A polémica sobre um falado
Museu dos Descobrimentos
A ideia da Câmara Municipal de Lisboa de propor um Museu dos Descobrimentos lançou entre os fundamentalistas de esquerda da História, como era de esperar, uma acesa polémica - e eu não consulto as redes sociais, onde parece que as coisas chegaram ao rubro. E digo fundamentalistas de esquerda da História porque é de entre eles que mais vezes se adiantam argumentos que podem ser resultado da livre opinião - como é a minha - mas que ameaçam ser tão redutores que se tornam "impróprios para consumo".
Analisar a História de séculos atrás com a óptica da vida e dos comportamentos de hoje é tão absurdo como as verdades do Senhor de La Palice.
Fala-se por um lado no termo "descobrimentos" como ofensivo, como se os portugueses se estivessem a apropriar de descobrirem outros seres humanos que já existiam antes de termos chegado lá; por outro lado fala-se na escravatura e nas culpas dos portugueses nesse negócio horrível de seres humanos.
É claro que a "descoberta" é em função do conhecimento que se tinha ou não tinha do mundo, e isso também foi assim sempre, como o Mare Nostrum que foi a adopção pelos romanos do Mar Mediterrâneo que não era todo deles mas que era o que eles conheciam e dominavam.
Quanto à escravatura , ela sempre existiu desde que há sociedades humanas organizadas, e os puristas de esquerda fariam bem voltar a ler Karl Marx e ver como ele situa a escravatura numa das fases da História da economia e da humanidade. Todos os povos do Ocidente e do Oriente, de todas as religiões, tiveram escravos e mantiveram a escravatura algum tempo para lá dos portugueses.
Portugal ter de pedir desculpa por ter praticado a escravatura, levaria a que outros aparentemente insuspeitos tivessem também que fazer o mesmo ; sabemos que os portugueses que negociavam os escravos não entravam por África dentro e arrebanhavam as filas de seres humanos - eram os sobas ou chefes das aldeias, mesmo os muçulmanos, que traziam até aos navios portugueses os pobres indígenas que vendiam e de que recebiam pagamento. Vai-se exigir aos sobas de hoje que peçam desculpas aos seus povos por os seus antepassados terem praticado aqueles actos ignominiosos?
Vou contar uma pequena história : uma vez em que estive na ilha de Goreia, em frente a Dackar, a visitar o Museu da Escravatura, ouvi o guia falar do comércio dos escravos e apenas se referia aos portugueses como tendo sido os grandes obreiros desse negócio. Então eu perguntei-lhe, em voz alta, já que era assim porque é que no painel do Museu em que estavam os nomes dos principais negreiros, só havia nomes holandeses, ingleses, franceses e nenhum português? Ele ficou embaraçado, e depois ainda lhe disse que num outro painel com nomes de figuras importantes que tinham estado na ilha...só havia nomes de navegadores portugueses e até da futura D.Maria II quando veio do Brasil para casar em Lisboa. E o homem voltou a ficar embaraçado. E é assim que se faz "alguma" História...
Portugal foi até o segundo país europeu a acabar formalmente com a escravatura no século XIX, portanto há muitos outros países que têm muitas desculpas a apresentar. Dito isto, quem me acusar de estar a desculpar a escravatura está de má fé, acho que era uma situação intolerável - mas à vista dos séculos em que todo o mundo a praticava, não era nada de mais. A História é assim.
Eu sempre me interessei por Museologia, acho os museus muito importantes se forem bem concebidos, pois os museus de hoje nada têm a ver com aquelas casas bafientas cheias de vitrinas com peças. Anda há dias propus a ideia de se criar um Museu da História e Identidade do Algarve, a ver se alguém pega nessa ideia.
Quanto ao Museu previsto pelo Presidente da Câmara de Lisboa, como cada cabeça sua sentença e eu também tenho a minha. E acho que ficaria fora de polémicas um Museu das Navegações Portuguesas, porque, estas sim, foram uma epopeia com bases científicas ( à época) e estratégia política genial que os portugueses lançaram, em pleno espírito do Renascimento, abrindo o mundo aos limitados conhecimentos dos europeus e levando "aos Orientes" o conhecimento da existência real e voluntarista de um pequeno povo que, encurralado entre um país enorme e forte, o reino alargado de Castela, e o mar tenebroso, não teve outro remédio senão ir por esse mar fora.
E porquê em Lisboa ? Não há já em Lisboa museus bastantes e até um circuito possível entre vários ícones dos Descobrimentos? Pois eu acho que um Museu destes poderia ficar muito bem na Ilha da Madeira, a primeira terra descoberta e que estava deserta de habitantes ( se o Porto Santo não protestar...).
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