais de todos os quadrantes, não há funcionários a mais, pois creio que ainda estamos longe da média da UE que anda pelos 17%. Há falta enorme na saúde, nas escolas, na justiça, numa rede de vigilantes e gestores das áreas florestais que o Sr, desmembrou... Existe desmotivação  dos funcionários, e a principal razão é esta : não há renovação, ( nas Universidades é preocupante), os que vão ficando sentem cada vez maior a incompetência das chefias principais e intermédias porque estas deixaram de ser nomeadas pela sua competência para serem pelo cartão do Partido-  e como é o mesmo Partido há muitos anos vai-se seguindo as pisadas da mexicanização do Estado - fica tudo nas mãos sempre dos mesmos, uma grande família, Acredite - esta é a principal razão.

Tenho que falar um pouco de mim para esclarecer posições, e declaro que  não sou da esquerda radical antes da esquerda democrática, tendo sido daqueles que, com ingenuidade, acreditei que daquela "madrugada inteira e limpa" de 74 viria um tempo de liberdade séria e transparente, de lealdade, de ética...Houve logo alguém mais velho que me avisasse que não seria assim, que me preparasse para uma luta sem quartel entre os que se atirariam ao pote do Poder. E foi o que passou a acontecer  depois dos dois ou tres primeiros anos de regime novo e esperançoso.

Eu já conhecia países democráticos, passei em França e, sobretudo, vivi largos meses na Alemanha então apenas ocidental, falava e convivia com pessoas de vários extractos sociais e  sabia que havia alguma disputa mas sem assaltos ao Poder;   e se foi  nas lutas académicas em que me envolvi em 1962 onde  iniciei a minha formação ideológica, foi na Europa que eu reforcei essa formação e encontrei na dialéctica entre a social democracia e a democracia cristã alemãs ( ainda um pouco no socialismo democrático francês  que hoje rebentou escandalosamente!!) o meu posicionamento mais conforme com a liberdade, a separação da religião, o Estado Social, a preocupação - já nessa altura - com as questões ambientais.

E em  Portugal o que se parecia mais com esse posicionamento  era o PS. Porém a origem anarco-obreirista ( tal como em Espanha) nunca lhe permitiu, com o avançar do tempo e das ideias, aproximar-se da social  democracia europeia no que respeita sobretudo às questões, que hoje se tornaram imperiosas, da ecologia, do Ambiente e da sustentabilidade do território,  da sua perenidade...

A sua actuação, Sr. Dr. António Costa, no que se refere ao sector primário - aquele que salta logo como imperioso para a sustentabilidade mas que passa despercebido à opinião publica- tem sido desastrosa ao longo dos anos : a gente olha e nem acredita! O Sr. Primeiro Ministro sente-se orgulhoso por ter desagregado o sector agro-florestal,  acha que fez  e está a fazer o melhor para o País? Quem o instruiu nesse sentido? Já me cansa dizer isto, mas desde o direito romano que o espaço rústico é governado através de tres vectores- ager, saltus, silva-  e sempre a gestão do sector agro-florestal foi a chave para se ordenarem as actividades primarias em todo o lado, 

Gostava que dissesse ao povo português porquê e em quem é que se inspirou  para ter a agricultura sob uma tutela e as matas ( digamos florestas...) noutra.  O Sr. Dr. António Costa sente-se orgulhoso por ter extinguido os Serviços Florestais (SF) e tudo ter terminado nas calamidades dos fogos rurais que se sucederam daí em diante? 2017 então é um  marco. Sente-se orgulhoso? Ou julga que nada tem a ver uma coisa  com a outra ?

Em 2017 o Sr, demitiu a Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, porque alguém teria de ser o bode expiatório mesmo sendo ela  quem menos culpa tinha. A maior culpa era sua, Sr. Primeiro  Ministro,  por desde  a sua passagem  por aquele mesmo MAI ter desmantelado os  SF e mandado os guardas florestais para a GNR, sendo eles o primeiro escalão dos técnicos florestais que vigiavam e geriam o território florestal TODO O ANO e não apenas a partir de Junho...E o segundo na culpa era o seu excelso ministro  (com m pequeno) do Ambiente "e das florestas" porque não percebia nada do assunto, apesar de, na sua voz de trombone, dizer o contrário. É muito difícil reconhecer que erraram e que seria muito mais eficiente e menos caro reconstruir a estrutura de uma Autoridade Florestal Nacional do que assistirmos todos os anos a estes espectáculos dos fogos, dos gastos multimilionários em combate aéreo  - o único que sabem fazer, ( apesar de terem tantos sapadores e outros agentes). - sabe explicar isto aos portugueses?

Deixaram arder escandalosamente a Mata do Rei, o multisecular Pinhal de Leiria, porque não havia lá um único guarda florestal nem qualquer  trabalhador - um motivo de orgulho, não lhe parece Senhor Primeiro Ministro? Foi ali na Marinha Grande que ainda no século XIX se constituiu a primeira Autoridade Nacional Florestal, depois Serviços Florestais.

Um pretexto já invocado de que sendo mais de 90% da área de matas e matos de privados, não cabe ao Estado ter um serviço para cuidar desse território. Desfaçatez hem? O património natural português, seja publico ou privado, é da responsabilidade do Estado vigiá-lo, orientar a sua gestão e o seu ordenamento nacional, regional e local. É muito difícil de entender ? É como a água que se fosse  possível, já tinha sido toda privatizada; a última grande tentativa conhecida foi no seu primeiro Governo,  com as águas do Algarve, só que os Municípios disseram que não -  para um executivo socialista privatizar recursos naturais é a cereja em cima do bolo da iniquidade.

Desde que Cavaco Silva, com aquela governação de que ele tanto se orgulha ( só ele e mais alguns que lucraram com ela...) pagou uns tostões aos pequenos e médios agricultores para deixarem de produzir ( p.ex., em França devem rir-se à farta) e ainda extinguiu o Serviço de Extensão Rural  ( os grandes produtores da agro-indústria   não precisavam dessa ajuda...) aumentámos a nossa dependência alimentar externa, milhares de hectares de solos foram  sacrificados a eucaliptais e outros milhares ficaram simplesmente ao abandono; nunca se incentivou, com fundos comunitários, a chegada de gente nova ao sector nem a progressão do cooperativismo agrícola. Não temos possibilidade de sermos auto-suficientes em alimentos mas podíamos reduzir em muito a nossa dependência  se deixássemos esta política neoliberal disfarçada  - que agora mundialmente se está a revelar em todo o seu maléfico esplendor - e tivéssemos uma política agro-florestal racional e bem gerida que o Dr. António Costa deve desconhecer o que é e, daí,  nunca alterou em nada a herança de Cavaco Silva e depois da Ministra Cristas - até a agravou.

Recorde-se ainda que os Serviços Florestais e todo o Ministério chegaram a estar inteiramente nas mãos de agentes da indústria da celulose, mas como mesmo assim, juntamente com o ordenamento das Áreas Protegidas (AP) - que tentaram sub-repticiamente integrar se o então Ministro Amílcar Teias não  o denunciasse...- era um obstáculo à livre expansão dos eucaliptais, acabou-se cortando o mal pela raíz- extinga-se !!

Chegámos a este ano com a corda na garganta no que respeita ao problema da água. Mas já desde o seu primeiro Governo que os excelsos ministros que mais  têm a ver com  o problema, Ambiente e Agricultura, diziam que estava tudo controlado, Está ?

Há quem peça a construção de mais barragens - mas se não cai água nas barragens que já existem passaria chover nas barragens novas ? É difícil de aceitar o que investigadores e cientistas, nacionais e internacionais,  vêm avisando há anos e trata-se das tão faladas alterações climáticas  que já deram lugar a excelentes discursos dos seus ministros, tudo controlado e previsto. Mas continuaram anos e anos,  até agora, a financiar projectos de pomares intensivos de olival ( azeite que não fica cá,  que os produtores exportam para Espanha e pouco mais fica cá que uns impostozitos nos Municípios), de amendoal (alimento essencial para a nossa população) ou de abacateiros ( outro produto fundamental em tempos de crise energética e alimentar )- e os pequenos produtores não têm agua para  regar as suas hortas e pomares, sendo que no Norte o drama ainda será maior - tudo controlado, hem?

Há quem discorde, mas as centrais de dessalinização são uma das chaves do problema que se teima por ignorar em Portugal; visitem  aqui a Espanha e um pouco pelo Mediterrâneo  e vejam como praticamente todos os países têm essa forma de combater a escassez de água ( a Argélia tem umas 14 centrais, Marrocos umas 6 ou 7, e por aí fora, certamente tudo países "sem governo..."  Cabo Verde tem água como?  Vão até lá aprender alguma coisa...

Nós temos a maior concentração de população urbana a viver ao longo do litoral oeste e sul, e a consumir água que é gerada no interior - onde as populações não têm outra alternativa e onde ainda se pode fazer alguma agricultura. A água dessalinizada chega hoje a preço de consumo compatível com o uso urbano.


Publicado há uns anos em Portugal no Courier Int.

Acredite, Senhor Primeiro Ministro, Portugal está numa das zonas do Mundo com a maior incidência das famigeradas alterações climáticas - diga aos seus ministros que se deixem de  discursos e façam obra!!

Para isso impunha-se que em Portugal existisse uma Política a sério para a gestão integrada do sector agro-florestal além  (gravidade máxima!) de  uma Politica de Qualidade de Vida  (que na Europa começa a fazer o seu caminho, para nossa vergonha quando até fomos pioneiros) mas aqui nunca será feita por um mini Ministério do Ambiente, com ministros não ambientalistas ( são uns chatos estes tipos do Ambiente, ambientalistas simplórios,  a não deixarem produzir livremente, sempre com remoques), Ministério que tem tanto do que podia estar noutras tutelas mas deixou sair o Ordenamento do Território ( pilar essencial do Ambiente, não sabia, Sr, Dr. António Costa?- ou sabia e assim dá mais jeito?) e tem a Conservação amarrada ás "florestas", como era há 50 anos atrás, tudo dirigido por grandes entendidos nestas matérias, porque apenas têm que seguir a voz do dono  - é  fácil.

Isto já vai muito extenso, mas ainda é preciso recordar o caos nas APs. 

Quando foram criadas as primeiras APs pós 74, Parques Naturais e Reservas Naturais tinham uma orgânica com fins democráticos e pedagógicos; além de um director que representava a política nacional de Ambiente  possuíam o Conselho Geral (CG) onde estavam representados todos os Municípios e Juntas de Freguesia além de serviços regionais e ONGs. Neste CG eram debatidos todos os assuntos e decisões de interesse para a região da AP e por isso podiam estender-se para lá dos seus limites pelas mãos das Autarquias. Pois apareceu um Secretário de Estado, do PS,  numa reunião ( onde eu estava...)  que disse que as APs tinham poder a mais que escapava ao controle nacional, tudo teria de ser controlado no Ministério e arranjou uns iluminados que alteraram a orgânica para aquilo que, até hoje, conduziu à banalização e despromoção das APs - o caos.  Em que País é que já se viram Parques Naturais e Reservas com tanta  dimensão e importância internacional, sem um director que as chefie com equilíbrio?  E o seu anterior ministro do Ambiente teve a desfaçatez de vir,  num jornal, desmerecer dum grupo de conceituados dirigentes de APs e Ambientalistas de credibilidade científica impoluta e afirmar que antes estava tudo errado e agora, com ele, é que estava tudo como nunca tinha estado tão bem !! Que topete, hem ? Por fim para enterrar mais a gestão das APs e revelar todo o  "ambiente consciente" por trás das decisões, o seu Governo  saiu com a vergonha da cogestão das APs - os Municípios que me perdoem, sou convictamente municipalista  mas a politica de Ambiente é nacional e devem ser os responsáveis por cada AP a definir o seu uso. As APs  não se constituíram para parques de recreio mas para proteger a Natureza e a Biodiversidade e eventualmente para terem algum recreio e lazer  -  nunca para turismo. Em termos internacionais é uma vergonha, Quando as APs tinham o seu CG podiam definir, de acordo com o director e as Autarquias, o tipo de uso a ser dado a algumas áreas dessa APs,  agora criar Comissões de Cogestão das APs ( até de Reservas Naturais sensíveis!!) e serem presididas pela Câmara Municipal, brada aos céus !! Nada disto o choca Senhor Primeiro Ministro ?  Entretido com a Europa e com esta criminosa guerra promovida pela Rússia  ( em pleno século XXI!!) o Sr. que nunca ligou ao Ambiente quer agora lá saber destes pormenores...

Senhor Primeiro Ministro, esta carta nunca mais acabaria, já vai quase um testamento e imagine o que, só nestes dois sectores que tenho abordado, ainda haveria por dizer.

Seria uma dádiva dos deuses se fosse dado testemunho pelo Governo, a breve prazo, do que mais urgente há a fazer quanto à economia da água, aos apoios a uma agricultura alimentar que tanta falta nos fez, à preocupação com a Qualidade de Vida e com a gravidade das alterações climáticas;  porque, acreditem os produtivistas, não são balelas de ambientalistas simplórios como disse um patareco que se julga jornalista - só quando abrirem a torneira e não sair água, e quando tiverem de pagar os alimentos a preços proibitivos  para a maioria das pessoas é que talvez - talvez...-  nessa altura tenham receio que o "céu lhes caia em cima"...



















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