sábado, 28 de março de 2020

Incongruências

Num tempo de  peste mundial  é inevitável que brotem incongruências dos mais diversos campos da vida dos povos.
1 - O drama humanitário dos refugiados -  Não é possível esquecer o que se está a passar com os refugiados que acorrem à Grécia, empurrados pela chantagem que o proto-ditador turco faz com a UE.
Mas só quero acrescentar, para registo,  um depoimento  terrível.
Hoje ouvi um breve depoimento de uma jovem portuguesa de 23 anos que está a trabalhar num campo em Lesbos.  Sobre esta pandemia o que ela disse é arrepiante: quando o vírus chegar àqueles milhares de pessoas a viverem nas condições de miséria e despojo absoluto, não haverá nada a fazer senão vê-los morrer . Se para os dias de hoje quase não há apoio que chegue para mitigar a fome, se a pandemia entrar nos campos de refugiados, não haverá apoio para tratar seja quem for. Que Humanidade é a nossa ?!
2- O vírus e a economia -  Não é preciso ser economista para  um cidadão medianamente informado já ter entendido que as consequências desta pandemia para a economia mundial serão catastróficas. E pouco têm a ver com  anteriores crises, mesmo com a última Guerra Mundial - aqui morreu muita gente, foi destruída muita infraestrutura, muitas cidades, muitas fábricas, mas houve sempre alguma coisa a funcionar,  os homens iam para a frente de batalha e as mulheres invadiram as fábricas, as oficinas.  o comércio, etc, e mantiveram muita coisa a laborar. E a situação política mundial era muito diferente : não existia esta globalização neoliberal que agora se implantou mesmo em países como a China que se dizem não capitalistas mas usam as mesmas regras, e os Estados eram independentes, havia trocas comerciais mas cada país podia orientar a sua economia, as suas finanças e a sua moeda como entendesse melhor. Esta diferença é abissal  face à  interdependência que hoje se constata entre Estados e entre blocos económicos. As políticas económicas a aplicar para enfrentar os choques negativos da oferta e da procura não podem ser as receitas neoliberais que até aqui funcionaram,
Como referia o Prof. Paul de Grauve  as longas cadeias de produção, que hoje  são interrompidas pela paragem de funcionamento e por decréscimo da procura, são o resultado da globalização. Não podem ser eliminadas de um dia para o outro.
Haverá uma tendência para políticas mais sociais e para cadeias de produção de menor escala e menos  tão crucialmente interdependentes.
O capitalismo sem restrições desempenhou um papel central na criação das múltiplas crises que as sociedades enfrentam actualmente - escrevia o Prof. Joseph Stiglitz muito antes ainda da chegada da pandemia.
Estas ideias já circulam por aí e deixam muita direita de cabeça perdida. 
O último exemplo do abismo a que as políticas até agora seguidas nomeadamente pela UE, conduzem, está bem patente nestes últimos episódios sobre a instituição ou não dos eurobonds, onde países estruturalmente neoliberais no pensamento e na acção se opõem frontalmente à emissão de dívida comunitária que permitiria aos países em mais dificuldades recuperarem o seu equilíbrio económico e de finanças públicas.
Vamos olhando ao desenrolar da crise e veremos,  nem os maiores  experts sabem dizer o que virá  depois da passagem do pico desta pandemia. Cá estaremos se não formos  vítimas...





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