sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Este texto foi escrito em 19.10.22 e tem estado a aguardar…

A desagregação do sector agro-florestal

A falta, acentuada nas últimas décadas, de políticas de médio e longo prazo, ameaça o futuro sustentável do  nosso país. Tão mau como isto só o descalabro do Serviço Nacional de Saúde.

O nosso país tem perdido capacidade de se auto-sustentar e de assegurar um futuro aceitável para as próximas gerações. Palavras como alterações climáticas, transição digital, não passam disso mesmo, de palavras para encher os ouvidos sem se traduzirem em garantias de perenidade dos nossos recursos renováveis, raros e escassos, como o solo e a água.

Desde que nas décadas de oitenta-noventa do século passado o Governo deu subsídios aos pequenos e médios agricultores para deixarem de produzir, invocando a solidariedade europeia, foi a abertura para o abandono do interior e de todas as zonas minimamente agricultáveis. A solidariedade europeia deveria ter-se afirmado pela atribuição de subsídios para melhorar a produtividade, certamente baixa de parte dos nossos solos, e incentivar novos agricultores.

Depois a extinção dos Serviços de Extensão Rural foi o golpe fatal; em vez de fazer desse Serviço a forma de atrair gente nova para a agricultura e de ter investido na investigação e na experimentação agrárias (agro-florestal), o que se fez foi destruir tudo quanto as Direcções Regionais de Agricultura faziam em termos de investigação e experimentação que eram tão fundamentais para introduzir novas culturas, nomeadamente de ciclo curto, e novas tecnologias. 

Por mais que um ex primeiro-ministro diga que foi ele o primeiro e autêntico social-democrata o que na verdade fez foi abrir as portas à agro-indústria e ao aumento exponencial da mata industrial de eucalipto. Houve certa altura, não preciso de citar nomes, em que o Ministério da Agricultura e Florestas esteve por inteiro entregue a políticos oriundos da indústria da celulose. Grave é que nenhum outro Governo depois foi capaz de travar a política neoliberal que se insinuou, como sempre fez o liberalismo ao longo dos tempos desde o século XIX. Em 2005 era tão patente que até eu escrevi uma crónica intitulada “Este socialismo liberal”, em que previa que a primeira palavra cairia e ficaria apenas a segunda…

É o que acontece, apesar dos governos ditos socialistas que temos tido, com o estado depauperado a que chegou o nosso sector agro-florestal e, consequentemente, a política ambiental. O neoliberalismo que ocupa as mentalidades de muitos é como a hidra que renasce sempre, quando lhe cortam uma cabeça faz nascer outras; e apesar das tiradas de fé dum Fukuyama ( nada pior que o fanatismo…) que anuncia há várias décadas que a História  acabou e só o liberalismo está para ficar, há quem, como Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da  Economia, avisasse já em 2001 que o liberalismo prejudica a democracia há 40 anos, e voltou a denunciar em 2019 que continua  a haver economistas a pensarem não haver grandes motivos para preocupação se mantivermos o aumento da temperatura global  até aos 3 e 4ºC, o que é uma aposta insensata e “não temos mais para onde ir se perdermos a aposta”.

Precisa-se se sensatez e realismo e, quanto a nós, à falada solidariedade europeia devemos exigir apoio para refazermos uma agricultura alimentar e forrageira que tanta falta nos faz, dessa forma compensando a menor produtividade de alguns solos, em vez de estarmos a gastar solo e água, tão escassos sobretudo no Sul. com o regadio de olivais e pomares industriais de fruteiras. Quem é o agrónomo credenciado que aceita ser ministro da agricultura sem controlar todo o sector? Quem é o cérebro iluminado, mas sem qualquer especialidade e experiência, que aceita ser ministro do ambiente e das florestas sem conhecer nada desses assuntos?

Quando poderemos voltar a ter governos que dediquem o máximo das suas capacidades e competências (não de clientelismo) aos problemas centrais da sobrevivência?

Olhem para o mapa abaixo, com origem no IPCC (que até já saiu no Publico num artigo de Patrícia Carvalho) e que mostra áreas das grandes secas no mundo, mas olhem com olhos de ver e cabeça para entender. E devolvam-nos uma política agro-florestal eficaz e adaptada à garantia do nosso futuro. Basta de palavreado oco de sentido, é mais que tempo do realismo, do conhecimento e de políticas que visem o médio e o longo prazo no sector primário do qual depende a nossa sobrevivência como povo e como Pais.  Uma política democrática e social não se pode ficar pelo assistencialismo aos mais necessitados, tem que garantir o futuro para todos.

 




E completo este assunto com outro mapa mundial com origem também no IPCC. que revela as zonas de maior escassez de água -  estamos lá, hem ?




Agora perguntamos ao Governo o que é que se está a fazer para enfrentar esta realidade? Já se viu alguma campanha maciça voltada para  a população nas TVs, rádios e imprensa, para  mobilizar para a economia da água, sobretudo no Sul? Não se trata de lançar o pânico, mas sim de sensibilizar as pessoas para menores consumos supérfluos da água.

Já se está a preparar alguma estação de dessalinização da água do mar para fornecer água à população urbana que se estende ao longo do litoral? A água disponível hoje é quase só obtida no interior e é necessária para as populações desse interior que não têm outra alternativa -  e água para a agricultura .

Todo o Mediterrâneo já faz abundantemente uso da água dessalinizada - e nós estamos à espera de quê?







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