Este texto foi escrito em 19.10.22 e tem estado a aguardar…
A desagregação do
sector agro-florestal
A
falta, acentuada nas últimas décadas, de políticas de médio e longo prazo,
ameaça o futuro sustentável do nosso país. Tão mau como isto só o descalabro
do Serviço Nacional de Saúde.
O nosso país tem
perdido capacidade de se auto-sustentar e de assegurar um futuro aceitável para
as próximas gerações. Palavras como alterações climáticas, transição digital,
não passam disso mesmo, de palavras para encher os ouvidos sem se traduzirem em
garantias de perenidade dos nossos recursos renováveis, raros e escassos, como
o solo e a água.
Desde que nas décadas de oitenta-noventa do século passado o Governo deu subsídios aos pequenos e médios agricultores para deixarem de produzir, invocando a solidariedade europeia, foi a abertura para o abandono do interior e de todas as zonas minimamente agricultáveis. A solidariedade europeia deveria ter-se afirmado pela atribuição de subsídios para melhorar a produtividade, certamente baixa de parte dos nossos solos, e incentivar novos agricultores.
Depois a extinção dos
Serviços de Extensão Rural foi o golpe fatal; em vez de fazer desse Serviço a
forma de atrair gente nova para a agricultura e de ter investido na
investigação e na experimentação agrárias (agro-florestal), o que se fez foi
destruir tudo quanto as Direcções Regionais de Agricultura faziam em termos de
investigação e experimentação que eram tão fundamentais para introduzir novas
culturas, nomeadamente de ciclo curto, e novas tecnologias.
Por mais que um ex primeiro-ministro
diga que foi ele o primeiro e autêntico social-democrata o que na verdade fez
foi abrir as portas à agro-indústria e ao aumento exponencial da mata
industrial de eucalipto. Houve certa altura, não preciso de citar nomes, em que
o Ministério da Agricultura e Florestas esteve por inteiro entregue a políticos
oriundos da indústria da celulose. Grave é que nenhum outro Governo depois foi
capaz de travar a política neoliberal que se insinuou, como sempre fez o
liberalismo ao longo dos tempos desde o século XIX. Em 2005 era tão patente que
até eu escrevi uma crónica intitulada “Este socialismo liberal”, em que previa
que a primeira palavra cairia e ficaria apenas a segunda…
É o que acontece,
apesar dos governos ditos socialistas que temos tido, com o estado depauperado
a que chegou o nosso sector agro-florestal e, consequentemente, a política
ambiental. O neoliberalismo que ocupa as mentalidades de muitos é como a hidra
que renasce sempre, quando lhe cortam uma cabeça faz nascer outras; e apesar
das tiradas de fé dum Fukuyama ( nada pior que o fanatismo…) que anuncia há
várias décadas que a História acabou e
só o liberalismo está para ficar, há quem, como Joseph Stiglitz, Prémio Nobel
da Economia, avisasse já em 2001 que o
liberalismo prejudica a democracia há 40 anos, e voltou a denunciar em 2019 que
continua a haver economistas a pensarem
não haver grandes motivos para preocupação se mantivermos o aumento da
temperatura global até aos 3 e 4ºC, o
que é uma aposta insensata e “não temos mais para onde ir se perdermos a
aposta”.
Precisa-se se
sensatez e realismo e, quanto a nós, à falada solidariedade europeia devemos exigir
apoio para refazermos uma agricultura alimentar e forrageira que tanta falta nos
faz, dessa forma compensando a menor produtividade de alguns solos, em vez de
estarmos a gastar solo e água, tão escassos sobretudo no Sul. com o regadio de olivais
e pomares industriais de fruteiras. Quem é o agrónomo credenciado que aceita
ser ministro da agricultura sem controlar todo o sector? Quem é o cérebro
iluminado, mas sem qualquer especialidade e experiência, que aceita ser
ministro do ambiente e das florestas sem conhecer nada desses assuntos?
Quando poderemos
voltar a ter governos que dediquem o máximo das suas capacidades e competências
(não de clientelismo) aos problemas centrais da sobrevivência?
Olhem para o mapa
abaixo, com origem no IPCC (que até já saiu no Publico num artigo de Patrícia
Carvalho) e que mostra áreas das grandes secas no mundo, mas olhem com olhos de
ver e cabeça para entender. E devolvam-nos uma política agro-florestal eficaz e
adaptada à garantia do nosso futuro. Basta de palavreado oco de sentido, é mais
que tempo do realismo, do conhecimento e de políticas que visem o médio e o
longo prazo no sector primário do qual depende a nossa sobrevivência como povo
e como Pais. Uma política democrática e
social não se pode ficar pelo assistencialismo aos mais necessitados, tem que
garantir o futuro para todos.
Já se está a preparar alguma estação de dessalinização da água do mar para fornecer água à população urbana que se estende ao longo do litoral? A água disponível hoje é quase só obtida no interior e é necessária para as populações desse interior que não têm outra alternativa - e água para a agricultura .
Todo o Mediterrâneo já faz abundantemente uso da água dessalinizada - e nós estamos à espera de quê?
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