sábado, 5 de maio de 2018


Em louvor da dieta mediterrânica

Qualquer dieta de um povo ou de uma região tem sempre o seu suporte na ecologia própria da área em que se desenvolve.
Fala-se muito da  dieta mediterrânica que se tornou   famosa a partir dos estudos do médico norte americano Ancel Keys, que no século passado estudou as relações da alimentação com a saúde em vários países do mundo. E constatou que a percentagem de mortes por acidentes cardiovasculares na Finlândia andava pelos 80% enquanto na ilha de Creta era de 4%. Chegou à conclusão que era do regime alimentar seguido e dos benefícios dessa alimentação.

O Mediterrâneo, o Mare Nostrum dos romanos, é uma região privilegiada em termos de Ecologia e em termos de Humanidade.

Esse mar  formara-se, tal como outros mares  da região,  como resultado do desaparecimento do primitivo Mar de Tetis.
Durante o período Paleoceno ( 67 MA) assistiu-se a uma grande regressão marinha e a um aquecimento geral.

No final do  Eocemo, o Mediterrâneo era um grande lago  salgado, sujeito a forte evaporação e  quase a extinguir-se. Temperaturas elevadas criaram em toda a bacia mediterrânica um ambiente tropical e subtropical.
Até que há 53 milhões de anos uma forte actividade tectónica afastou as placas euroasiática e africana, rompendo-se o estreito de Gibraltar, e dando lugar ao enchimento do Mediterrâneo.

 Há uns 100.000 anos  iniciou-se um tempo de progressivo e forte arrefecimento que teve o seu auge na última glaciação de Wurm cerca de 20.000 anos aC. dando lugar também a grande e progressiva  transformação da vegetação e da fauna tropicais, empurradas para sul do Mediterrâneo.
Desta era tropical ficaram por cá algumas relíquias como a alfarrobeira, o loureiro, a palmeira do Algarve ( única palmeira da Europa), o macaco de Gibraltar e a flora da Macaronésica.
Na Macaronésia encontramos a floresta da Laurissilva dominada pelas lauráceas e outras espécies tropicais e subtropicais , que se espalham pela Madeira, Açores , Canárias e Cabo Verde.

 Durante a  era mais fria  desenvolveram-se entretanto florestas de coníferas de que restam na bacia mediterrânica  os géneros Cedrus, Pinus e Cupressus,   e mais tarde  foram dando lugar a espécies folhosas caducifólias  e  a seguir perenifólias e esclerófitas.

O clima foi acentuando as suas características de aridez e deu origem à formação de estepes em especial em todo o Mediterrâneo oriental e norte de África. Isto foi particularmente nítido entre 11000 e 10 000 aC, conduzindo ao início da desertificação em toda a região do  Sahara.
Mas foi a instalação da estepes que afinal possibilitou  a evolução  cultural dos seres humanos, com o início da agricultura.

Com a progressiva humanização, também ocorreu a progressiva destruição das florestas , já de si de lento crescimento, dando origem aos matagais mediterrânicos.
Formações de florestas e de matagais  estenderam-se por toda a orla do Mare Nostrum, e até nós, no barrocal algarvio e  na serra da Arrábida, chegou a aliança Oleo-Ceratonion, cujas espécies dominantes são o zambujeiro  e a  alfarrobeira.

O deserto no Sahara instalou-se definitivamente pelos 7000 aC e ainda se pode fotografar o último ramo verde do ultimo cipreste  vivo no Tassili N’Ager, com mais de 7000 anos ; os povos que abandonaram o Sahara em direcção ao vale do Nilo, gravaram numa laje uma vaca com uma lágrima nos olhos – sinal do desespero e sofrimento que aqueles povos sentiam ao ver morrer o gado com fome e sede e também da capacidade artística do ser humano desde os seus primórdios, ser humano que  sabe transmitir sentimentos através da arte. 
Nas estepes cresciam leguminosas e gramíneas que o homem descobriu  poderem ser comidas e poderem ser semeadas em maiores quantidades ; foi a primeira agricultura e o romper do Neolítico.

Começaram por ser semeadas algumas leguminosas como a lentilha e o grão de bico ( a Bíblia  fala no prato de lentilhas) e  diversos cereais selvagens como aveia, cevada e trigo… Dieta completada com carne de caprinos, ovinos, suínos e alguma caça . E peixe consumido em fresco ou conservado pelo sal.
Ainda hoje se consegue delimitar a área de distribuição dos trigos selvagens. O trigo espelta , por exemplo, é ainda hoje  apreciado pelos gourmets vegetarianos

A grande  espécie ícone do Mediterrâneo é a oliveira, que foi obtida a partir de variedades da oliveira brava. Por exemplo na Madeira  existe uma espécie de oliveira selvagem diferente do nosso zambujeiro (Olea europea  var.sylvestris), que é a Olea maderensis.
A cultura da oliveira é muito antiga quer para consumo do fruto quer como produtora de óleo, como atesta a descoberta em Jericó de  ânforas de azeite datadas de 6000 aC. Os povos do Mediterrâneo oriental espalharam depois as variedades cultivadas por toda a Europa do sul  e Norte de África-

 A intervenção nos ecossistemas naturais fez-se pelo pastoreio e pelo fogo, originando paisagens características e até dando lugar a adaptações de muitas plantas aos ciclos dos fogos.

A outra espécie que marca a imagem da região mediterrânica é a videira – a espécie Vitis vinifera ou videira europeia, susceptível de centenas de variedades ou castas obtidas com o seu cultivo, primeiro como planta produtora de frutos, depois pela sua utilização para  vinho.

A  composição das paisagens mediterrânicas do sul da Europa manteve-se dentro de parâmetros conhecidos ao longo dos séculos : campos de cultura cerealífera. compartimentação com árvores de fruta e certamente oliveiras, e vinhas em linhas pelas curvas de nível. As Geórgicas de Virgílio continuaram a ser ao longo da Idade Média o tratado de agronomia mais seguido.
 Nas povoações eram frequentes os hortos ou jardins murados.

Assim nasceu a trilogia alimentar mediterrânica, lançada por Braudel : pão, azeite, vinho. E  como complemento dos produtos agrícolas vieram a caça e a  criação de gado miúdo, além da pesca de espécies  marinhas muito valiosas em nutrientes.

A dieta mediterrânica é pois famosa pela qualidade dos alimentos que a compõem e tornou-se uma moda, se bem que muita gente fala dela sem saber exactamente de que está a falar.
O seu valor  como base da alimentação vem de os alimentos da serem  ricos em :
- anti-oxidantes que ajudam a prevenir a formação de radicais livres nas células ,  ácidos gordos ,Omega 3 e vitaminas C e E
-anti-coagulantes , como a  vitamina K existente nas   cerejas, uvas, mel, vinho e  frutos secos.

Para concluir digamos alguma coisa sobre qualidade de vida.
A qualidade de vida que foi um dos leit motive de Gonçalo Ribeiro Telles,   não depende apenas da alimentação, que é sem dúvida fundamental, mas também do estilo de vida, combatendo a vida sedentária que a cidade muitas vezes promove, mas que tem que ser contrariado pela qualidade da paisagem urbana, onde a Natureza tem de estar presente e a estrutura verde  é tão importante como as outras infraestruturas urbanas. Este foi e é um dos grande combates de Gonçalo Ribeiro Telles e de todos quantos o seguem !!

Percebemos assim ,creio eu,  que  a nossa famosa dieta mediterrânica foi resultado da evolução das condições ecológicas  desta grande região, berço de civilizações desde a mais remota Antiguidade , mas também devemos concluir que a cidade mediterrânica sempre contribuiu para completar os benefícios que os produtos da Natureza nos concedem.


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